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Lendário e fascinante, Edifício Oceania completa 80 anos em agosto
Icônico prédio localizado próximo ao Farol da Barra faz aniversário no dia 14 de agosto
Por Gilson Jorge
Um equipamento metálico com cerca de dois metros de altura repousa em uma sala do terraço do Edifício Oceania, no Farol da Barra, à espera de um destino, enquanto operários removem outros objetos de menor tamanho.
O local vai virar um memorial do primeiro condomínio residencial de Salvador, o icônico prédio inaugurado em 1943. São oito décadas de histórias que estão sendo organizadas e que poderão ser vistas por quem frequenta o prédio a partir do próximo dia 1° de setembro.
E esse é um imóvel repleto de história. A geringonça estacionada no terraço, por exemplo, é o painel de controle de um dos elevadores originais do prédio, que completa 80 anos de inauguração no próximo dia 14 de agosto, e que foram trazidos da Inglaterra de navio, durante a Segunda Guerra Mundial.
Estava guardado no alto desde que deixou de funcionar. Durante décadas, ficou estocado no terraço, que havia sido planejado para abrigar dormitórios dos motoristas dos moradores, mas acabou virando depósito de descartes.
Atualmente, o terraço abriga um salão de festas e uma área gourmet, além do memorial em fase de implantação.
Boa parte do material usado na edificação foi trazida da Europa durante a guerra, o que atrasou o cronograma de obras e encareceu o orçamento. Mas o conflito bélico que assolava o mundo não adiou por muito tempo os sonhos da elite baiana de começar a modernizar Salvador.
Enquanto os aliados lutavam para derrotar o nazismo em campos de batalha europeus, a família Costa Pinto inaugurava na Avenida Sete de Setembro uma monumental construção art déco, estilo arquitetônico que já estava caindo em desuso em Paris, mas continuava uma referência para as elites do Rio de Janeiro, então capital federal, e de Salvador, a primeira capital, em decadência econômica.
A busca de um empreendimento imobiliário arrojado levou os construtores a incluir no projeto um cassino com decoração no estilo francês.
Mas a aposta no jogo só durou três anos porque, em 1946, três meses depois de tomar posse, o presidente Eurico Gaspar Dutra decretou o fim dos jogos de azar em todo o Brasil.
Um dos moradores emblemáticos do Oceania é o empresário Sérgio Bezerra, famoso por ser dono do lendário boteco Habeas Copos e criador da Banda homônima, que desde 1978 circula pelas ruas da Barra na quarta-feira que antecede o Carnaval.
Há 10 anos, foi homenageado pela prefeitura com a criação do Circuito Sérgio Bezerra, e mora no Oceania desde que colocou seu bloco na rua.
Bezerra nasceu seis anos depois da inauguração do prédio e morava em uma casa próxima ao prédio, na Rua Afonso Celso.
"O Oceania já era um ícone da cidade e amigos meus de infância moravam aqui, como Alfredo Vita e Roberto Wiesniewski. Nós íamos ao Cine Oceania para ver Oscarito, Zé Trindade, todos aqueles filmes", lembra Sérgio Bezerra.
Nessa época, a classe média alta soteropolitana se dividia em tribos. Havia a turma do Farol da Barra, a turma do Porto da Barra, a turma de Nazaré e a turma da Ribeira, por exemplo.
Vizinhos do Farol
Para os jovens do Farol da Barra, o Oceania era sinônimo de diversão, com as grandes festas de debutantes promovidas nos próprios apartamentos das adolescentes ou no espaço da Boate Oceania.
Em dias de festa, mulheres, moradoras do prédio e amigas aglomeravam-se em frente aos espelhos dos salões de banho dos apartamentos para conferir se o visual estava impecável e resenhar com as companheiras.
Além dos filmes de Hollywood que o Cine Oceania também exibia, a grande influência cultural dos Estados Unidos sobre a juventude brasileira no pós-guerra ficou evidente a partir do fim de 1972, quando foi inaugurado o Bar e Sorveteria Oceania, que servia delícias cremosas oriundas da América do Norte, como o milkshake e os sundaes Banana Split e Dusty Miller.
Atual síndico do prédio, o engenheiro agrônomo carioca João Pedro Cardoso, juntamente com sua mulher, Solange, viu no Oceania uma das razões para continuar morando em Salvador.
Admitidos em concurso público para o Banco do Brasil, eles vieram assumir seus postos em Salvador com o propósito de retornar à terra natal assim que surgissem vagas por lá. Os dois haviam alugado um apartamento a poucos metros do Oceania, no Edifício Baía de Todos-os-Santos, que curiosamente fica fora da baía, e ficaram impressionados com o imponente edifício em frente ao Farol da Barra, pelo qual passavam constantemente.
Vagas
Três anos depois da chegada do casal à Bahia, abriram-se vagas no Rio de Janeiro, mas eles já estavam divididos sobre o retorno depois de lerem no Jornal A TARDE um anúncio de um apartamento colocado à venda no Oceania.
O imóvel era maior do que eles precisavam, não tinham mobiliário suficiente, mas se encantaram com a unidade e perceberam que seria muito difícil adquirir algo semelhante, de frente para o mar, no Rio de Janeiro. A decisão sobre o Oceania foi tomada à beira da Baía de Todos-os-Santos.
"Um dia fomos ao restaurante Maria de São Pedro, no Mercado Modelo, na hora do pôr do sol. Pedimos mariscos e no fim nos olhamos, sem dizer nada, só balançamos a cabeça, sinalizando que não voltaríamos para o Rio", conta Cardoso, a quem coube liderar a organização dos festejos em comemoração aos 80 anos do prédio, cuja agenda será divulgada na próxima quarta-feira.
Carioca e filha de baianos, a economista e arteterapeuta Adélia Xavier começou a frequentar o Oceania ainda na infância, nas férias, quando depois do banho de mar no Farol era levada pelos pais à sorveteria do prédio. Em 2003, os seus pais passaram a residir no edifício, no apartamento herdado por sua mãe depois da morte do primo José Pedreira, sócio da lendária boate Anjo Azul, no Dois de Julho. Depois da morte dos pais, a própria Adélia tornou-se moradora do Oceania, há dez anos.
Sobre o edifício que viu ainda como visitante, a economista declara: "Era um prédio diferente de tudo o que a gente conhecia. Depois, a gente voltou em um verão, de férias, e tinha um supermercado. Tudo girava em torno do Farol e do Oceania, na época em que eu vinha de férias".
Outra vantagem do Oceania, que tem 48 apartamentos em oito andares, é que o prédio tem uma localização estratégica para serviços de telefonia e telecomunicações e, graças ao aluguel de parte do terraço para a instalação de antenas, a taxa de condomínio custa R$ 450.
Mas nem tudo são flores para quem mora no prédio, assim como em outros edifícios da área. A permanente realização de atos civis e festas no Farol da Barra tira a paz de quem está dentro de casa.
"Não é só o Carnaval. Há uma concentração de eventos aqui. É muito desagradável. Às vezes, aos domingos de manhã, tem barulho de maratona", reclama a economista, que entrou com uma ação no Ministério Público do Estado contra um bar na vizinhança por poluição sonora. "Depois da segunda audiência, o bar reduziu o barulho", afirma Adélia.
Sua vizinha e amiga Grace Fraser, gerente de logística, sofre menos com os ruídos ao redor. Um dos motivos é que ela sempre gostou de Carnaval e, embora não tenha mais disposição de ficar na muvuca, costumava descer do prédio para se jogar como foliã pipoca. "Havia um posto de gasolina no Farol e quando ficava muito apertado na rua eu ia para lá", lembra Grace, que integra a terceira geração da família no Oceania.
Seus avós ingleses iam se mudar para a Argentina, o navio enfrentou problemas de combustível na costa brasileira, e eles decidiram parar na cidade mais próxima, que era Salvador. O avô dela, que era médico, acabou comprando um apartamento no prédio recém-inaugurado.
Oportunidades
No Carnaval, muitos moradores idosos deixam o prédio e aproveitam para ganhar dinheiro alugando seus imóveis. Crises geram oportunidades, dizem por aí.
Morador do prédio há seis anos, o corretor de imóveis potiguar Felipe Júnior, gerente comercial de uma imobiliária, aproveita o fato de o edifício ter se tornado um camarote privilegiado da festa para tentar fidelizar clientes que alugam as unidades temporariamente e que um dia, quem sabe, podem comprar um apartamento.
"A decisão de morar aqui foi em função do trabalho. Há uma procura muito grande pelo Oceania", declara o gerente.
Um trabalho que ganhou o auxílio do marketing gerado pela presença de famosos como proprietários de apartamentos no edifício.
A lista de condôminos célebres inclui Flora Gil, o casal Lázaro Ramos e Thais Araújo, Vladimir Brichta e Wagner Moura, além da ex-ministra do Supremo Tribunal de Justiça, Eliana Calmon.
Se para o negócio imobiliário moradores ilustres ajudam a movimentar o negócio, inclusive com os próprios artistas indicando a amigos unidades disponíveis para aluguel ou compra, moradores antigos tratam de manter a política de boa vizinhança, com simpatia e respeito. "A gente tem que entender a privacidade das pessoas e também o fato de que somos todos moradores", assinala Grace Fraser.
O que não deixa de ser uma mudança cultural em um prédio que em suas primeiras décadas tinha um clima de cidade do interior, com moradores batendo à porta dos vizinhos para pedir emprestado algo que faltou na despensa, segundo relatos de moradores antigos.
E não foi só o que mudou. Caçula entre seis irmãos, Grace lembra que em sua infância seus pais a convenciam a comer dizendo que se ela ficasse magra o vento do Farol da Barra a levaria. E isso nem era o mais assustador.
Há relatos de famílias que para manter as crianças na linha as ameaçavam com um fantasma chamado Júlio, que ocupava as escadas mal iluminadas e outros ambientes sombrios e perseguiam crianças desobedientes.
Outras histórias envolvendo o Oceania povoaram as mentes adultas do condomínio. Como a hipótese de que o governo dos Estados Unidos, que ocupou a Base Aérea de Salvador durante a guerra, teria auxiliado na construção do Oceania para que oficiais estadunidenses morassem no prédio. Além da versão de que o Oceania tinha sido construído em cima de um cemitério indígena.
O jornalista Luiz Teles, contratado para fazer a pesquisa de conteúdo para o memorial, afirma que ainda não encontrou qualquer registro que sustente essas teses: "Quem falava essa história dos Estados Unidos era o historiador Cid Teixeira. Mas até agora não encontrei nenhuma pista sobre isso".
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