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Memória: A festa de Dona Canô

Por Ronaldo Jacobina

25/12/2012 - 13:19 h
Missa de 103 anos de Dona Canô, em Santo Amaro
Missa de 103 anos de Dona Canô, em Santo Amaro -

Aos 103 anos, Canô Velloso, uma das personalidades mais conhecidas do País, recebe Muito em sua casa, em Santo Amaro. Ela adora festa e casa cheia, por isso seu aniversário é uma celebração para a cidade. Passa pouco das cinco da tarde do dia 15 de setembro em Santo Amaro da Purificação. A vida pacata da pequena cidade do Recôncavo segue seu curso tranquilo. Em uma casa branca, de janelas azuis, a porta de madeira é vigiada por uma câmera de vídeo.

Ao lado, uma ferradura, o pombo, símbolo do Espírito Santo, e um pedaço de palha-da-costa atravessado sobre a porta. Para Claudionor Viana Teles Velloso, a dona da casa, estes elementos ampliam a proteção. Um pé de comigo-ninguém-pode e um de espada-de-ogum, distribuídos no hall, ajudam a proteger ainda mais.

No quarto da frente, dona Claudionor acompanha atentamente a novela das seis com um fone de ouvidos. Nesta hora, ignora a todos os que preparam sua festa de aniversário. No dia seguinte, fará 103 anos. Com os olhos grudados na telinha, segura a xícara de café com leite com uma das mãos. Com a outra, corta um pão em pedacinhos e come lentamente. "Não adianta falar com ela agora. Na hora da novela, ela não dá atenção a mais nada", diz Clara Maria, 78, a filha mais velha.

Claudionor é seu nome de batismo, mas não há no Brasil quem nunca tenha ouvido falar em dona Canô. Até o atual presidente da República sabe quem ela é. Não só sabe, como já a visitou algumas vezes. Na parede da sala dela, estão expostas duas fotografias suas com o chefe de Estado. Ambas com dedicatória. Numa, Lula escreveu: "Dona Canô, conto com sua bênção para poder realizar o que nosso povo tanto precisa e merece".

Na mesma sala, uma foto com um dos seus grandes amigos: o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (morto em julho de 2007). Na fotografia, o político escreveu: "Para Canô, patrimônio da Bahia, com o amor de ACM". Apesar de o Brasil inteiro a conhecer como a mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, ela não gosta desta referência, apesar do orgulho que tem dos filhos famosos, revelado pelas inúmeras fotos de ambos espalhadas pela casa. "Sou mãe de Clara, Nicinha, Mabel, Rodrigo, Caetano, Roberto, Bethânia e Irene", conserta.

Vaidade - Não para de chegar gente na casa para cumprimentá-la. De conterrâneos a amigos que vêm de longe, todos querem se antecipar aos festejos do dia seguinte. Com delicadeza e simplicidade, ela recebe a todos com um sorriso e volta os olhos para a TV. No quarto, um enorme guarda-roupa cheio de vestidos, a maioria brancos, revela que a idade não lhe tirou a vaidade.

"Ela é vaidosíssima", diz a filha Mabel, 76. Dona Canô balança a cabeça em sinal de discordância. Durante o intervalo da novela, fala da exposição sobre ela que está acontecendo no Solar Paraíso, em Santo Amaro. Sem querer, confirma o que Mabel acabara de revelar. "A exposição está muito bonita, mas esqueceram de botar meus sapatos, minhas contas (colares de pedras) e meus leques", reclama. Todos caem na risada. Dona Canô diz o que pensa. Doa a quem doer.

Quando a novela termina, ela deixa o quarto na cadeira de rodas que usa desde que sofreu uma queda, no começo deste ano. "Se não fosse essa perna, que me dói muito, eu estava andando como antes". Irene, 56, a filha mais nova, conduz a cadeira até a sala de jantar. A dona da festa quer saber como estão os preparativos. Rodrigo, 75, o filho, que é o atual secretário de Cultura da cidade e que há muitos anos assumiu a administração da casa, a tranquiliza. "Está tudo em ordem, minha mãe. Vais ser uma festa linda!".

Ela balança mais uma vez a cabeça. Desta vez, em sinal de concordância. Com o olhar firme, observa tudo. "Há duas semanas ela reclamou que estava tudo muito calmo, que não estava vendo movimentação para sua festa", conta Mabel.

O telefone toca. "É Bethânia. Disse que já está em Salvador, mas quer falar com a senhora", diz Irene, que lhe passa o telefone. Maria Bethânia quer saber como a mãe está. Conversam um pouco. Depois que desliga, fala: "Bethânia pode estar onde for, me liga umas dez vezes por dia". Clara confirma. "Chega enjoa, ela fala com minha mãe depois pede para falar com a gente para saber por que ela estava com 'aquela vozinha triste', e eu respondo: não já sabe, Bethânia?", conta Clara, referindo-se aos momentos em que a mãe quer dengo.

Dona Canô gosta de carinho e de casa cheia. Ao contrário da maioria dos filhos, que preferem as comemorações mais íntimas, ela gosta de festa de portas abertas. "Tem gente que vem aqui que nunca vimos na vida. Amanhã, isso aqui vira um caos", diz Nicinha, 84, referindo-se à multidão que deverá comparecer à festa.

Caruru - Na cozinha, Isaura da Silva, cozinheira da família há mais de 50 anos, prepara o tradicional caruru. Não se sabe quantas pessoas irão à festa. Por isso, contrataram um buffet para reforçar a comida. "Dona Canô não gosta que saiam daqui com fome", afirma Isaura. Ela conta que a patroa não dá trabalho. "Come de tudo. Hoje comeu feijoada com toucinho e farofa".

Enquanto as equipes trabalham, Roberto, 71, comanda uma mesa no quintal onde conversa com amigos que trouxe de São Paulo, onde mora. Na sala, com um olho na novela e outro na cozinha, Mabel se entrega aos cuidados da manicure. Depois, decide levar as peças da mãe para a exposição. "Amanhã ela vai perguntar, por isso vou logo. No belíssimo casarão, recém-restaurado, a história de dona Canô é contada em fotografias e objetos pessoais.

De volta à casa, Mabel e Clara inspecionam tudo. Da cozinha ao quintal. Se recolhem. O dia amanhece. Na casa de Canô, a decoração está pronta. Numa mesa, uma réplica da praça da cidade, com direito a parquinho de diversões. Em outra, o primeiro dos dois bolos preparados para a aniversariante. Na varanda, um lauto café da manhã.

Apesar de a porta da casa continuar aberta como no dia anterior, apenas os íntimos participam. Começa a chover. Rodrigo se apavora. Clara pega uma folha de papel e recorta bonecos que coloca nas plantas. "É uma simpatia para Santa Clara fazer parar de chover". Dez minutos depois, a chuva cessa. A filha mais velha da aniversariante atravessa a sala carregando com cuidado um vestido, tipo robe, branco. "Esta é a primeira roupa que minha mãe vai usar hoje", conta Rodrigo.

O relógio crava seis e meia da manhã. Um grupo de mulheres se aproxima da janela do quarto de dona Canô. São as "meninas" do coral que ela preside. Cantam: "Acorda, Maria Bonita/ levanta, vem fazer o café/ O dia já vem raiando/ e a polícia já está de pé". Ela atende ao chamado. Com uma trança no cabelo, vai até a porta. Cai na risada. Agradece às amigas e acena para quem passa. Está visivelmente feliz. Nem de longe lembra a idade que tem. Convida as amigas para o café. Os filhos, netos e bisnetos acordam. Abraços, beijos e elogios. "Tá linda!", ressaltam os netos Juvina e Jota. Moreno, filho de Caetano, a beija. Rosa e José, filhos de Moreno, entregam um presente. Dona Canô não para de sorrir. Atende quem telefona. Senta para tomar café com as amigas.

Atenta a tudo em volta, aos poucos vai descobrindo os detalhes da decoração. "Olhe, que bonito!", aponta para o arranjo de hortênsias embaixo da mesa. Passeia pelo quintal, inspeciona tudo. Depois, retorna ao quarto para se preparar para a parte que considera mais importante: a missa. Retorna à sala, vestida mais uma vez de branco. Traz um buquê de cravínias - sua flor predileta - nas mãos. "Parece que vou casar de novo", ri. Das cores da decoração, à escolha das flores, passando pelo cardápio, tudo foi cuidadosamente escolhido por ela. "Ela não só diz o que quer, como determina. E a gente que não faça...", brinca Mabel.

Falta pouco para as dez da manhã. Maria Bethânia chega com um grupo de amigos. "Como está linda, minha mãe! Está linda demais!", elogia. Chama os amigos e os apresenta à mãe. "Este é meu amigo Elias (Andreatto), Bia (Lessa)... Vieram para sua festa". Dona Canô sorri para todos. Bethânia segue para o quarto que mandou construir no quintal para quando está em Santo Amaro. O presente da filha famosa chegou antes: um carro com um elevador adaptado para a cadeira de rodas.

Viva Canô! - O som dos tambores invade a sala. É mais uma homenagem à aniversariante. "Eu gosto de todo tipo de música", diz enquanto agradece o carinho dos músicos da cidade. Dez horas. Dona Canô começa a ficar inquieta. "Está na hora da missa". "Vamos esperar um pouco. Bethânia está se arrumando, ela chegou de viagem agora", diz Rodrigo.

Ela balança a cabeça em sinal de descontentamento. Dez minutos depois, torna a reclamar. "Precisa se arrumar tanto, bastava passar um batom", faz cara de zangada. Pede para ir para a igreja. Os filhos obedecem. Na porta, uma multidão aguarda. Aplausos, gritos de 'Viva Canô!'. E lá vai ela, sorridente e com o buquê de cravínias na mão. Bethânia chega em seguida. Na praça, mais gente. Caetano Veloso, as ex-noras, Paula Lavigne e Dedé Gadelha, e os netos Tom e Zeca a recebem com festa. Para o filho famoso, a sabedoria da mãe sempre impressionou muito.

"Os traços da personalidade de minha mãe que mais admiro: a adaptabilidade: ela acolhe quaisquer situações de modo muito plástico; a tranquilidade sábia: ela punha em prática os princípios de meu pai de maneira espontânea - e contribuía para enriquecer o modo de ele pensar; a ausência de ciúme: ela pôde conviver com dezenas de irmãs e sobrinhas de meu pai, muitas tendo a idade próxima à dela. Nunca senti nenhuma tensão".

Agora, nem ele, nem Bethânia são as estrelas. Quem reina absoluta é a mãe. De volta da igreja, é hora de casa cheia. Os filhos podem até se incomodar, mas para ela, como disse Caetano: "Minha mãe sempre foi casa cheia". Circula por toda a festa conduzida por um dos filhos. A música, a agitação e o entra-e-sai de gente estão longe de cansá-la. "Descansar, eu? Vou ter muito tempo pra isso quando morrer", diz às gargalhadas.

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