MUITO
Na conta do diploma: festas de formatura em Salvador chegam a custar R$ 1,5 milhão
Por Bruna Castelo Branco

Antes do glamour, o caos. Barulho, luzes apagadas, cadeiras empilhadas, embrulhos enormes espalhados pelo chão e dezenas de pessoas que andam para lá e para cá cheias de coisas para resolver. Era véspera de uma solenidade de medicina, evento que receberia centenas de convidados, e Emília Chaves, uma das sócias da 3º Grau Formaturas, empresa que organiza esse tipo de festa, já adiantava: “A conversa não pode demorar muito porque tem muita coisa para fazer ainda”.
De 2010 para cá, a tradição das formaturas tem se tornado cada vez mais elaboradas em Salvador, diz a empresária. As festas costumam durar três dias: primeiro vem o culto ecumênico, a solenidade e, finalmente, o baile. Falando logo em valores, que normalmente é a primeira pergunta que todo formando – e a família, geralmente quem coça o bolso – faz, tudo depende. Depende do número de estudantes, do tamanho e localização do espaço, das tecnologias usadas, da decoração, dos pacotes de fotografia.
Uma festona de medicina, por exemplo, curso que mais investe em formaturas grandes por aqui, costuma custar de R$ 20 mil a R$ 30 mil por pessoa. “Medicina acaba fazendo uma festa maior porque eles se organizam cedo, lá pelo primeiro e segundo semestre já começam a arrecadar”, explica Emília.
Fazendo uma média de preços, numa turma com 60 formandos, os três dias saem por R$ 1,5 milhão no total – e nem falamos de gastos a mais, como convites, que custam de R$ 30 a R$ 70 cada – aqueles de capa dura, que mais parecem livros –, brindes, copos personalizados, maquiagem e cabelo profissional (uma média de R$ 250 por dia) e três roupas de gala para três dias de evento. Para as mulheres, o custo acaba sendo maior.
Esse valor seria um tanto mais baixo não fosse a escassez de locais para fazer evento em Salvador. Em 2015, quando o Centro de Convenções, único da cidade, fechou, os preços dos auditórios pipocaram. “Eles precisam voltar para a realidade. Quando a gente conversa com as empresas de fora, os valores desses espaços lá são um sonho em comparação com os daqui”, opina Emília.

Para Hermes Carvalho, sócio da 3º Grau, achar locações para cerimoniais de grande porte é um dos principais problemas para quem vive disso aqui. “Foi impressionante, assim que o Centro de Convenções fechou, os hotéis [anfiteatros de hotéis são bastante utilizados para fazer solenidades] já ligaram dizendo que o preço era outro, quase triplicou. Lógico que o mercado é livre, mas tem hotéis que a gente sabe que o preço é um, mas para formatura já colocam outro”.
A festa que Emília e Hermes organizavam naquele dia era no Wet’n Wild, que, junto com o Parque de Exposições, é um dos poucos lugares que comportam eventos grandes. Por R$ 35 mil, alugaram o espaço que só vem com um toldo branco já montado. O resto fica por conta da organização. “Tem que contratar o gerador para o ar-condicionado, que é obrigado a contratar aqui [no Wet’n Wild], então, já vai para R$ 47 mil, só para começar”, diz Emília.
Para aquele evento, por exemplo, a empresa usou 2.800 m² de lona preta para cobrir o toldo por dentro e 1.800 m² de carpete. “Porque fica muito feio com esse piso aqui, não é? A gente percebe que, com as redes sociais cada vez mais presentes, a decoração tem se tornado algo muito exigido, os formandos estão cada vez mais atentos e exigentes quanto a isso, as fotos precisam ficar bonitas, a pessoa quer postar. As redes sociais têm um papel grande nesse mercado. Isso faz com que a gente busque inovar cada vez mais”, conclui ela.
Já no Parque de Exposições, que nem toldo tem, se aluga o espaço sem qualquer estrutura. O empresário Kelmany Lima, proprietário da Kelmany Eventos, esmiúça os valores embutidos para fazer um baile de formatura ali. Só o espaço custa R$ 30 mil, mas já tem que acrescentar mais R$ 150 mil com infraestrutura: forrar teto, paredes, colunas, a parte hidráulica, elétrica. “Você gasta mais ou menos R$ 180 mil de start. A partir daí, você vai entrar com a decoração, iluminação, piso… O piso dali é caótico. Lavagem. Normalmente, quando você aluga o espaço, aquilo ali está com fezes de animais. Quando eu assino contrato com o Parque de Exposições, eu assino ‘galpão de bovinos’” , diz Kelmany. Só para lembrar – de R$ 20 mil a R$ 30 mil por pessoa.
Em geral, os formandos da Universidade Federal da Bahia são os menos prejudicados pelos preços dos auditórios, já que podem colar grau na reitoria da universidade gratuitamente. Mas há um porém, explica Hermes Carvalho: o espaço não comporta turmas grandes. “Dá para fazer com uns 15 alunos, não cabe mais. Também limita muito em termos de tecnologia, não pode personalizar muito a formatura”.
Desde que o antigo Centro de Convenções desabou, a esperança dos empresários do setor de eventos é a inauguração do novo, que vai ficar onde antes estava o Aeroclube, na orla da Boca do Rio. Com 101 mil m² de área e capacidade para receber 14 mil pessoas, o local, que deve começar a funcionar em dezembro, vem com a promessa de reequilibrar os preços dos aluguéis na cidade. O conjunto, batizado de Centro de Convenções de Salvador Antônio Carlos Magalhães, levou R$ 120 milhões da prefeitura de Salvador.
Pré-festa
Fazer festa para celebrar a festa é outra tendência de mercado que já pegou entre os estudantes, principalmente dos cursos mais tradicionais. “Tem festa de meio médico [feita no meio do curso], 50% dentista, 50% advogado”, conta Kelmany. Começaram de forma bem espontânea, um jeito que os colegas encontraram de celebrar o tempo que passou e esperar – e falamos de expectativa, esperança – o que falta para pegar o diploma. Emília Chaves explica: “Eram churrasquinhos, uma coisa mais informal, mas que já está se profissionalizando, agora já são festas bem grandes e muito aguardadas”.
Agora, além dessas coisas todas, as pré-festas funcionam como um teste dos estudantes para as empresas de formatura. Fernanda Passos, estudante de medicina e membro da comissão de formatura da turma, diz que a festa de “meio médico” é feita com patrocínio das empresas, que usam o evento para mostrar serviço. “Tem empresa que oferece as fotos, os copos… A gente chama para patrocinar e observa o potencial de cada uma. É bom para todos”.
Quem fecha com a empresa antes da metade do curso já faz de um jeito diferente. “Depois que fecha com uma, não pode mais receber patrocínio de outra”, diz Fernanda. Na Kelmany Eventos, por exemplo, os estudantes já com contrato assinado fecham um hotel em Morro de São Paulo. Kelmany Lima diz que fica cerca de R$ 500 por pessoa, já que a empresa cobre parte dos custos. “A gente oferece como uma cortesia por terem escolhido ficar com a gente”.

A Qtal Promoções, outra empresa do ramo, segue essa linha. De uns anos para cá, tem levado algumas turmas para uma casa em Arraial d’Ajuda para fazer o meio médico. Um dos sócios, o mineiro Walson Bruno de Almeida, diz que esse é um formato que já existia em outras cidades do Brasil. “É uma festa grande que agora não dura só um dia, vira uma viagem de três dias, com uma programação intensa, deixou de ser o churrasquinho no prédio de confraternização e virou um evento mesmo”.
Além dessas, as empresas já oferecem a festa dos 365 dias e a dos 100 dias – contagens regressivas para a formatura. São as festas das festas – que não estão no orçamento. “Nos cursos de medicina estão começando a fazer uma festa por ano, tem a do 1/6 médico, 1/3 médico, meio médico… É realmente uma mudança de perfil de mercado”, completa Kelmany.
O que encarece um pouco mais o processo como um todo são as fotos. Aqui, umas das profissionais mais procuradas para “fotos de book”, usadas no convite, é Solange Marcon, que vem do Paraná para cá pelo menos três vezes por ano. E vem sem garantias de que será paga: “Eu venho, faço as fotos e não cobro nada por isso. Dou três fotos de cortesia, que mando direto para a empresa de formatura, que pode usar para fazer convite, banner”, explica. Os formandos não têm acesso a esse arquivo. Para ter a foto, precisa comprar por fora. “Faço isso porque confio no meu trabalho, 90% de quem fotografa comigo acaba comprando, então não saio com perdas”.
Entre os procedimentos pré-ensaio, Solange pede que as mulheres façam o buço, a unha e cabelo e maquiagem profissionais, o que já é mais um custo. Para os homens, sugere cabelo lavado e arrumado, barba feita e maquiagem leve, se necessário. A fotógrafa não quis revelar valores, mas apuramos que, em Salvador, a média é entre R$ 60 e R$ 100 por foto avulsa em estúdio.
All inclusive
Dentro do universo dos bailes de formatura, especialmente os de medicina, que são os maiores, há uma peculiaridade que só se vê na Bahia: as baias, ilhas ou camarotes, cada um chama de um jeito. É como se fossem várias festas dentro da festa. Cada formando tem o seu “quadrado”, um espacinho – quadrado mesmo – com mesas para convidados e um buffet próprio, pago por fora. Ou seja, cada um contrata a comida que quer e paga o preço que pode. Nas festas all inclusive, com buffet único, o valor é fixo.
Vantagens, segundo a estudante Fernanda Passos: a festa fica mais democrática. Enquanto um paga R$ 15 mil por um buffet, outro paga R$ 5 mil e tudo certo. Nas festas all inclusive, o preço fica igual para todos – o que faz com que fique mais alto para quem queria pagar menos e mais baixo para quem queria pagar mais. Equilibra, mas pode ser excludente. “A minha turma é muito diversa. Se a gente optasse por fazer buffet único, tem gente que não iria poder participar porque não poderia pagar”, conta ela. A festa fica mais bonita, mas mais cara para alguns.
Fazendo assim, também é possível levar mais convidados. Aqui, o costume é 100 convidados por formando. Walson Bruno, da Qtal, diz que essa é uma das razões para o all inclusive ser tão temido. “Como é muita gente, existe um medo de que o buffet único não dê conta de atender. É um problema que temos aqui em Salvador, muitos buffets não conseguem fazer uma festa para oito mil convidados”.

Mesmo que ainda seja uma prática nova por aqui, a turma de Alexandre Pimentel, estudante de medicina, decidiu pelo all inclusive. “Não foi uma decisão fácil, pois, assim como há varias vantagens, existem desvantagens, e tudo isso deve ser levado em conta. Uma delas é a quantidade reduzida de convidados por formando”, diz ele. Mas as vantagens, explica ele, valem o risco. “A variedade de pratos é maior, não existe divisão de espaço entre formandos, permitindo um fluxo mais confortável durante a festa. O formando não terá mais trabalho de fechar um novo contrato com buffet e o valor do serviço já está incluído no total da festa, o que permite condições de parcelamento mais vantajosas”.
Além da organização visual do evento, o buffet único traz a vantagem de ter todas as comidas feitas na hora. Como o all inclusive permite que a equipe do buffet tenha uma cozinha de apoio, também abre a possibilidade para a preparação de pratos quentes. No formato de ilhas, os formandos responsabilizam por levar a própria comida, já pronta. Por norma do Corpo de Bombeiros, para evitar acidentes, nada pode ser cozinhado ou esquentado.
Convidar menos gente também faz com que o dinheiro possa ser realocado para outro setor, como o das atrações da festa. No Sudeste, onde o hábito de chamar menos pessoas já criou raiz, não é difícil encontrar bailes com o DJ Alok e Ivete Sangalo, por exemplo. Aqui em Salvador, a moda já pegou. Este ano, uma turma pagou R$ 85 mil para ter Harmonia do Samba no baile. Para conseguir o dinheiro sem sacrificar o número de convidados, cada formando precisou vender cerca de R$ 1 mil em rifas. Tudo para levar todo mundo e não chatear aquela prima de terceiro grau que a gente só vê uma vez por ano.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes