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MUITO

Moradores dos Barris estão apreensivos em relação à construção de novos empreendimentos

Por Gilson Jorge

25/07/2021 - 6:00 h
Biblioteca Central da Bahia
Biblioteca Central da Bahia -

Guido Magnavita Galeffi tem uma rotina peculiar em sua pequena pizzaria nos Barris, onde trabalha sozinho. Abre o casarão no início da noite e dá uma geral na arrumação, mas, antes de começar o expediente, fecha a porta e cruza a rua para bater papo com os amigos sobre política, costumes, os assuntos do bairro.

O ponto de encontro é o cafezinho de João, uma banquinha improvisada à frente da Biblioteca Central do Estado da Bahia, onde, na penumbra de um calçadão mal iluminado, uma garrafa térmica serve de pausa para o cafezinho de comerciantes desse trecho da rua General Labatut.

Nos últimos dias, quase não se fala em outra coisa que não seja a construção do mercado atacadista Assaí na Rua do Salete, esquina com a Rua Alegria dos Barris. No Vale dos Barris, também está sendo construída uma loja de materiais de construção, a Ferreira Costa.

O bairro onde o cineasta Glauber Rocha morou está em transe. Ou melhor, dividido quanto ao trânsito e outras questões que virão com os novos vizinhos. Mas a própria Biblioteca Central deu motivo para conversa nesses dias.

Obras

Depois de anos de abandono, a Fundação Pedro Calmon (FPC) promete para esta semana o início de obras de reforma e climatização da mais antiga biblioteca do estado. São R$ 1,1 milhão em intervenções que devem durar 90 dias.

Entre as novidades prometidas está a transferência para o prédio do Centro de Memória da Bahia e a própria sede da FPC, ambas atualmente na Avenida Sete.

“Na retomada das atividades da fundação, resolvemos adotar um conjunto de medidas para requalificar várias das bibliotecas que nós temos na cidade”, afirma o diretor da fundação, Zulu Araújo.

Se a promessa for cumprida, em breve vai haver mais opções para se tomar café: a Sala Walter da Silveira, espaço de cinema público, deve retornar em outubro, segundo anúncio feito pelo governo do estado. O sistema de gestão e o horário de funcionamento, entretanto, ainda não estão definidos.

Seja pelos tratores acordando a vizinhança com a derrubada de árvores, seja pela promessa da volta da vida cultural ao bairro, este mês os Barris entraram em cartaz.

Interiorano

Morador do bairro desde que nasceu, há 67 anos, Guido está ao lado dos que têm o pé atrás. Gosta de ver os Barris como uma pequena cidade interiorana que lhe permite viver e trabalhar com sossego, em seu próprio ritmo, com uma clientela já conhecida de vizinhos e amigos que pela iluminação da casa são informados de que mais tarde vai ter pizza.

“Sem dúvida, o mercado vai impactar na vida pacata e com resquícios de cidade do interior do bairro”, afirma.

Novato na área e criador da página Aqui é Barris, no Instagram, Victor Lopes foi um dos primeiros a divulgar nas redes sociais fotos e vídeos das árvores sendo derrubadas para dar lugar ao atacadão.

Com base no tráfego na página, ele avalia que as opiniões sobre os benefícios e inconvenientes do novo empreendimento estão divididas. “Está meio a meio”, afirma.

Desde a inauguração da Estação da Lapa, em 1982, o bairro que surgiu no século 19 com chácaras e mansões de barões do cacau, como os próprios antepassados de Guido Magnavita, precisa se adaptar às mudanças de perfil socioeconômico dos moradores e aos avanços da modernidade. Primeiro, o aumento de transeuntes vindos da Fundação Visconde de Cayru e do Colégio Nossa Senhora da Salete em direção à General Labatut para pegar ônibus.

Na década de 1980, vieram os shoppings Piedade e Lapa, aumentando o tráfego na Rua Junqueira Ayres, depois uma estação de metrô, em 2014, agora os novos empreendimentos.

Enquanto o atendimento na biblioteca esteve limitado pelas carências estruturais e, posteriormente, pela pandemia, moradores e visitantes do bairro tiveram uma alternativa para começar uma nova leitura.

Todos os dias úteis, Edson Teixeira, 64 anos, conhecido no bairro como Seu Caju, desamarra as lonas que durante a noite cobrem as centenas de livros que há cinco anos se acumulam em frente a uma clínica, à espera de leitores.

A maioria das unidades é vendida, mas Seu Caju afirma que quem não puder pagar pode levar também. “Eu trabalhava com frutas, mas livro é educação. A biblioteca não estava funcionando, então comecei a receber doações de livros”, conta.

Feira

Até a década de 1980, umas das principais opções de abastecimento de alimentos para quem mora nos Barris era a Feira de São Raimundo, que funcionava na parte superior do estacionamento homônimo, sob o Viaduto. Caminhões vindos do interior chegavam na madrugada de sábado com hortifrutigranjeiros.

Uma extensa faixa de gramado, que separava esse trecho da segunda parte do estacionamento, onde agora está sendo construída a loja de materiais de construção, virava campo de futebol improvisado para garotos dos Barris, Politeama, Ladeira da Fonte e Garcia, que no final da noite, após a partida, disputavam frutas cedidas pelos feirantes.

De manhã, quem descia dos Barris pela Ladeira do Salete a pé para fazer compras tinha que praticar outro esporte, levantamento de peso. “Era terrível subir com a sacola cheia”, lembra Eudete Andrade, que chegou aos Barris em 1980, vinda do interior com a família e hoje é dona de uma salão de beleza em um pequeno centro comercial na Rua do Salete, a poucos metros do futuro atacadista.

Sobre as lembranças da juventude no bairro, Eudete cita os trilhos do bonde que ainda estavam cobertos pelo asfalto, a pracinha do bairro já meio abandonada, um local com poucos prédios, o Armazém de Seu Zé, que depois viraria o Bar do Espanha, atual Velho Espanha.

“Eu era jovem, só queria saber de barzinho. O Lugar Comum, um forrozinho à noite”, que chegou antes da construção do Shopping Piedade. Nascida em Itagimirim e criada em Vitória da Conquista, recorda ter visto o conquistense Glauber Rocha, que morreria em 1981, visitando a família nos Barris.

Sua casa ficava em frente a da família de Glauber, onde atualmente funciona o Conselho Regional de Enfermagem (Coren). “Ele era muito fechado, mas com a gente foi muito agradável”, conta.

Amiga e cliente de Eudete, Lícia Pires conhece os Barris como poucos. Nasceu no bairro e lembra de, ainda criança, ter andado no bonde que saía da General Labatut em direção à Praça da Sé, passando pela Junqueira Ayres. “No final de linha, os bancos mudavam de lado e o bonde seguia viagem”, conta.

Principal chapeleira em atividade na Bahia, Lícia também foi dona do Colégio Santa Marta, que funcionou durante décadas na esquina da General Labatut com a Rua Mesquita dos Barris.

A gradual mudança de perfil do bairro, com a chegada de novos moradores, o surgimento de uma juventude com hábitos diferentes das gerações antigas foi, em alguns casos, traumática.

Em um bairro onde quase todo mundo se conhece, nem todos os negócios conseguem manter uma freguesia fiel sem que haja questionamentos da vizinhança.

Nas últimas duas décadas foram surgindo e sumindo empreendimentos que destoaram do padrão classe média bem comportada. O bar Quixabeira, a boate gay Queens, saunas, o Beco de Rosália e, mais recentemente, a Casa Rosada e o Velho Espanha fizeram da noite nos Barris um barril dobrado. Exatamente como na gíria: é positivo para uns e negativo para outros.

Farras

Também nascido no bairro, Geraldo Pereira, 80 anos, o Geraldinho, considera que em sua época de juventude as farras eram mais saudáveis, sem drogas. Orgulha-se que seus companheiros de bar se tornaram advogados, delegados, desembargadores.

Sobre essa época, diz: “Era uma beleza, todo mundo uma família. Hoje está um absurdo. Muita gente nova, muita gente metida, muito maconheiro, um bocado de gente estranha”.

Geraldinho trabalhou no setor administrativo da Biblioteca Central até 1989 e lembra com saudade dos tempos em que automóveis do serviço público levavam livros para ser emprestados a estudantes de bairros carentes que não costumavam frequentar a biblioteca.

E sentencia sobre o estado atual da unidade: “Está horrível, falta de verba da Secretaria da Cultura, tá entendendo? Um negócio horrível, em vez de evoluir está decrescendo”, afirma o aposentado, para quem o novo mercado vai ser muito bom para os Barris.

Uma preocupação compartilhada por muitos moradores é a insegurança. Com menos de seis meses no bairro, Victor Lopes já viu um caso de roubo de bicicleta em seu prédio.

Ainda com lembranças da infância, quando ia com os amigos andando até o Campo Grande, Lícia Pires ressente-se de não haver mais tranquilidade por lá.

Mas acredita que nesse ponto a presença de um grande mercado e o aumento da circulação de pessoas possa diminuir a sensação de insegurança.

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