CRÔNICA
Minha paisagem sonora
Fui pega por um ruído, saindo do banho. Ouvi lá do 15º andar. Não, não era só um ruído, mas uma zoada…
Por Luisa Lá Lasserre
Fui pega por um ruído, saindo do banho. Ouvi lá do 15º andar. Não, não era só um ruído, mas uma zoada… de carro de som. Parei pra escutar: “Pizza de Régis, pizzaria com música ao vivo a partir das 16 horas, pista de dança e ambiente totalmente climatizado”! Como se não bastasse, karaokê pra quem gosta de cantar. O marketing à antiga, gritado ao microfone, fazia soar como se fosse uma maravilha. Pra mim, propaganda ao contrário, me dizendo pra passar longe dali.
Pensa bem! Um lugar fechado, lotado de gente falando alto, afinal, ninguém consegue se ouvir. Som lá em cima, com algum cantor tentando emplacar um hit pra empolgar a plateia. Se já não for sofrível o suficiente, você ainda pode ter de aguentar um senhor meio bêbado e nada afinado tentando puxar um arrocha ou sertanejo no karaokê.
Fora toda confusão sonora, confesso: eu tenho preconceito com pizzarias que tentam ser outras coisas além de… pizzaria. Já viu uma boa de verdade vendendo churrasco? Oferecendo pista de dança? E karaokê?! Não dá. Alguma coisa não deve prestar nessa mistura.
Você pode até achar que pareço de outro mundo. O povo que fica por aí atrás de extraterrestre não precisa ir longe: estou bem aqui. Quanto mais fuzuê, agito, mais eu tô fora. Não suporto som alto demais. Não entendo como alguém pode andar de carro com um volume lá nas alturas que nos faz ouvir as batidas graves mesmo com as janelas fechadas. Não pode ser normal. Deve ter tanto barulho dentro da própria cabeça que é preciso uma zoada ainda mais forte pra abafar.
Tenho uma relação peculiar com a audição. Não gosto de nada muito alto, mas também não pode ser baixo demais. Gosto de ouvir sons em uma altura confortável, que soe clara o suficiente, nem muito alta nem muito baixa. Adoraria ter um botão particular de volume para usar com o que ou quem eu quisesse; controlaria a altura dos sons ou das vozes ao meu inteiro sabor.
Quando adolescente, eu ouvia rock baixinho no som do quarto. Meu pai ficava até surpreso por eu ouvir meus discos e ninguém mais na casa escutar. Pra quê? Bastava eu, ninguém precisa partilhar do meu gosto. Por isso acho tão difícil entender quem não pensa do mesmo jeito.
Fico imaginando que aquilo que ouvimos diz muito sobre quem somos. Repare como cada cidade, cada bairro, cada grupo de pessoas têm seu repertório sonoro próprio. Já observou os sons que fazem parte do seu dia a dia? Quais músicas você ouve? Tranquilas ou agitadas? Muito barulho de trânsito? As pessoas falam alto ao seu redor? Quais palavras você fala? Quais você escuta? Aliás, você ainda escuta alguma coisa? Ou está só ouvindo sem prestar atenção em nada?
Experimente parar, fechar os olhos e só ouvir, por uns instantes. Gosto de fazer isso, me sinto presente. Às vezes quero silenciar o mundo. Mas então me dou conta: quanto de mim já está silenciado? Quantos ruídos internos ainda preciso escutar para verdadeiramente silenciar? O silêncio, eu diria, não é só a ausência de som.
Posso ouvir muitas coisas, mas também escolho o que escutar. O sopro do vento. Canto de passarinho. O murmúrio das ondas lá no fundo. De repente, um latido longe espanta o relógio. Respiro. O ar também soa. O grito de um menino corta o silêncio. Em algum lugar, alguém canta. Duas ou mais pessoas conversam. Um carro buzina. Um ônibus passa, deixando escapar os seus cansaços.
Volto os ouvidos para o murmurar das ondas outra vez... até que abro os olhos, encaro minha paisagem sonora. Qual é a sua?
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