OLHARES
Mercado e fotografia: a trajetória de Armando CR
Confira a coluna Olhares da edição da Revista Muito deste fim de semana
Por Cristina Damasceno**
Embora o interesse pela fotografia no circuito artístico tenha crescido nas últimas décadas, na Bahia, atualmente, ainda são poucas as galerias que expõem e negociam apenas fotografia. Nacionalmente, a primeira galeria no setor que se tornou conhecida foi criada pelo publicitário Mario Cohen, no Rio de Janeiro, no ano 2000.
De maneira despretensiosa, ele transformou seu escritório em Copacabana em uma pequena galeria e, a partir daí, começou a comprar fotografias e se interessar pelas particularidades da fotografia fine arts, se tornando hoje um dos principais galeristas no ramo.
Associado à comercialização de fotografias no mercado de arte, a expressão fine arts, que significa belas artes em inglês, tem sido frequentemente utilizada. O termo se refere a fotografias com abordagens artísticas, com potencial expressivo, produzida para evidenciar uma ideia, sem o compromisso de comércio, entretanto, não descartando a possibilidade de venda. Alguns relacionam esta denominação à forma que a imagem é produzida, à qualidade da impressão e ao número reduzido de cópias que indiquem autenticidade e elevem seu atributo como obra de arte.
Isso me faz lembrar outro momento da história da fotografia: as estratégias utilizadas no início do século 20 pelo movimento pictorialista, que tinha como meta o reconhecimento da fotografia como arte. Naquela ocasião, as cópias fotográficas tinham, também, uma tiragem reduzida e eram vendidas a um preço relativamente alto, e os negativos eram destruídos com a intenção de agregar o caráter inerente exclusivo concedido às obras de artes tradicionais.
Leilões
Na contemporaneidade, o patamar de valorização da fotografia ultrapassa, muitas vezes, o das ditas artes tradicionais. Há cerca de três décadas, o preço de algumas fotografias vem atingindo, nas famosas casas de leilões, vultuosas somas. A exemplo, uma imagem do artista alemão Andreas Gursky, com o título Rhein II, feita nos arredores de Düsseldorf, às margens do rio Reno, onde os prédios e pessoas foram removidas digitalmente, permanecendo apenas três tiras horizontais composta pela cor do rio, o verde da vegetação e o céu nublado.
A imagem, que remete a uma tela minimalista, foi vendida, em 2011, por US$ 4,3 milhões, o maior preço cobrado, até então, por uma fotografia. Entretanto, esse valor foi ultrapassado em 2022, com a fotografia intitulada Le Violon d’Ingres, do artista americano Man Ray, feita em 1924.
Considerada uma autêntica reprodução equivalente ao mesmo período da captura do negativo fotográfico, a imagem foi vendida, na casa de leilões Christie 's, em Nova York, por US$ 12,4 milhões. Na Bahia, a Galeria do Olhar, criada pelo empresário Armando Corrêa Ribeiro, foi a primeira do estado exclusivamente dedicada à fotografia, e a segunda no Brasil. Armando buscou orientações com Mário Cohen, que prontamente o guiou em seus primeiros passos. Anexa ao restaurante Trapiche Adelaide, na Avenida Contorno, também de propriedade do empresário, a galeria foi inaugurada em 2003 e funcionou durante sete anos.
Com o objetivo de tornar a galeria, na época, um espaço de destaque, Armando fala dos fotógrafos que acreditaram em seu trabalho e concordaram em ter suas obras representadas por ele: “Inauguramos com uma belíssima exposição de Walter Firmo e trouxemos para a Bahia a exposição e o livro de Araquém Alcântara, intitulados Os Brasileiros. Além disso, tive a honra de contar com o talento de fotógrafos baianos como Adenor Gondim, Nilton Souza e Álvaro Vilela, assim como os paulistas Luiz Lhacer e Lúcia Guanaes, o icônico German Lorca, e nomes internacionais como os franceses Pierre Verger e Marc Dumas, o cubano Mário Diaz, e a americana Charla Wood, entre muitos outros”.
Na ocasião, o restaurante Trapiche Adelaide era frequentado, principalmente, por empresários e turistas. Aproveitando este público seleto, Armando desenvolveu uma estratégia para comercializar as imagens. Ele oferecia, além dos cardápios tradicionais do restaurante, um cardápio com as fotografias expostas.
Ele lembra de um episódio interessante que aconteceu quando um árabe se interessou pelas fotografias expostas, em grande dimensão, cerca de 1x1m, de autoria de Luiz Lhacer. Ao comprar oito imagens, o cliente pediu para que as fotografias fossem levadas até o aeroporto e lá foram despachadas em um boing particular. O comprador era dono de poços de petróleo no Oriente Médio e, meses depois, encomendou mais quatro imagens para serem entregues na casa de sua namorada, em Belo Horizonte.
Quanto ao mercado fotográfico baiano atual, Armando enxerga com bons olhos o interesse de arquitetos e designers de interiores que recomendam a incorporação de fotografias nos espaços de seus clientes. Ele cita eventos como a CasaCor e a Casa Conceito, que têm desempenhado um papel significativo no impulso deste mercado no estado.
Conhecimento
Entusiasta pela fotografia, Armando ganhou sua primeira câmera de seu avô, uma Brownie da Kodak, aos 8 anos de idade. Quando estudava administração em São Paulo, frequentou o Foto Cine Clube Bandeirante, onde teve o privilégio de aprofundar seus conhecimentos teóricos fotográficos com German Lorca.
Entre 1964 a 1967, em Salvador, ele participou do Grupo Um de Fotografia juntamente com Júlio Ferreira, Miguel Bartiloti, Geraldo Machado, Carlos Mascarenhas, Albino Costa, José Queroz, Auter Raschkovsky, Márcia Corrêa Ribeiro, Rubens Guelman, Jamison Pedra e Kabá Gaudenzi.
O grupo era composto por fotógrafos amadores, contudo, todos tinham laboratórios em casa. Um dos pontos de encontro era na residência de Armando, localizada no Jardim Ipiranga, Barra. Ele lembra que lá se discutia sobre fotografia, trocavam experiências e planejavam projetos.
O coletivo marcou presença em vários eventos artísticos do período e seus integrantes participaram dos salões organizados pelo Foto Cine Clube da Bahia, no foyer do TCA; de exposições na Galeria Bazarte e da 1° Feira Baiana de Arte Moderna, em 1968, realizada no Jardim da Piedade, que eram exposições itinerantes em faculdades da Ufba e que finalizou com uma semana de arte na Praça da Piedade.
Ali, o Grupo Um mostrou obras avançadas para a época, como foto objeto, cubos grandes que em cada face possuía uma fotografia, peças de tamanhos variados que ficavam penduradas com imagens em preto e branco e que o público poderia interagir.
Armando foi, também, um dos três participantes da Sala de Fotografia na II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1968, e que, lamentavelmente, foi fechada durante a ditadura militar.
Posteriormente, ao encerrar a Galeria do Olhar, Armando decidiu investir em sua própria carreira como fotógrafo. Lembrando que mesmo com um passado importante, sobretudo sua atuação no movimento de inserção da fotografia no meio artístico, ele não comercializava suas fotografias na Galeria do Olhar.
“No segundo ano da faculdade de Administração, cogitei largar os estudos e me candidatar como fotógrafo em um jornal de São Paulo. Embora não tenha seguido esse caminho naquele momento, adiei meu projeto fotográfico enquanto buscava sucesso como empresário. Hoje, ao me registrar nos hotéis, tenho orgulho de colocar a profissão de fotógrafo na minha ficha”, revela.
Atualmente, Armando possui um estúdio de criação, acompanhado por uma galeria exclusivamente dedicada aos seus próprios trabalhos, aberta há seis anos. A galeria Armando CR fica na rua da Paciência, Rio Vermelho, e é aberta ao público. Nos próximos meses, ele lançará seu primeiro livro, intitulado Os Baianos, fruto de sua admiração pela cultura e memória baiana.
*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa necessariamente a opinião de A TARDE
**Doutora em Artes Visuais e professora da Escola de Belas Artes (Ufba)
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