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Nascida na Pérsia há 175 anos, fé bahá’í tem mais de 400 seguidores na Bahia

Por Alessandra Oliveira

26/08/2019 - 10:25 h | Atualizada em 26/08/2019 - 10:46
Os membros da religião se encontram na sede regional da fé Bahá’í no Nordeste, em São Cristóvão, e nas casas dos seguidores
Os membros da religião se encontram na sede regional da fé Bahá’í no Nordeste, em São Cristóvão, e nas casas dos seguidores -

Há cem anos e sete dias, a jornalista estadunidense Martha Root tornou-se a primeira bahá’í [em português, “seguidor da glória”] a pisar em Salvador, como parte de uma viagem para espalhar a fé pela América Latina. Há um ano e meio, Renan Santos, 16, ia de casa para a escola, no bairro de São Cristóvão, quando resolveu ajudar pela primeira vez uma senhora que costumeiramente via carregando sacolas pesadas no caminho. “Fiquei com aquilo na cabeça. No final do dia, quando fui fazer minha oração, percebi: realmente, eu mudei aqui no grupo de estudos bahá’í”, conta surpreso. Desde a chegada de Martha até o primeiro ato altruísta de Renan, mais de 400 pessoas em Salvador e Lauro de Freitas se converteram à fé oriental que nasceu em 1844, na Pérsia (atual Irã).

Presentes em mais de 180 países, os seguidores dessa religião consideram Bahá’u’lláh [“Glória de Deus”] como manifestante de um único Deus, tal qual Abraão, Krishna, Zoroastro, Moisés, Buda e Jesus Cristo. Bahá’u’lláh assim se denominou 13 anos após a morte de Siyyid ‘Alí-Muhammad, O Báb [“A Porta”], que foi perseguido e morto após fundar a fé, e cujo bicentenário de nascimento será em outubro.

Com base em uma perspectiva de revelação progressiva, os bahá’ís acreditam que os enviados de Deus trazem, paulatinamente, à humanidade ensinamentos adequados aos seus contextos histórico e cultural. No caso de Bahá’u’lláh, os ensinamentos principais são: unicidade da humanidade, igualdade entre gêneros, combate aos preconceitos e harmonia entre ciência e religião. Uma vez que se toma conhecimento deles, é preciso passá-los adiante, assim como fez Martha.

Com a expansão da comunidade religiosa, foi criado um programa educacional público, composto por três etapas. Os pequenos de 5 a 11 anos fazem a Aula de Criança, onde aprendem virtudes como amor, respeito e caridade. Os pré-jovens, de 12 a 15 anos, participam de encontros de empoderamento espiritual.

Para quem já debutou, membro ou não da religião, é possível se tornar um promotor dos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Para isso, há grupos de estudo semanais, como o que Renan frequenta na sede regional da fé Bahá’í no Nordeste, em São Cristóvão. “Antes, eu só tinha noção de mim, do que eu fazia. Desenvolvi a habilidade de ver o mundo com outros olhares e sou uma pessoa melhor”, diz o jovem, que hoje ajuda a senhora das sacolas sempre que a vê.

Renan está no sétimo e último livro do primeiro ciclo de estudos, ao final do qual os participantes são considerados aptos a desenvolver serviços para a comunidade, como ser tutor da Aula de Criança. O modelo de ensino foi criado na Colômbia há 30 anos e chegou a outros países nos anos 2000. O Instituto Ruhí [“do espírito”] é o responsável pela produção do material ou, como diz Sarah Müller, 23, pelas “ferramentas para colocar os ensinamentos de Bahá’u’lláh em prática”.

Sarah é coordenadora regional do instituto e uma das tutoras do grupo de Renan e das amigas Aiane Ferreira, 16, Carolina dos Santos, 19, e Gabriela Gomes, 17. Nos encontros, que duram de uma a duas horas, o clima é de acolhimento. Sentados em círculo, todos têm vez e voz. “Somos como recipientes. Na escola, o professor vê a gente como um recipiente vazio, em que ele vai só jogando informação. Aqui, a gente percebe que todo mundo tem capacidade. Ninguém vai olhar seu livro e dizer ‘ó, tá errado aqui’”, conta Aiane. Ela destaca, ainda, que é permitido ir aos encontros com “roupa confortável e não precisa usar determinado corte de cabelo”.

Leis e costumes

Enquanto algumas escolhas individuais são preservadas, a fé estabelece leis para aqueles que se declaram bahá’í após os 15 anos, considerado por eles o ano da maturidade. As regras estão descritas no livro Kitáb-i-Aqdas – obra mais importante dentre as mais de cem escritas por Bahá’u’lláh durante os cerca de 40 anos que passou em exílios e prisões. Boa parte das escrituras está disponível no site da editora Bahá’í Brasil.

A obrigação mais simples é a prática de oração diária, em que se pode escolher dentre as curtas, médias e longas. Em todas elas é preciso se posicionar em direção ao Qiblih, santuário onde Bahá’u’lláh está enterrado, em Israel. No Brasil, a direção corresponde ao leste. Mas para quem não é muito bom de geografia, existem até aplicativos que apontam para o local.

Outra lei cotidiana é a proibição do consumo de álcool e drogas. “Não pode porque não faz bem ao corpo. Somos seres dotados de inteligência. Mas como estamos usando nosso bom senso? Como somos dignos do nosso corpo?”, diz Sarah Müller, para quem todas as imposições bahá’ís têm razão de ser.

A estudante de zootecnia, cujos pais trouxeram a fé de Luxemburgo, nasceu e cresceu participando das atividades religiosas. Foi em uma delas que conheceu o marido Wesley, com quem se casou conforme as diretrizes bahá’í. Nas escrituras sagradas, o casamento é permitido apenas entre homens e mulheres maiores de 15 anos, na presença de duas testemunhas e de um membro da assembleia do local onde estão. Hoje são aceitos também casamentos entre transexuais.

O transcorrer da cerimônia não tem grandes segredos, mas há uma exigência intransponível: os casais precisam do consentimento dos pais biológicos. A lei não alivia nem para casos de adoção ou lugares como o Brasil, onde milhões de mães criam os filhos sozinhas. “O pai que te colocou na vida, querendo ou não, é responsável por você. Acho que é uma demonstração de respeito. É a questão também de que o casamento é a união de famílias”, justifica Sarah.

Calendário

As demais comemorações coletivas são orientadas por um calendário particular, formado por 19 meses de 19 dias cada. Os quatro ou cinco dias que faltam para completar as 365 ou 366 voltas ao redor do Sol correspondem ao final de fevereiro e são chamados de intercalares. Esse período, no qual os membros da comunidade se dedicam ainda mais à caridade, hospitalidade e desenvolvimento espiritual, antecede o último mês do ano bahá’í, que vai de 2 a 20 de março no nosso calendário gregoriano.

Nesses 19 dias anteriores ao Ano Novo – virada de 20 para 21 de março – os seguidores de Bahá’u’lláh fazem jejum entre o nascer e o pôr do sol. Ficam isentos mulheres grávidas ou menstruadas, os doentes, idosos e aqueles que trabalham sob o sol. “É difícil explicar para alguém o que você sente”, diz Gabriela Sampaio, 44, com os olhos cheios d’água. “É um momento em que me sinto mais conectada com Deus. É diferente, por exemplo, se eu quiser fazer jejum amanhã”.

Autodeclarada bahá’í há três anos, a médica conheceu a fé na escola dos filhos, em 2013, por indicação de outros pais. Colocou o casal de herdeiros na Aula de Criança e passou a frequentar as reuniões do Café com Fé, onde são debatidos temas da atualidade sob a luz dos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Desde então, Gabriela está sempre presente nos eventos mais importantes da religião, como a Festa dos 19 Dias, preferencialmente comemorada no primeiro dia de cada mês.

“Serve tanto para fortalecer os laços de amizade quanto para discutir questões administrativas, aprimorar e desenvolver as confraternizações”, explica. É nessas ocasiões que a comunidade pode doar, voluntariamente, para os fundos financeiros da fé – responsável por bancar gastos com eventos, manutenção de sedes e suporte para os membros em serviço voluntário.

Ao todo, nove dias são considerados sagrados no calendário bahá’í. Dentre eles, os dias 21 e 29 de abril e 2 de maio, que compõem o festival do Ridván, local em Bagdá onde Bahá’u’lláh teria declarado sua missão como manifestante.

Unicidade e princípios

Eventos de grande porte, como o festival Ridván, costumam ocorrer na sede regional, criada há mais de 50 anos em São Cristóvão. O espaço, que é um sítio com vasta área verde e capacidade para cerca de 40 pessoas dormirem, abriga tanto conferências abertas ao público quanto as direcionadas a populações específicas, como as indígenas. Nesses eventos, vêm povos de todo o Nordeste, principalmente aqueles em que a fé é mais difundida, a exemplo dos Kiriri, do nordeste baiano, Fulni-ô, de Pernambuco, e Xucuru-Kariri e Kariri-Xocó, de Alagoas.

Fabiana dos Santos, 29, cresceu em Kiriri ouvindo falar de uma tal religião “barragem”, quando em 2014 entendeu que se tratava da fé bahá’í, cujo nome se alterou por um deslize de pronúncia. Antes de se converter em 2018, fez uma pesquisa informal com os idosos da comunidade e descobriu que a crença oriental havia chegado a seu território antes da igreja católica, que hoje impera. Mais precisamente na década de 60. Na aldeia, ela diz, toda criança é batizada.

A inspiração das histórias que escutou fez com que mudasse o curso de nutrição da Ufba para uma faculdade particular em Paripiranga, de forma que pudesse voltar a morar na aldeia e intermediasse as ações religiosas no local – todas consentidas pelas lideranças locais. “Eles amam muito. Fazem como um pedido de socorro porque veem a juventude nas aldeias deixando a cultura de lado. A juventude, hoje, tem tudo, acesso aos meios de comunicação, não precisam mais lutar por território. O alcoolismo, que sempre foi um problema, também está voltando a crescer”, relata.

A convivência com outras culturas faz parte do princípio central dos bahá’ís: a unidade na diversidade. Bahá’u’lláh teria dito em seus escritos: “A Terra é um só país e a humanidade seus cidadãos”. Assim sendo, seus seguidores acreditam que todas as religiões são verdadeiras, pois são interpretações dos ensinamentos de um só Deus.

“Na história, temos os princípios de integração e desintegração. A desintegração é a velha ordem ruindo, todas as coisas já falidas, como os sistemas econômicos, financeiros e políticos. Em paralelo, integração são as iniciativas colaborativas, pautadas em valores como a unidade da raça humana, e contrária a todos os preconceitos”, explica o estudante Kian Shaikhzadeh, 18 anos, todos vividos dentro da fé.

Considerando nosso sistema político falido, os bahá’ís criaram o seu próprio. Periodicamente, elegem os membros dos conselhos administrativos nos níveis local, regional e universal. Diferentemente das eleições tal qual conhecemos, “a comunidade toda deve ser uma”, diz Kian. Ou seja, não existem partidos, candidatos ou campanhas. Qualquer pessoa acima de 21 anos deve votar e pode ser eleita.

Ser eleito, ainda que de surpresa, é um privilégio, assim como o são todas as oportunidades de prestação de serviço em nome da fé. Os bahá’ís costumam cumprir tempos integrais de trabalho filantropo, geralmente, após completar o ensino médio, onde vão tutorar atividades e participar de ações sociais. “Salvação é movimento, é estar em um estado constante de aprendizagem, pondo coisas em prática”, explica Kian, que já fez diversos voluntariados.

Reuniões devocionais

Por meio da ação constante os bahá’ís acreditam desenvolver o tripé material, espiritual e intelectual. Nesse processo, também contam as reuniões mais íntimas, frequentemente realizadas na casa das próprias famílias, como a de Kian, primogênito de Faezeh Shaikhzadeh, 46, membro do conselho regional da religião. Abertos a quem quiser participar, os encontros devocionais “são pontos de luz”, diz a anfitriã Faezeh. “A ideia é que em cada lar em que existe um bahá'í, ou mesmo um lar onde não existe, exista esse ponto de luz”.

Filha de pais iranianos, vindos entre os pioneiros da religião no Brasil, a engenheira por formação cresceu na fé e repassou-a aos três filhos. De 2001 a 2005, ela e a família moraram em Israel, onde fica o Centro Mundial Bahá’í. Lá é um dos poucos locais do mundo onde é permitido ver o retrato sagrado de Bahá’u’lláh.

No que diz respeito a imagens, nenhuma delas pode ser adorada, mas permite-se a exibição da de ‘Abdu’l-Bahá, filho e sucessor de Bahá’u’lláh. Exemplo de vida para todo bahá’í, ‘Abdu’l se dedicava integralmente à caridade.

Sua imagem está em um porta-retrato na sala da casa de Faezeh, onde ela recebeu seus amigos de fé em oração acompanhada pela Muito. ‘Abdu’l compunha o círculo de pessoas que oravam e cantavam em coro. De todas as canções, a mais alegre e fortemente entoada por todos diz: “Quando alguém te perguntar o que significa ser bahá’í, você deve responder: ser bahá’í significa amar a todos, amar a humanidade, trabalhar pelo bem e pela fraternidade universal”.

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