OLHARES
Murilo Ribeiro, um contador de estórias
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Por Celso Cunha Neto*
Com títulos visível e intencionalmente inspirados na literatura do cordel, Murilo Ribeiro facilita a interpretação de suas telas. Obras de composição dinâmica, de estilo pós-impressionista, têm como característica marcante uma clara liberdade e despreocupação com as normas acadêmicas, deformando propositalmente os personagens humanos e demais, brincando com a perspectiva e combinando cores proibidas.
Observo também um visível medo do vazio, que o artista, normalmente, busca preencher o espaço da composição sem importar-se com a dialética do fundo versus elementos da composição.
Mesclando influências do cubismo, fauvismo, abstracionismo, action painting e outros, Murilo obtém uma pintura densa que engana o olhar epitelial e apressado do observador desatento, que pode até o confundir com um pintor primitivo.
E é exatamente o oposto, dado que Murilo Ribeiro tem sólida formação acadêmica, enquanto graduado em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, tendo também cursado Filosofia na mesma universidade.
Formação que o dota, além do comprovado conhecimento, assim também do direito de pintar o que quer e como gosta, na medida que é exatamente essa decisão que leva o artista consciente do seu mister artístico a ser único na sua criatividade individual.
Murilo Ribeiro nasceu no ano de 1955 no estado de Alagoas, na bela e histórica Penedo. Situada às margens do Rio São Francisco, com suas igrejas barrocas e belo casario, certamente influenciou seu imaginário infantil que foi complementado pela arquitetura religiosa de sua cidade de adoção, Salvador da Bahia, mantendo o estilo em escala maior.
Observa-se essa sua imersão no barroco brasileiro explodir em suas cores e recolhimento, contrastes, dualidades e excessos, exuberância e religiosidade, assim como temas profanos que convivem em harmonia.
Em 1970, começa a pintar como autodidata, até 1975, quando ingressa no Curso de Artes Plásticas na Ufba. Em 1989, decide residir na Chapada Diamantina, na cidade de Morro do Chapéu, e em 1992 retorna a Salvador.
Entre 1993 e 1994 viaja por todo o Estado da Bahia, conhecendo todas as regiões e seus diversos aspectos. Em 1997, inaugura seu ateliê e espaço para exposição permanente no Pelourinho, em Salvador.
Em 2001, inicia curso de Licenciatura e Bacharelado em Filosofia e em 2015 começa a dar vida a seus personagens da pintura, trazendo-os para o mundo tridimensional ao transformá-los em belas esculturas de cerâmica.
Seu processo criativo desenvolve-se para meu e nosso espanto de maneira paradoxal, ao inverter a tradicional evolução da pintura figurativa, que no seu processo de estilização deságua no abstracionismo. Assim, de maneira natural, Murilo vale-se da nossa característica de percepção visual quando buscamos interpretar, significativamente, os estímulos visuais ou padrões onde não existe fato algum.
Em sua base pictórica, ou melhor, em suas espessas bases superpostas, com cores e dinâmicas pinceladas que lembram a action painting, como em um fenômeno de pareidolia, busca reconstruir imagens reconhecíveis e a partir daí produzir belas composições, que sempre nos contam estórias.
Consequentemente, criando um clima que, às vezes, evocam o onirismo e a poesia fantástica do universo de Paul Klee e de outras ambiências expressionistas, carregado de significados subliminares que evocam um panorama dos clássicos europeus, sempre numa abordagem fauve e pós-impressionista.
Suas obras muito bem descritas nos longos títulos, com cores fortes e uma paleta econômica e marcadamente pessoal, o identificam ao longe.
Murilo caminha do religioso à crônica mundana do cotidiano urbano e provinciano, num universo de personagens com referências nitidamente nordestinas e ambiguamente universais.
O humano, com suas mazelas, alegrias e sua patética existência, é descaradamente exposto sem piedade e aparentemente rude, porém sem perder uma infinita delicadeza ao tratar da condição humana, com poesia e generosidade, enfim, com uma combinação de respeito, crítica aguçada e empatia, revelando seu alto senso de humanidade.
Portanto, deixa claro o uso pleno o do seu talento e sensibilidade em favor do homem, em sua real condição.
Com uma coerência incomum, ele vem produzindo ao longo de mais de 40 anos uma pintura que revela o seu total domínio das suas técnicas de abordagem das tintas, pincéis e temática, o que o coloca entre os artistas brasileiros totalmente maduros profissionalmente falando. Dono de estilo facilmente identificável até para os leigos em arte.
Com uma obra densa que oferece várias formas de abordagens e interpretações, o artista nos oferece um roteiro básico de compreensão, bem como nos permite leituras diversas e descobertas surpreendentes desse seu universo particular e ao mesmo tempo universal.
*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE
*Arquiteto e artista visual
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