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Narrativas pessoais: conheça artistas que se voltam ao resgate da memória familiar

Por Bruna Castelo Branco

16/07/2018 - 13:57 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
O fotógrafo Adriano Machado inspira seu trabalho em fotos de família
O fotógrafo Adriano Machado inspira seu trabalho em fotos de família -

Fiquei por um momento no passado preferindo observar a foto na minha memória ao presente”, escreve o francês David Foenkinos no romance Charlotte. Foi desse desejo comum de redescobrir o passado que a artista visual e historiadora baiana Mônica Simões começou a trabalhar com cinema e arquivos pessoais – que carregam, além de afetos (e, talvez, desafetos), história.

“Revisitar esses arquivos é a minha maior paixão. Cada imagem é carregada de histórias não oficiais, espontâneas, mas cheias de significado e poder histórico”, comenta Mônica. Neste trabalho, ela foge das fontes oficiais e dos documentários encomendados, fiel na busca por olhares menos viciados. “A magia desses documentos é que eles são produzidos por amadores, sem compromisso estético ou político”.

O primeiro filme da artista feito inteiramente de imagens de arquivo é Uma Cidade (2000), um retrato da vida privada de Salvador contado por meio de vídeos domésticos gravados entre as décadas de 1920 e 1970. A segunda produção, O Casamento (2016), segue a mesma linha: a partir da história do casamento e, talvez até mais importante, do divórcio dos pais, a atriz Maria Moniz e o professor de filosofia Ruy Simões (1923-1996), Mônica documenta e discute o comportamento da sociedade soteropolitana dos anos 1950. “Sofri preconceito na escola por ter pais separados. Só eu e mais uma colega tínhamos pais separados na escola naquela época”.

No artigo Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos dos arquivos pessoais, a historiadora Ângela Gomes define que até fotos caseiras, feitas despretensiosamente, podem ser documentos históricos – especialmente nos estudos da micro-história. Ela ainda escreve que quando se percebe as pessoas comuns como sujeitos históricos, os arquivos pessoais alcançam essa dimensão.

Mas, mesmo que hoje vivamos numa era em que os registros pessoais inundam o cotidiano, de acordo com Mônica, no passado fotografar era um privilégio das famílias endinheiradas. “Antigamente, não eram todos que podiam construir um acervo fotográfico porque as câmeras não eram tão acessíveis, e revelar as fotos não era barato. Posso dizer que ter álbuns e fotografar era uma arte de elite”, explica Mônica.

Entre os trabalhos que realiza na área estão as oficinas de cinema de arquivos, já feitas em São Paulo e Salvador. Nas aulas, os alunos são convidados a apresentar imagens de família, contar suas histórias e, ao final, produzir um minidocumentário. O resultado é sempre diverso, mas há um sentimento comum que, normalmente, invade o ambiente: “Há lágrimas, descobertas pessoais, histórias tristes, histórias felizes. As pessoas sempre se impressionam com a emoção que sentem ao resgatar suas lembranças, guardam sensações que nem sabia que tinham”, comenta a artista.

Imagem ilustrativa da imagem Narrativas pessoais: conheça artistas que se voltam ao resgate da memória familiar
| Foto: Foto: Carolina Câmara
A artista visual Mônica Simões trabalha com arquivos pessoais há quase 20 anos. Foto: Carolina Câmara

A professora de língua portuguesa Fátima Santiago chegou ao curso com um objetivo: entender a didática e reproduzi-la com os alunos do primeiro ano do ensino médio do Instituto Federal da Bahia. Depois de trabalhar com literatura popular e transcrever histórias que só existiam na oralidade, Fátima tem mostrado aos estudantes a importância de preservar a memória – não apenas a familiar, mas a da comunidade onde vivem.

Os minidocumentários já estão em fase de produção, com data de entrega para o início de agosto. “É engraçado que são poucos que têm fotografias reveladas, a maioria só tem as digitais. O filme, o rolo, permanece, mas e o digital? Se o computador quebra ou roubam o celular, perde-se tudo”. A vontade de tratar de narrativas pessoais vem de uma percepção que a tem perturbado ultimamente: “O Brasil é um país sem memória, não é?”.

Permanecer

Arquivos de pessoas como Jorge Amado, Thales de Azevedo, Miguel Calmon e Ruy Barbosa, explica Zeny Duarte, pesquisadora do curso de arquivologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), são de interesse público, arquivos históricos que guardam a memória da cidade e, por isso, documentos de interesse público. “Esses arquivos são chamados de permanentes, porque já nascem históricos, são fontes de pesquisa e devem ser públicos para toda a população”, comenta a autora do livro O espólio incomensurável de Godofredo Filho: resgate da memória e estudo arquivístico, publicado em 2005 pela Edufba.

Mas ainda há uma problemática que precisa ser superada pela arquivologia: muitas vezes, arquivos pessoais permanentes são espalhados, danificados e até perdidos pelas famílias. “Esses documentos, com todo esse peso cultural, deveriam ser de livre acesso, organizados e preservados por profissionais. É preciso que haja consciência e cuidado entre a população”.

Para Zeny, o Brasil começou tarde o resgate por esse tipo de documento. “Não conhecíamos a arquivologia como área de estudo. Não existiam iniciativas em formar profissionais nas universidades. Havia uma resistência das áreas correlatas, como a história e a biblioteconomia, que acredito que temiam perder o espaço para os arquivologistas”, diz a pesquisadora. O curso de graduação em arquivologia da Ufba, por exemplo, só foi criado na década de 1998.

Histórias compartilhadas

Foi o processo de divórcio dos pais que levou o fotógrafo Adriano Machado, em 2014, a revisitar os antigos álbuns da família. A vontade era a de se reconectar – e, até certo ponto, fazer as pazes – com a própria história, redescobrir o que se escondia na vida ao seu entorno.

“Na minha cabeça ficou tudo um pouco confuso, queria que os meus pais permanecessem conectados dentro de mim. Comecei a investigar o álbum de casamento deles, entender onde tudo começou e como terminou”, revela.

Imagem ilustrativa da imagem Narrativas pessoais: conheça artistas que se voltam ao resgate da memória familiar
| Foto: Adriano Machado / Divulgação
O artista convida as primas para serem modelos de suas fotos. Foto: Adriano Machado / Divulgação

Esse primeiro contato com as lembranças da infância o levou mais longe. “Percebi que a minha história familiar vem de muito antes dos meus pais. Quando fui atrás disso, conheci as lembranças das minhas avós. Uma delas está viva e, para me aproximar da que já morreu, ouço as memórias da minha tia”.

Diferentemente de Mônica, Adriano não reedita o arquivo diretamente, usa-os como inspiração para as suas recriações fotográficas. Muitos elementos, os ditos e os não ditos, são reutilizados: nas fotos, ele relê o mosquiteiro, tão comum nos lares de Feira de Santana no passado, como um véu. Poses, tecidos, lenços e roupas das memórias das suas ancestrais também aparecem nas imagens, assim como sensações e antigos comportamentos. “Eu observo tudo: se ela conta uma história triste, chora, levo esse sentimento depois para o meu trabalho. Até o que não é dito, os silêncios, me ajudam a compor aquela realidade”.

Na ânsia de redesenhar afetivamente a própria árvore genealógica, Machado encontrou uma memória compartilhada não apenas pelos familiares, mas pela comunidade onde nasceu e cresceu. “Percebi que esse resgate é a de uma memória coletiva, de uma população baiana, negra. São esses territórios étnicos que eu frequento na minha fotografia. A história da minha família é a de muitas pessoas, geralmente excluídas das narrativas tradicionais. Todas essas vozes precisam ser ouvidas”.

Em grande parte das imagens, os modelos são primos do artista, o que, para ele, reforça essas ressignificações do passado. Entre as tantas fronteiras superadas pela força de se revisitar, Adriano Machado sublinha talvez a mais importante, que envolve todo esse trabalho: “As memórias das pessoas, as histórias contadas nas ruas, guardam o nosso tempo. A relação entre a vida e a morte se desfaz”.

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