MUITO
“Mesmo na área de saúde ainda há tabu em relação a saúde mental”
Uelinton Pereira, psicológo, fala sobre o avanço da psiquiatria e a resistência da população em procurar ajuda
Por Vinícius Marques

Há 9 anos, teve início no Brasil a campanha Janeiro Branco, que tem como objetivo chamar a atenção das pessoas para o tema da saúde mental em suas vidas. Nesta semana, entrevistamos o psicólogo e psicanalista Uelinton Pereira, especialista em Teoria Psicanalítica de Orientação Lacaniana pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, para falar sobre a campanha anual.
“Ainda há uma dificuldade muito grande de as pessoas procurarem um psicólogo ou psiquiatra”, considera o diretor técnico da clínica Holiste, em Salvador, que nesta entrevista fala também sobre Psicoeducação e os avanços da psiquiatria nos últimos anos.
Desde 2014, no Brasil, acontece a campanha Janeiro Branco, que busca chamar atenção para o tema da saúde mental na vida das pessoas. Para o senhor, qual a evolução que essa campanha trouxe para o debate sobre o assunto?
A evolução foi tentarmos quebrar mais esse tabu em falar sobre mental. Desde o início da campanha, percebo que há mais notícias, mais informações. Circula mais tanto na mídia, na sociedade, como também dentro das próprias empresas. Nos chamam para conversar sobre a saúde mental do trabalhador, acontecem também nas escolas. A campanha meio que abriu portas para que pudéssemos trazer mais informações ao público, tanto leigo quanto o público também voltado para a área da saúde, para que essas pessoas possam se atentar mais às questões de saúde mental.
Por incrível que pareça, mesmo dentro da área de saúde ainda há muito tabu. Se fala menos sobre saúde mental. As pessoas têm um certo preconceito também nos hospitais clínicos, por exemplo. Há uma dificuldade na equipe em lidar com o paciente que sofre com algum tipo de transtorno mental por pura formação e desinformação também. Na formação acadêmica, as pessoas pouco lidam com a saúde mental, pouco se fala. E aí, desde 2014, quando abriu essa possibilidade, isso fez com que a gente se aproximasse mais da sociedade, da mídia, com as informações para que todos possam ficar cientes. Vejo de forma superpositiva essa campanha
A psicoeducação, que tem como objetivo promover uma ampliação do conhecimento sobre a doença e o processo de tratamento, é um dos temas que são abordados no Janeiro Branco. Como funciona na prática e qual sua eficácia?
A psicoeducação busca informar a sociedade, as pessoas, os indivíduos e fazer com que elas também possam ser capazes de identificar que estão sofrendo por algum tipo de sintoma ou reconhecer que o outro está sofrendo algum tipo de sintoma. Esse outro aí pode ser o parceiro ou companheira, pode ser o familiar dentro de casa, pai, avô ou avó, e a psicoeducação vê isso, para que a pessoa possa desenvolver autopatognose, que é ela poder ter uma noção, uma consciência desses sintomas que ela está passando e, a partir daí, procurar uma escuta especializada.
Então, na prática, a psicoeducação acontece desta forma. A pessoa lê, estuda, assiste, compreende, identifica os processos, e a partir daí toma alguma iniciativa para poder tratar, indo para o psicólogo, psiquiatra ou terapeuta que possam ajudá-lo nesse processo do tratamento do transtorno mental. E os sintomas são diversos. É muito difícil a gente trabalhar a eficácia em saúde mental porque é algo muito subjetivo. E como está muito relacionado também ao que falei sobre o tabu, ainda há uma dificuldade muito grande de as pessoas procurarem um psicólogo ou psiquiatra por achar que "não, não vou porque eu não sou maluco" ou "só quem vai para psiquiatra é louco".
Então, há muita dificuldade ainda nisso. Acho que estamos ainda engatinhando na quebra desse tabu, desse preconceito com a saúde mental, para que a pessoa possa realmente identificar que está sofrendo de um transtorno de ansiedade, que diga ‘Perdi minha rotina, minha capacidade crítica, estou tendo ataques de pânico e vou procurar um especialista da área’.
Como é possível fazer a promoção da psicoeducação em ambientes fora da clínica psicológica?
Com campanhas informativas. É possível fazer rodas de conversas, fazer palestras dentro do ambiente de trabalho, com as escolas, nas próprias universidades. São meios supereficazes para que as pessoas comecem a ter consciência e ciência de que precisam procurar uma ajuda especializada, uma escuta especializada. As vias mais práticas são formadas pelas campanhas informativas, rodas de conversas e palestras.
O senhor é diretor técnico de uma clínica psiquiátrica que em sua descrição afirma abordar a "psiquiatria moderna". O que seria isso?
Hoje nós trabalhamos com uma equipe multidisciplinar. A psiquiatra moderna é a psiquiatria que se permite tanto usar a parte biológica, que é o uso de medicações novas, quanto a parte de neuroestimulação e também o trabalho psicodinâmico. Nós trabalhamos com a vertente da psicanálise, por exemplo, e temos uma equipe formada por psicólogos, terapeutas, educadores físicos, psicanalistas, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas. Essa abordagem, essas interações de diversos saberes para pensar o paciente enquanto único, mostram que não é o diagnóstico que define o paciente, mas sim a história de vida dele partindo do modo como ele sofre para, a partir daí, pensarmos qual tratamento nós vamos oferecer. Vai da prática para a teoria e não da teoria para a prática. Antigamente, era um saber comum que se tinha sobre os indivíduos, e aplicavam a medicação em cima daquilo. Na psiquiatria moderna, não, invertemos a lógica. Partimos da relação que a pessoa tem com seu sofrimento para saber como, a partir dali, vamos poder oferecer um tratamento eficaz, um tratamento que possamos ter o olhar humanizado e reconhecê-lo enquanto sujeito que tem suas histórias de vida, relações, seu ambiente de trabalho, familiar. Envolvemos esses três eixos, que são a Família; a Clínica, com o tratamento; e a Comunidade que ele vive. É uma abordagem bem psicodinâmica.
Nesses últimos 20 anos, quais os avanços na psiquiatria?
Primeiro, nessas abordagens de neuroestimulação. Hoje são oferecidos vários tratamentos, como estimulação magnética transcraniana, o próprio ECT, que é o Eletroconvulsoterapia, hoje é feito de uma forma completamente diferente, com cardiologista, psiquiatra, enfermeiro, anestesista, então, há um acompanhamento profissional. Eu vejo também hoje as medicações com baixos efeitos colaterais. Cada vez mais se estuda para oferecer um acompanhamento psiquiátrico que tenha menos efeito colateral possível.
Então, o cara tem que ser funcional para continuar o trabalho, continuar o tratamento e trabalhando, e também a interação entre a abordagem psiquiátrica com a abordagem psicológica. A gente saiu daquela psiquiatria antiga que era rivalizando com o outro, para uma psiquiatria hoje onde as esferas conversam. O psicólogo pode conversar com o psiquiatra e definir qual o melhor tratamento, integrando a família também. A pessoa, o paciente, tem a possibilidade de diversos tratamentos quando olhamos o sujeito, a família integrada a isso e a equipe multidisciplinar para poder ofertar esse processo para que seja menos angustiante, com menos efeito colateral e que possa ter grandes avanços no tratamento.
Acho que o grande ganho que a psiquiatria teve foi de estar sempre ofertando novas tecnologias e integrando saberes para poder compartilhar.
Na última semana, os três poderes foram invadidos por terroristas, que destruíram o patrimônio público e tentaram promover um golpe frustrado. O governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, tentando se justificar, disse que o ataque foi uma "insanidade coletiva". Dentro da psicologia, isso existe?
Existe sim. Isso é um absurdo, o que aconteceu na nossa democracia, a tentativa de golpe. E existem pessoas que chegam até a entrar em crise mesmo. Existe um fenômeno chamado Folie à deux, que é loucura a dois (em francês), quando uma ou mais pessoas têm uma crise e a tendência que a outra comece a ser atacada por aquilo e responder com os mesmos comportamentos e isso gerar uma proliferação da massa. O que aconteceu foi isso mesmo, um surto coletivo daqueles terroristas, que fizeram aquilo que fizeram.
Existe essa manipulação de massa também, com pessoas que têm uma mente mais favorável a ser manipulada, acabam tendendo a ter esses comportamentos guiados por uma pessoa insana também. Quando a gente vê todo um movimento de massa, sempre tem um líder. E a tendência dos liderados é sempre seguir o comportamento do líder. Se tem um líder insano, a tendência da massa é seguir esse comportamento insano. E aí a pessoa não consegue diferenciar o comportamento dele, o comportamento ético, para um ato duramente brutal como o que aconteceu.
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