MUITO
Muncab reabre em março com atividades educativas e planeja exposições
Museu, fundado em 2011 pelo poeta José Carlos Capinan, está sob nova gestão
Por Vinícius Marques

Localizado nos dois prédios onde funcionaram o antigo Tesouro do Estado da Bahia e o serviço de assistência pública da cidade, no Centro Histórico, o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) finalmente voltará a ser ocupado por pessoas que desejam conhecer o acervo da instituição, além de participar de atividades formativas que serão promovidas no local.
Fundado em 2011 pelo poeta José Carlos Capinan, agora o Muncab está sob uma nova gestão, capitaneada pela produtora cultural Cintia Maria e a diretora de audiovisual Jamile Coelho, que exercem funções complementares de direção institucional e artística, respectivamente. A dupla, que está há um ano nos novos cargos, assumiu após um período preocupante para o museu.
Isso porque o Muncab passou por uma forte crise financeira, correndo o risco de fechar para sempre. No entanto, após receber repasses do Governo Federal para a implementação do museu, o Muncab conseguiu resolver os principais problemas de estrutura e de contas atrasadas.
No entanto, para voltar 100%, o Muncab ainda precisa de um último repasse do Fundo Nacional de Cultura, avaliado em cerca de R$ 2 milhões, que, segundo Jamile, “está desaparecido”. No momento, eles aguardam instruções do Ministério da Cultura para saber como proceder com a recuperação desse valor que nunca foi recebido.
“É muito complicado pensar em como gerir uma instituição com toda a intempestividade que estava acontecendo, mas a gente acredita muito no diálogo com esse novo Governo Federal. Deve haver uma acessibilidade com esse novo Governo para essas causas e para que a gente possa conseguir ter o Muncab como esse museu que é potência”, afirma Jamile Coelho.
Por conta disso, neste primeiro momento, o Muncab reabre as portas com seus projetos educativos, no T2 (como chamam o prédio dois, do Tesouro). A reabertura do local acontece no dia 11 de março, com um workshop intitulado Mudança na Forma de Empreender, ministrado por Paulo Rogério, fundador da organização social Vale do Dendê.
A expectativa das gestoras é de que o Muncab reabra as portas do T1 (onde serão exibidas as exposições) por volta de julho, para celebrar o centenário do prédio que abriga o museu. “Estamos montando as exposições de uma forma muito colaborativa, com vários curadores jovens e experientes. Esse ano também é o centenário do prédio do Tesouro e a gente gostaria de entregar o prédio todo restaurado e tudo mais para a sociedade fazer uma grande festa nesse sentido”, explica Cintia.
A história das gestoras com o Muncab data de 2017, quando Jamile começou a colaborar de forma voluntária no projeto Erês, voltado para crianças de quatro a seis anos de idade da educação básica da prefeitura. A cineasta foi convidada para filmar as ações e transformar o material num documentário.
Desde então, outras parcerias foram surgindo, com Jamile ministrando atividades formativas com sua produtora, a Nubas, com foco em mulheres, jovens, negros e pessoas LGBTQIA+. Deu tão certo que não pararam mais. Cintia, sempre parceira de Jamile nas atividades da Nubas, lembra que numa dessas atividades, em 2019, criaram um aplicativo de realidade aumentada para o museu, um dos primeiros do Brasil.
A parceria continuou e Cintia foi convidada para ser vice-diretora do Muncab, trabalhando ao lado de Capinan. No entanto, o poeta sentiu que precisava se afastar definitivamente da presidência por conta de problemas de saúde e convocou uma nova gestão. Os nomes de Cintia e Jamile foram sondados sem que ambas tivessem conhecimento, e teve aprovação de todo o corpo de funcionários e da presidência do museu.
“Foi uma questão consensual entre todo mundo e nós não sabíamos. A gente fazia os trabalhos porque gostava, porque acreditava e porque a gente tem esse compromisso com as culturas afro-brasileiras e com a preservação dessas memórias”, conta Cintia.
Jamile ressalta que o Muncab é muito importante para Capinan, destacando que ele sacrificou muito de sua vida para a existência do museu. “Se esse museu existe, se é um museu nacional, e o projeto existe há tanto tempo, há mais de 20 anos, tem muito do sacrifício dele. Sacrifício de vida pessoal, de várias coisas que ele abriu mão para fazer com que esse museu existisse”, pontua.
A gestora e cineasta acrescenta que somente quando iniciou sua gestão tomou conhecimento de como os museus brasileiros funcionam e da dificuldade que é gerir um equipamento desse porte. “Capinan é um cara que resistiu durante todo esse tempo e colocou esse projeto para frente. Ele é nosso padrinho, um grande conselheiro desse processo todo”, afirma.
Atualmente, longe da administração do museu, Capinan atua como Presidente de Honra, e faz coro ao que Jamile e Cintia dizem: “Trabalhar em um museu exige uma certa persistência e uma capacidade de resistir”. O poeta define Jamile e Cintia como “pessoas muito corajosas e confiáveis”, e acrescenta um dado que também foi importante para a decisão de passar o bastão.
“Elas são jovens e isso é fundamental para a gente acreditar que o projeto do museu – uma vez que o meu afastamento está se dando como motivo de saúde e tem uma característica meio definitiva – está entregue a pessoas com certa capacidade de sonhar e de tornar material os sonhos que têm", declara Capinan.
O antigo gestor conta que existiam outras opções para o cargo que hoje ocupam Jamile e Cintia, mas acredita que fez a escolha certa na indicação delas. “No meio de outras opções, essa era a melhor. Agora nós temos um propósito de reabrir e espero que as meninas que estão à frente consigam essa proeza. A comunidade afro-brasileira cobra a existência dele”, acrescenta.
Reformado
Nesse primeiro ano de gestão, elas encontraram o equipamento completamente reformado por Capinan, que antes de passar o bastão conseguiu sanar todos os problemas de infiltração e de restauração da cúpula, além de reparo nos pisos, que, segundo Cintia, era um dos grandes problemas estruturais dos prédios.
“Quem for ao museu hoje já não encontra esses problemas”, garante Cintia. Na estrutura dos prédios, construíram um café, que deve abrir licitação em breve, e uma lojinha, que será preenchida de forma colaborativa. Para o café, Cintia destaca que um dos requisitos da licitação vai ser sobre o preço a ser cobrado pelos itens.
“Não dá para cobrar R$ 20 por um café no Muncab, queremos um museu com um viés popular. A nossa proposta foi pensar o Muncab para fora do prédio, de retomar a sua relação com a cidade, para que exista a percepção de que estamos realmente de portas abertas a todos, todas e todes, que o museu não é um lugar de exclusão, não é um lugar elitista”, afirma a gestora institucional.
Entre as ações para promover o Muncab para fora do prédio, como cita a gestora, estão conversas com outras instituições locais e de outros estados para empréstimo de peças do museu, ou doação, como ocorreu com uma escultura de Iemanjá negra, que desde o último dia 2 de fevereiro faz parte da Casa de Iemanjá, na Colônia de Pescadores no Rio Vermelho.
“A gente colaborou fazendo a doação de uma obra no sentido de estar reafirmando a identidade dessa divindade africana, em contraponto com a massificação da imagem da Iemanjá branca”, explica Cintia. Ela conta que estão acompanhando a participação popular do público com a imagem e acredita que isso tem reforçado a ideia do conceito de “museu expandido e em constante diálogo com a sociedade”.
Sobre os R$ 2 milhões que estão para receber do Fundo Nacional de Cultura, do Governo Federal, Cintia espera fazer uma reforma na reserva técnica do museu. Ela explica que a atual, onde se encontram as mais de 400 obras do acervo do Muncab, é mais simples. A ideia é modernizar e também implantar energia solar.
“Estamos agindo no sentido de modernizar e trabalhar também com essa questão de sustentabilidade do museu”, explica Cintia. Atualmente, toda a água do prédio é utilizada a partir da captação das águas da chuva. Isso faz parte das ações de sustentabilidade do Muncab, segundo Cintia.
As atividades formativas que servem como reabertura do Muncab, fechado há três anos por causa da pandemia, são uma parceria do museu com a Fundação Gregório de Matos (FGM), da Prefeitura de Salvador, e da Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda (Setre), do Governo do Estado.
A parceria com a Setre vai resultar nos workshops de Laboratório de Projetos, Gestão de Empreendimentos e Projetos Criativos, Propriedade Intelectual de Projetos Culturais, e a já citada Mudança na Forma de Empreender. Todas as datas serão publicadas nas redes sociais do Muncab.
O apoio da Setre ainda servirá para a realização dos cursos de Elaboração de projetos culturais, Prestação de contas de projetos culturais, Financiamento de empreendimentos criativos, Formalização de empreendimentos criativos, Comunicação de projetos e Gestão de empreendimentos e projetos criativos.
Todos os cursos têm um viés de formação muito específico, com o objetivo de fazer o público entender como funcionam os mecanismos de fomento e de que forma eles podem solicitá-los. A ideia para esses cursos surgiu porque elas perceberam que alguns artistas não sabiam como se inscrever nas edições da Lei Aldir Blanc promovidas durante o período mais grave da pandemia.
“A gente sabe que a população que está em maior vulnerabilidade é a população negra, então, é nessa possibilidade de ter cursos de elaboração de projetos para esse público que a galera pode conseguir acessar esses recursos e, de fato, conseguir chegar onde querem chegar com suas artes”, explica Jamile. “Esses artistas estão com suas artes na rua, mas muitas vezes não sabem como capitalizar isso”, acrescenta Cintia.
Identidade
A outra frente educacional do Muncab é uma parceria da Nubas com a Escola Criativa Boca de Brasa, da FGM, num conjunto de ações de formação, qualificação e fortalecimento identitário, oferecido no turno vespertino, com carga horária total de 180 horas cada e duração de seis meses.
Os cursos oferecidos abraçam áreas distintas, como Documentário (Lab Doc), Escritas Criativas e Urbanas (Lab Poéticas), Preparação de Atores, Iluminação e Sonorização e Gestão de Espaços Culturais. Nessa modalidade, as pessoas participantes aprenderão na prática sobre os temas e no final 10 projetos podem ser premiados com R$ 10 mil para a execução.
O Lab Doc será ministrado pela jornalista e cineasta Ceci Alves, que já trabalhou com o Muncab nos últimos anos, produzindo o mesmo curso que será oferecido dessa vez, mas de forma virtual. “Estamos bem animadas e contentes de podermos fazer presencial. Já é uma brand, uma coisa de sucesso nossa, e é uma iniciativa para gerar altos estudos no documentário. A gente quer discutir a linguagem do documentário”, explica Ceci.
Para a cineasta, que atualmente está trabalhando como roteirista assistente da adaptação para TV do livro Torto Arado, essa vai ser uma oportunidade de poder, de fato, praticar o fazer documentário. Ela explica que nas edições online incentivaram que as pessoas filmassem com o que pudessem, como o celular, por exemplo, e muitos fizeram. Dessa vez, sabe que o Muncab pode facilitar os equipamentos e espera que no presencial essas atividades práticas sejam ainda mais efetivas.
“A gente quer que seja um laboratório mesmo, de experimentação, para que a pessoa não só coloque a mão na massa, mas saiam ideias, formatos, que coisas sejam criadas e que vão para o mundo. Isso é algo que a gente conseguiu nas outras edições também. A gente teve vários documentários que foram efetivamente realizados, que estão em exibição. A gente quer que isso prossiga, que continue”, afirma a cineasta.
As inscrições para todos os cursos e workshops promovidos pelo Muncab são gratuitos e estão disponíveis no site do museu. Os cursos promovidos pela Escola Boca de Brasa possuem reserva de 30% das vagas para pessoas autodeclaradas negras e negros; 20% das vagas para pessoas LGBTQIAP+; e 50% das vagas para o público em geral, mas com prioridade para moradores de locais em vulnerabilidade social e mulheres.
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