CRÔNICA
Meus parabéns agora
Confira a crônica de Franklin Carvalho
Por Franklin Carvalho*
Dona Lavínia não gosta de aniversários, o dela mesmo não comemora. Fosse uma formatura, uma promoção, uma casa nova, ainda vê sentido festejar, são coisas que mudam a vida das pessoas para melhor. Mas aniversários, assim como aposentadorias, são alegrias mais elegantes quanto mais discretas. Um desperdício encomendar doces para estas ocasiões que são metade melancólicas. Essa é a opinião dela.
Na verdade, Lavínia nunca foi muito chegada a festa, mesmo porque, quando criança, tinha uma vida muito simples no interior. Depois que cresceu, veio morar com uma tia solteirona na capital, tia essa professora, e ela mesmo se tornou professora e permaneceu solteira na idade adulta. Fora um noivado inútil, que se desfez após uma década de novela. Aposentou-se, afinal, fiel à solidão.
Ainda na infância teve aquele episódio de Lavínia saber que uma colega de escola pública, filha de um vereador, teria aniversário numa tarde de sábado. Algumas coleguinhas se arrumaram como bonecas para a festa e levaram presentes. Lavínia, depois de muito trabalhar em casa e brincar na rua, apenas lembrou-se do evento e, se sentindo convidada, apareceu por lá com a roupa enxovalhada. Somente alguns anos depois, já adolescente, tomou consciência da forma que foi recebida e da espera para ser servida.
E agora, idosa, noite de sábado, ia ao aniversário do marido de Estela, velha colega do tempo em que as duas ensinavam num colégio estadual. Quase que ela recusou o convite, mas Estela convocou todas as amigas no grupo do aplicativo de mensagens, e Marta, outra colega de ambas, vizinha de Lavínia, aceitou primeiro. Portanto, havia até companhia para o baile.
Baile é uma forma de dizer, porque houve apenas o bufê no playground de um edifício. A turma de idosos ficou encostada à parede, tímida e cerimoniosa. As filhas e noras do aniversariante, embora nervosas com detalhes da arrumação, procuravam passar simpatia. Os filhos homens e os genros, muito malvestidos, fecharam-se a um canto discutindo política e futebol com berros e palavrões, regados a talagadas de cerveja. A geração mais jovem mal aguardou a hora dos parabéns para fugir para seus quartos e suas redes eletrônicas, escapando do agouro da velhice. Só as crianças pareciam felizes.
As crianças e Estela. Ela se rejubilava com tudo aquilo, por ter marido, apesar de lento e silencioso, ter amigas, ter filhos e genros ogros, e filhas azedas. Tudo lhe valia porque houve bolo e oração antes dos parabéns e um cantor chamado pela família tocou três músicas no violão, já que o condomínio não permitia mais.
Esse cantor, no meio da apresentação, elogiou a beleza das senhoras presentes, principalmente Lavínia e o seu vestido de cetim vermelho:
Essa derradeira canção vai para todas as damas, principalmente a Miss Simpatia, Vovó Lavínia – Logo ela, que não era nem mãe!
Lavínia e Marta voltaram para suas casas no carro de um dos convidados da festa. Já no seu quarto de dormir, Lavínia rabiscou na contracapa de uma revista de fofocas aquela data e um pequeno resumo do ocorrido. Ela tinha esse hábito de anotações avulsas, um dia reuniria tudo num livro da sua vida. Em seguida, deitou-se e já ia adormecendo, satisfeita. Se Deus a levasse naquela hora, partiria feliz.
De repente levantou com um pequeno mal-estar, um certo refluxo, porque tinha comido frituras na festa. Logo arrependeu-se da ideia do “partiria feliz”. Longe dela estragar os comentários que haveria no dia seguinte, no grupo de mensagens das amigas, todas gratas a Estela.
Deu um tempo, colocou mais um travesseiro sob a cabeça e finalmente dormiu, mas com o sono leve de sempre, meio alerta.
Desde criança era assim, difícil abrandar por completo.
*Escritor, autor de Tesserato – A tempestade a caminho (Noir Editora)
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