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Luiz Magalhães: "É possível prevenir a morte súbita"

Por Marcos Dias

Dizer que uma hora se está aqui e na outra não se está mais não ajuda muito a entender do que se trata a morte súbita. Um dia, qualquer dia, estaremos aqui uma hora e não estaremos na seguinte. O cardiologista Luiz Magalhães, especialista em arritmologia e cirurgia pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, é coordenador do serviço de arritmia do Hospital Português, que atende pacientes com distúrbios do ritmo cardíaco, seja o coração acelerado (taquicardia) ou coração em ritmo lento (bradicardia), em que é preciso usar dispositivos como marcapasso, ou aqueles corações rebeldes, sem ritmo, e se brincar quase sem lei. “No Brasil, são 204 mil pessoas que têm morte súbita anualmente”, diz ele, que participou no mês passado do 36º Congresso Brasileiro de Arritmias Cardíacas em Salvador e, nesta entrevista, esclarece o sentido de morte súbita, como a Bahia está em relação às novidades da área e sobre ressuscitamento – isso, uma parada cardíaca pode não ser o fim.
É comum ouvir que alguém morreu de parada cardíaca. Mas parece que essa condição, digamos, tem a ver com todos que morrem. Há sempre arritmia antes de uma parada cardíaca?
A parada cardíaca que na nossa área tememos é a morte súbita. A morte súbita cardíaca, em 80% das vezes, está relacionada a algum evento como infarto agudo do miocárdio, alguém que tem doença cardíaca e já infartou. No nosso meio há muita doença de Chagas no Recôncavo baiano, e também pessoas que têm doença no músculo do coração. Idosos e diabéticos têm uma série de complicações na vida, com uma chance maior de terem morte súbita. É uma morte inesperada. Não é o paciente que está internado na UTI, acamado, convalescendo de alguma doença, mas o paciente que está em plena atividade, está andando na rua, ou dormiu e não acordou. Quando a pessoa morre tem duas formas de morrer: ou vai morrer com o coração muito lento e ele para de bater, ou pode ter uma arritmia, uma fibrilação ventricular, que é a responsável pela morte súbita: de repente o coração acelera e o indivíduo perde a consciência. Se ele não for ressuscitado, vai ter sua morte súbita declarada.
O que pode ser feito?
A cena mais típica costuma ser a do idoso que está andando e cai. Devemos verificar os sinais vitais imediatamente, ligar para o Samu, se estiver num local com serviço médico alguém começa a massageá-lo, o Samu chega, coloca o desfibrilador, e, se a pessoa tiver tendo arritmia, toma um choque e vai para o hospital. Foi ressuscitado. É esse tipo de arritmia e morte súbita que combatemos.
Sempre choca a opinião pública quando um jovem ou atleta tem morte súbita.
O indivíduo que tem um infarto e fica com sequelas realmente corresponde a 80% dos eventos de morte súbita. O trabalho de prevenção da cardiologia é que essas doenças não progridam, mas as doenças cardiovasculares ainda são uma das principais causas da mortalidade no mundo moderno. Como você falou, a morte súbita não pega apenas o indivíduo idoso, infartado, que corresponde aos 80%, mas o indivíduo jovem, o atleta, inclusive, o que é um paradoxo. Esses jovens que têm morte súbita por arritmia têm uma doença, essa doença pode ser aparente, só que não foi descoberta porque ele não fez uma triagem. Ele tem uma doença congênita, familiar, tem o músculo do coração espessado, alguma alteração congênita, ou pode ter alteração inaparente, mas que num eletrocardiograma (ECG) poderia ver, são as doenças genéticas elétricas. Às vezes, você faz um exame físico, um raio-x, um ecocardiograma, o coração é normal, mas quando você vai ver o eletrocardiograma, há sutilezas que demonstram que tem uma doença elétrica que pode matá-lo ante um esforço físico. Então, desses jovens que morrem subitamente, a maioria das vezes são causas preveníveis. A maioria desses atletas que têm morte súbita não sabia realmente que tinha doença. Mas existem alguns que sabem, e, por problemas contratuais, financeiros, insistem em praticar o esporte e acabam tendo o evento fatal.
Pessoas que trabalham em UTIs cardiológicas às vezes comentam que tem sido comum jovens chegarem passando mal por causa de noitadas, álcool, energéticos... Isso pode desencadear arritmia?
Substâncias químicas ou ilícitas já podem provocar arritmias letais. Quando você tem uma base, um probleminha, ou elétrico ou no músculo do coração, você potencializa o efeito desses medicamentos. E não apenas substâncias de festa. Às vezes, substâncias para emagrecer, energéticos, hormônios que se usam em academias, isso pode tornar um indivíduo são em um indivíduo doente.
Já ouvi pessoas falarem que morte súbita é a melhor forma de morrer porque não se passa por muitos “perrengues”... O que acha disso?
Acho que a morte súbita deve ser evitada enquanto for desejado pelo paciente e pela família. Há situações nas quais, conforme uma decisão compartilhada, idosos acamados, doentes terminais, existe o que chamamos de paliação na medicina, em que, de comum acordo, não se fazem terapias invasivas e de ressuscitação. Isso é fato e tem sido divulgado muito nos hospitais e entre familiares. E há situações em que a morte súbita, não que seja desejada, mas não deve ser evitada. Mas isso não é o que acontece com a maioria das pessoas; na maioria das vezes é algo inesperado. A prevenção da morte súbita tem vários tópicos. A base da pirâmide é você prevenir doenças.
Vamos a eles.
Se o infarto é uma das causas mais comuns de morte súbita, vamos preveni-lo: tratar pressão alta, diabetes, controlar o colesterol e fazer a atividade física. Aí se você não adoece o seu coração, você vai diminuir a chance de ter essa morte súbita, claro, com a idade mais precoce. Mas tem situações que nada disso vai ser efetivo: as pessoas que nascem com doenças elétricas do coração têm que fazer a prevenção com o tratamento. Essa prevenção é específica da parte da arritmia: pode partir pelo uso de medicamentos para arritmias, podendo ser necessário o uso de terapêuticas como procedimentos invasivos, como um cateterismo, chamamos ablação por cateter, que vai localizar os focos que fazem o coração disparar e é possível cauterizar. A grande maioria consegue ficar curada. Existem também os dispositivos, marca-passos e os desfibriladores, aparelhos de pequenas cirurgias que protegem os pacientes contra arritmias. Então, é possível prevenir morte súbita.
Um dos sintomas das arritmias são as palpitações, que, dependendo do tipo, também estão relacionadas a AVC...
A base da sintomatologia das arritmias está em dois pilares: palpitação e desmaio. Isso já é razão para o paciente procurar um cardiologista para investigar. Tem uma campanha até para que a pessoa faça um autoexame para checar se o pulso está irregular. Tem gadgets, aparelhos de celular que investigam a frequência cardíaca, e algumas marcas de smartwatch que já fazem reconhecimento de arritmias e mandam um eletro para o médico. Com esses aparelhos inteligentes, celulares e relógios, se você tiver uma fibrilação atrial, que é uma irregularidade de batimentos e está relacionada com fenômenos de AVC, mesmo que não sinta nada, é feito o registro e encaminhamento. O sujeito consegue ter uma monitorização. Por que isso é importante na fibrilação atrial? Porque às vezes ela dá uma palpitação, e às vezes não dá, principalmente em idosos. Então, na fibrilação atrial, além da possibilidade de morte, existe a possibilidade enorme de sequelas, e essa é uma forma incapacitante frequente para idosos e indivíduos de meia-idade. Uma vez que você detecte, vai usar remédio para que a arritmia não volte, anticoagulante para afinar o sangue e não formar coágulos e a ablação. É um mundo de tecnologia que está presente e a gente possa se beneficiar.
Como Salvador está em relação a procedimentos mais avançados, como a própria ablação por cateter ou para doenças raras, temas que o senhor tratou no Congresso Brasileiro de Arritmia.
Salvador sempre esteve pari passu em relação à tecnologia dos procedimentos. Para você ter uma ideia, no Brasil, começaram a ablação nos moldes atuais em 1993 e em 1995 Salvador já tinha. E do ponto de vista tecnológico, hoje as coisas são muito mais rápidas. O que demorava meses ou um ano para chegar, hoje é um lançamento mundial. Em Salvador, eu garanto, as instituições têm toda tecnologia para tratamento da mais simples arritmia, congênita, em que um procedimento de ablação é curativo, até as mais complexas.
Quais os cuidados que dedica a si mesmo e o que é importante para as pessoas fazerem em relação à saúde?
O importante é a pessoa se conhecer. Se tiver alguma queixa, procurar um médico da área que possa esclarecer. Se sinto algo no coração, alguma dor no peito, é importante fazer um checape, de acordo com a faixa etária, a partir dos 40 anos de idade. Mas, mesmo sem ter sintoma algum, como é o meu caso, tem que ver a história familiar. Se seu pai ou mãe é hipertenso ou diabético, saiba que você tem geneticamente uma chance maior se ser diabético e hipertenso. Se você fuma, que não deveria, isso agrega um risco muito grande. Os fatores de risco maiores são: hipertensão, diabetes, obesidade e sedentarismo. Se tenho hipertensão e diabetes, vou tomar os remédios e fazer acompanhamento médico. Se meu pai e minha mãe infartaram cedo, também vou começar meu tratamento preventivo cedo. Caso tenha a felicidade de não ter nada disso, posso manter meu peso mais dentro do ideal, dentro do índice de massa corpórea. Atividade física não é considerada mais há algum tempo um luxo ou apêndice na cardiologia, ela é uma necessidade, no mesmo patamar de eficácia que o remédio. Então, atividade aeróbica com regularidade, três vezes por semana com o que você gostar de fazer, natação, bicicleta, academia, dançar, jogar, tudo dentro da sua idade; alimentação saudável, manter seu peso e ter uma cabeça boa, fazer o que gosta. Um diabético ou um hipertenso tratados e bem controlados vão viver igual a qualquer pessoa, 100 anos.
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