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MUITO

Mato de comer

Tatiana Mendonça

Por Tatiana Mendonça

26/09/2016 - 13:12 h | Atualizada em 20/10/2016 - 19:50
Com as flores da vinagreira dá para fazer geleias, sucos e chás
Com as flores da vinagreira dá para fazer geleias, sucos e chás -

A adesão às Pancs - plantas alimentícias não convencionais - não é só mais uma modinha gastronômica, mas pesquisa e vida sustentável

Amissão era levar uma empanada de taioba para o evento e fazer com que adolescentes experimentassem a iguaria. Quando o pesquisador José Geraldo Assis foi catar a planta nos fundos do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, viu que alguém o atravessou na colheita. Lembrou-se, então, de que era dia de feirinha no Alto das Pombas, perto de onde mora. A estagiária que o acompanhava encostou na banca de folhas e contou desanimada que lá só tinha coisa convencional.

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Geraldo não desanimou e foi perguntar para a moça se ela não vendia língua-de-vaca, já contando que essa era mais fácil de encontrar que a taioba. Surpresa, a vendedora começou a vasculhar o bagageiro da van e tirou de lá três maços que estavam escondidos, desculpando-se por só ter esses. Também tinha folhas de mostarda, e ficou tão agradecida por eles levarem as bichinhas, sempre tão enjeitadas, que de agrado encheu uma sacolinha com agrião, coentro, manjericão... "Com certeza, ela não iria doar tanta coisa se soubesse que apareceriam outros fregueses para comprar essas plantas. Isso me entristece. Nosso sonho é que haja mais mercado", diz o pesquisador.

De origens mais que distintas, a língua-de-vaca, a mostarda e a taioba passaram a irmanar-se numa mesma categoria na última década. São consideradas Pancs (plantas alimentícias não convencionais). Aquelas mesmas que sua vó comia, ou quem sabe até você mesmo, e foram rareando nos pratos, nas roças, nas feiras e nos mercados. Desde 2013, Geraldo coordena a Rede Panc Bahia, que reúne pesquisadores de outras escolas da Ufba, como os de administração, nutrição e gastronomia, e que também possui um núcleo de jardinagem na Escola Parque, em Caixa D'água.

Para fazer um diagnóstico das Pancs baianas, o grupo visitou feiras em diferentes regiões do estado e também conversou com os moradores, especialmente os mais velhos, para que contassem que plantas comiam e comem. No norte da Bahia, encontraram o melão-coalhada; no Recôncavo, a araruta; na Chapada Diamantina, a palma forrageira. Outras dão aí por todo canto, como a beldroega e o bredo, também chamado de caruru (que nos primórdios batizou nossa comida mais famosa).

Além deste diagnóstico, a rede também trabalha divulgando as Pancs por onde o nome ainda causa só estranhamentos, como neste evento da empanada de taioba que você pode substituir por língua-de-vaca. A ideia é "reincorporar" esses vegetais à cultura local, em nome da diversidade e sustentabilidade.

Para o futuro, Geraldo pensa em criar um banco de sementes destas plantas. Algumas delas foram trazidas a Salvador pela técnica agrícola Rosalia Galvão. Nascida em Presidente Dutra, sertão baiano, lembra que de criança comia muito caxixe, palma e quiabo de metro. Viajando a trabalho, andava sempre curiando os vegetais mais desprestigiados. Quando veio morar em Salvador, trouxe as sementes consigo e compartilhou seu precioso acervo durante a reunião inaugural da Rede. Para espalhar de vez as Pancs por aí, achou que o melhor jeito era estudar gastronomia. Rosalia já fez geleia de flor de jambo, farofinha de palma, ensopado de caxixe com bacalhau e leite de coco. "Meu desejo é que essas plantas não caiam no esquecimento e que a gente possa ter um hábito alimentar mais diversificado e saudável".

Tradição e exotismo

O termo "plantas alimentícias não convencionais" é invenção do biólogo Valdely Kinupp, que em 2007 defendeu na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sua tese de doutorado, que levava o nome no título. Desde aí, não parou mais de estudar e divulgar as Pancs. Muita coisa cabe no acrônimo, e vá lá que algo que é convencional numa região brasileira pode muito bem ser exótica em outra. Para Valdely, o que as une é o fato de não serem de "domínio público". "Quando falo maçã, você automaticamente forma uma imagem na cabeça, assim como minha filha de cinco anos. Se eu falar mucugê, que é uma planta daí da Chapada, você não vai conseguir formar essa imagem. São plantas que 80% da população desconhece, ou não consome com regularidade. De certo modo, são quase folclóricas". No momento, ele está apaixonado pelos talos da vitória-régia, com os quais faz tempurá de carne de boi.

Em 2014, ao lado do engenheiro agrônomo Harri Lorenzi, Valdely publicou o livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil, que reúne 351 espécies de vários estados e tornou-se referência entre pesquisadores e chefs, já que, além de descrever as características das plantas, indica seu uso culinário, acompanhado por receitas. "Quando estava fazendo o livro, tinha o plano de procurar [os chefs] Alex Atala, Helena Rizzo... No final, foram eles que me procuraram", conta, orgulhoso.

Sim, até mesmo os matinhos viraram gourmet e hoje figuram nos menus de alguns dos restaurantes mais respeitados do país, como o DOM e o Maní. Valdely está adorando tudo isso e não acha que a gourmetização seja um problema. "A maior prova disso é que você não precisa nem mesmo comprar essas plantas. Em qualquer terreno baldio você encontra. Por isso, não há o risco de elitizar. As Pancs vão da alta gastronomia para a ralé gastronomia. É comida para quem está em vulnerabilidade social, é uma questão de segurança alimentar".

Mas repare bem, se você for um "analfabeto botânico", desses que não sabem diferenciar "rúcula de agrião", como diz Valdely, é melhor não ir catando e comendo qualquer coisa que encontrar por aí, para não se intoxicar. A dica é perguntar para alguém que conheça mais de plantas e pesquisar em livros e na internet, que está verdejada de informações. Já esclarecido, caia de boca sem medo. Como crescem naturalmente ou são plantadas em microescala, a vasta maioria não tem agrotóxicos. "Via de regra, as Pancs são orgânicas por excelência".

A quem ficar curioso para experimentá-las pela primeira vez (ou rememorar gostos de infância), Geraldo sugere procurar pelas Pancs nas pequenas feiras da cidade, até mesmo para não catar umazinha por aí que esteja regada por xixi de cachorro (vai saber...) ou que tenha excesso de fuligem dos carros. Além das feirinhas de bairro, ele indica uma visita à Feira Agroecológica que acontece todas as sextas-feiras, das 8 às 14 horas, no Instituto de Biologia da Ufba, onde as Pancs têm presença garantida.

Busca insaciável

Quando precisa abastecer o Restaurante Origem, na Pituba, de plantas não convencionais, o premiado chef Fabrício Lemos recorre a três fontes: ao sítio do produtor-parceiro Rogério Alves, ao pequeno cultivo da subchef Eliana Dias ou ao quintal do amigo-chef Beto Pimentel, que já era muito Panc antes de qualquer modinha aparecer. "Eu vivo nessa busca insaciável por novos sabores, por um caminho que vá além do óbvio, por folhas que não são usadas no dia a dia. Tudo que me dizem que não é venenoso, eu provo. E, se gosto, uso", conta Fabrício.

No menu-degustação do Origem, o chef serve aracanguira, o peixe, temperado com limão-cravo, cebola-roxa e folha de umbu-cajá (o que você não reconhecer, já sabe, é Panc). Tem também uma entradinha de beiju de massa com ragu de bode que leva palma. A planta, antes tão desprezada, relegada a servir de ração aos animais, há um tempo avançou para um cortadinho que se acha sem grande dificuldade nas cidades da Chapada Diamantina. Agora, está aí toda chique, ostentando sua volta por cima.

Para te inspirar a incorporar de vez as Pancs ao cotidiano, Fabrício dá outras dicas. Um suquinho com a folha da cajarana, que, ao contrário do que se possa pensar, não é amarga. E por que não utilizar a folha da pitanga para temperar um cordeiro, garantidamente perfumado? Fora isso tem a língua-de-vaca, que substitui perfeitamente o espinafre. E já experimentou uma florzinha comestível? "Acredito que os chefs têm o papel fundamental de mudar a cultura de um lugar pela alimentação. Sou um defensor da gastronomia baiana, e nós somos o único estado a ter cinco biomas. Temos a maior biodiversidade, o maior número de ingredientes. É como se estivéssemos em cima de uma barra de ouro!", diz o chef. Ouviu, né? Já passou da hora de botar essa riqueza na sua mesa.

>> Vinagreira

A planta também atende pelo nome de hibisco, que virou moda na forma de chá (reza a lenda que é bom para perder peso). As folhas são boas para fazer salada, e a flor, meio azedinha, dá para fazer geleia, licor, sucos e chás.

Geleia de flor de vinagreira ou de graxeira

50 g de flor de vinagreira ou de graxeira seca

350 g de maçã

250 g de açúcar

600 ml de água

Caldo de meio limão

Modo de preparo

Cozinhar as maçãs com a metade da água. Depois de cozidas, deixar esfriar um pouco. Preparar um chá com as flores de vinagreira e a outra metade da água. Bater as maçãs no liquidificador. Passar numa peneira. Coar o chá das flores da vinagreira. Levar todos os ingredientes ao fogo. Após levantar fervura, mexer de vez em quando. Cozinhar até ponto de geleia.

>>Taioba

Já foi muito utilizada por aqui no preparo do efó, substituindo a língua-de-vaca (outra Panc), isso no tempo em que era costume se fazer efó. As folhas têm gosto suave e devem ser consumidas cozidas. Caem bem acompanhando carnes e massas. O tubérculo da planta (a batata) também se come (fica a dica de apostar num cortadinho). Cuidado com sua prima brava (e tóxica), que tem o talo mais escuro.

Cortadinho de batata da taioba

500 g de batata de taioba

100 g de carne de sol

3 dentes de alho

1 colher de sopa de óleo

1 unidade de cebola

Cheiro-verde a gosto

Pimenta-do-reino e cominho moídos a gosto

Modo de preparo

Higienizar a batata da taioba. Descascar e cortar em cubos bem pequenos. Dessalgar a carne de sol, cortar em cubos bem pequenos e temperar com pimenta. Cortar a cebola em cubos pequenos e amassar o alho. Refogar a carne seca com o óleo. Acrescentar a cebola e o alho. Acrescentar a taioba e um pouco de água. Cozinhar até ficar macio. Acrescentar o cheiro-verde picado.

>>Beldroega

Capaz de encontrá-la escapulindo de frestas nas calçadas. Rica em ômega 3, tem um gosto que lembra o do quiabo (tem também um pouquinho de baba). A folha pode ser consumida crua ou refogada. Vai bem em saladas, entradinhas e sopas.

Tortilla de beldroega

1 unidade grande de batata

1 unidade média de cebola-roxa

200 g de beldroega

4 ovos

50 ml de leite

Azeite de oliva quanto baste

Sal a gosto

Pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo

Higienizar os vegetais. Cortar a batata e a cebola em rodelas finas. Temperar com sal e pimenta-do-reino. Fritar levemente e em fogo baixo as batatas e as cebolas no azeite de oliva (cobrir com o azeite). Retirar do azeite com uma escumadeira e escorrer para retirar o excesso de azeite. Reservar. Cortar grosseiramente as beldroegas. Reservar. Bater os ovos com o leite. Misturar os ingredientes. Assar em forno pré-aquecido a 180° C em uma assadeira redonda untada ou cozinhar em uma frigideira até dourar os dois lados.

>>Caruru

Também conhecida como bredo, a planta já foi tão "convencional" que batizou um dos pratos mais conhecidos da cozinha baiana, o caruru, originalmente feito com suas folhas. É outra que dá em todo canto (andando pela rua, é capaz que você pise nela, ou que aviste nas beiradas de algum muro). O gosto lembra o do espinafre. Boa para fazer refogadinhos.

Refogadinho de Caruru

1 maço grande de caruru

1 colher de sopa de óleo

1 dente de alho

1 unidade de cebola-roxa

Cheiro-verde a gosto

Sal a gosto

Modo de preparo

Separar as folhas e brotos novos do maço de caruru. Higienizar. Cortar a cebola em cubos pequenos e amassar o alho. Refogar a cebola e o alho com o óleo. Acrescentar o caruru e refogar mais um pouco.

>> Ora-pro-nobis

Por aqui é mais conhecida como planta de enfeitar (comum em cercas vivas) do que de comer. O nome chique em latim quer dizer "rogai por nós", mas por seu teor de proteína, ela também é conhecida como carne de pobre. Vai bem em pratos salgados, acompanhando carnes e frango. As folhas também podem enriquecer a farinha usada em pães e massas.

Pão de ora-pro-nobis

3 xícaras de chá de farinha de trigo

10 colheres de sopa de azeite de oliva

1 colher de sopa de açúcar

10 g de fermento biológico seco (um pacote)

1 xícara de chá de água morna

1 pitada de sal

12 colheres de sopa cheia de ora-pro-nóbis

1 gema para pincelar

Modo de preparo

Higienizar as folhas do ora-pro-nóbis. Secar bem. Picar miudinho e reservar. Misturar o azeite na água morna. Acrescentar o açúcar e o fermento. Aos poucos, acrescentar a farinha de trigo e a ora-pro-nóbis. Deixar um pouco de farinha para sovar a massa. Sovar bem. Quando a massa estiver soltando das mãos e da bancada, dividir e modelar a gosto. Deixar descansar até dobrar de tamanho. Pincelar com gema. Assar em forno pré-aquecido a 180° C até dourar.

* As receitas foram compartilhadas pela Rede Panc Bahia.

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