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Marion Terra: a saga de 20 anos de uma mãe em busca de justiça
Por Gilson Jorge
De vez em quando Marion Terra senta-se em um banco de uma igreja evangélica pouco badalada e se põe a rezar. O assassinato brutal de seu filho Lucas Terra, aos 14 anos, estuprado e queimado vivo depois de ter passado uma noite em um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio Vermelho, com pastores evangélicos em 21 de março de 2001, não a afastou de sua fé.
Mas, embora não duvide da justiça divina, Marion segue empenhada em sua cruzada para que dois dos acusados, Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva, sejam levados a júri popular.
Ambos foram acusados pelo único que cumpriu pena pelo crime, Sílvio Galiza. Em liberdade condicional desde 2012, Galiza aparece em uma conta privada no Instagram como pastor evangélico e acadêmico de direito. Os homens que denunciou em seu depoimento à polícia foram transferidos pela igreja para o Rio de Janeiro (Joel) e Minas Gerais (Fernando).
Sem indicação do júri, o crime poderia ter prescrito no ano passado. Mas a pandemia e a consequente interrupção do atendimento presencial na Justiça esticaram o prazo. Com a volta ao atendimento agora em agosto, Marion espera que o júri popular seja, enfim, marcado.
Trincheira
Por enquanto, ela aproveita o período de isolamento social para fazer da internet sua própria trincheira. A página de Marion Terra no Instagram tinha, na última quinta-feira, 26,3 mil seguidores. “Eu não busco seguidores, busco apoio. Mas as pessoas, carinhosamente, acabam me seguindo”.
Outras duas páginas que tratam do assassinato, Justiça por Lucas Terra e Lucas Terra contra Impunidade, tinham, respectivamente, 12,3 mil e 4.641 seguidores.
Ela posta periodicamente cards e vídeos no Instagram, relembrando a crueldade com que Lucas foi morto, apontando para os suspeitos. Em um vídeo levado ao ar, novamente, no dia 6 de agosto, o pai de Lucas, Carlos Terra, aparece declarando-se confiante que os acusados seriam levados ao banco dos réus.
Ele também destaca o que seriam provas do caso, como o pedaço de uma cortina da igreja que teria sido colocado na boca da vítima antes dos crimes de violação e assassinato.
Carlos, que escreveu o livro Lucas Terra – Traído pela Obediência, em que narra o assassinato do filho, morreu em fevereiro de 2019, de uma parada cardiorrespiratória após internação para tratamento de uma cirrose hepática.
“Eu, mãe de Lucas, me sinto como se eu fosse uma criminosa. Nós ficamos 20 anos presos a um processo e o Carlos acabou morrendo sem ver a justiça ser feita”, declara Marion.
Data
Voz serena, mas firme, ela declara-se esperançosa de que o Tribunal de Justiça vai marcar a data do júri para um caso que já passou pelo Supremo Tribunal Federal. O TJ-BA já tinha decidido pelo júri popular. A defesa entrou com recurso e o processo foi para o Supremo Tribunal de Justiça, que ratificou a decisão e enviou o caso de volta a Salvador.
A defesa apelou novamente e, em decisão monocrática, o ministro Ricardo Lewandowski anulou a condenação de Fernando Aparecido por considerar que não havia provas suficientes no processo. Em setembro de 2019, a Segunda Turma do STF reviu a decisão do ministro e o processo veio novamente para Salvador. Meses depois, a pandemia suspendeu a tramitação dos pedidos de júri popular. “Eu estou exausta, de lutar, lutar, lutar e não ver uma resposta”.
Apesar do cansaço, Marion sabe que esse é um momento crucial em sua luta contra a impunidade no caso do assassinato de seu filho. Não há mais possibilidade de recursos, e ela considera imprescindível manter-se vigilante até que o julgamento seja marcado.
“Eu tenho muitos parceiros que me ajudam para não deixar o caso ser esquecido, pois estamos em um momento delicado do processo”, afirma.
Uma dessas pessoas com quem Marion conta é o promotor de justiça Davi Gallo, que acompanha o caso desde o princípio. Gallo, que pediu transferência de Vara e havia deixado de ser o promotor natural do caso quando o processo retornou a Salvador, fez questão de pedir para assumir de novo a promotoria. Ele aguarda pelo júri popular.
“A defesa usou de todos os recursos que podia para o processo não andar. Hoje, não tem mais nenhum recurso para usar”, explica o promotor, referindo-se à marcação do julgamento. Em caso de condenação, os acusados ainda podem apelar.
Confiante
Gallo se diz confiante na condenação dos dois pastores que ainda não foram julgados, com base nas provas do processo. Suficientes, segundo ele, para provar a culpa de ambos e também de Sílvio Galiza, que já cumpriu pena.
“Tudo indica que os três participaram dessa barbárie. Essa lei da gente aqui é tão boa que ele (Galiza) foi condenado a 15 anos, ficou um tempinho e montou a sua própria igreja”.
Os júris populares retornam no mês que vem, e Gallo acredita que o caso Lucas Terra deve ser pautado ainda este ano. Sobre a possibilidade de prescrição, o promotor vê “risco zero”.
A respeito da luta de Marion ao longo dessas duas décadas, Gallo assinala: “Ela é uma mulher admirável, persistente, acredita na justiça dos homens. Eu tenho muita admiração por ela, assim como tinha por Carlos Terra, que nunca deixou de lutar”.
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