POESIA
Nílson Galvão lança novo livro no dia 8 de junho
Poeta baiano fala sobre inspiração para "O Inquilino das Horas"
Por Gilson Jorge
Há cinco anos, Gaudêncio Gaudério, dono de uma editora de livros artesanais no Rio Grande do Sul, troca ideias com um amigo baiano, o jornalista e escritor Marcus Gusmão, dono da editora Licuri.
Ambos compartilham o amor pela literatura cartonera, uma técnica que utiliza capas de papelão e costura manual dos livros. O movimento cartonero surgiu em 2003, na Argentina em crise econômica, e ganhou adeptos na América Latina.
Pouco antes do início da pandemia, Gusmão presenteou o colega dos Pampas com uma obra que estava encadernando naquele momento, #nibrotas, livro de poemas do seu amigo e vizinho Nílson Galvão, que conheceu Gaudério em um encontro virtual entre cartoneros.
Nílson costuma brincar que Brotas é um país que faz fronteira com a capital baiana. E esse livro é uma ode às peculiaridades de um dos maiores bairros de Salvador, como os cortiços da Avenida Dom João VI, e a indiferença ao Ba-Vi entre os pacientes do Hospital Aristides Maltez, que causou entusiasmo no leitor gaúcho.
"Devo dizer que, para mim, foi uma grata surpresa descobrir uma voz poética tão amadurecida e original, sobretudo numa época em que parece haver uma espécie de democratização da palavra escrita, e, ao mesmo tempo, curioso paradoxo, um claro movimento a aceitar que qualquer versificação atual deve ser aceita como poesia", afirma Gaudério Gaudêncio, pseudônimo de Fernando Villarraga Eslava, doutor em teoria literária pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
#nibrotas foi incluído na exposição O universo dos livros cartoneros, organizada por Gaudério, e que está atualmente em sua 24ª edição, sempre entre cidades de Portugal e Espanha.
O interesse pela escrita de Nílson rendeu ainda um convite para que o poeta baiano publicasse também pelo selo de Gaudério, Vento Norte Cartonero, que lançou dois livros do baiano, Doce azedo e Versos búdicos, este último também presente na exposição ibérica.
O passar do tempo
No próximo dia 8, o poeta lança o inquilino das horas, editado pela Villa Olívia. Um trabalho que levou dois anos para ser concluído e que trata de como lidar com o passar do tempo, com as pressas e demandas.
Nílson, um caetiteense de longos cabelos grisalhos, fala suave e 1,81 metro de altura, vindo do trabalho como assessor de imprensa, se move tranquilamente entre as estantes da Livraria Leitura, no Salvador Shopping, à procura da equipe de reportagem, em uma segunda-feira. É meio-dia e meia, aproximadamente, e é preciso usar parte do seu horário de almoço para falar de poesia.
Ele escreve desde a adolescência, mas nem sempre esteve convencido de que um dia publicaria um livro. Aos 21 anos, fez uma pilha com seus cadernos de poesia no quintal da casa de sua família, em Brumado, e tocou fogo. "Eu estava terminando a faculdade e achei que os textos não eram tão bons, que não levariam a lugar algum", disse o poeta.
Casualmente, encontrou outro dia um caderno que escapou à fogueira, da qual se arrepende. "Lembro vagamente de coisas que talvez não fossem ok para publicar, mas que eu gostava", lamenta Nílson, que voltaria a escrever poemas, mas sem mostrar às outras pessoas, como fazia quando era universitário, nem mesmo à namorada da juventude, com quem se casaria.
Blag
No final da década de 2000, com a explosão do site Blogspot, Marcus Gusmão criou o blog de crônicas Licuri, despertando em Nílson a vontade de escrever em um espaço público. Assim surgiu o Blag, seu espaço online para escrever poemas. Com as novas possibilidades tecnológicas, o escritor optou por não colocar na rede o que tinha guardado, mas produzir a partir do novo ambiente que surgia.
"A era dos blogs era diferente em relação às redes sociais, pois não havia o algoritmo para ficar gerenciando os nossos afetos e nem criando rinhas de galos", declara o escritor, que lembra de poder divergir politicamente online sem que a conversa descambasse para o ódio.
E, ao mesmo tempo, o tema central das conversas era a arte. Foi o período em que se aproximou de nomes como a poeta Kátia Borges e a escritora e fotógrafa Maria Sampaio, que morreu em 2010, o médico e escritor Bernardo Guimarães e a professora, contista e poeta Angela Vilma, que mantinha sob pseudônimo o blog Argonauta. Textos desse blog seriam publicados depois em livro homônimo pela editora Mondrongo.
O primeiro livro de Nílson, publicado em 2009, veio sem ser planejado. Maria Sampaio foi convidada pela editora P55 a participar da coleção Cartas Baianas que, por política editorial, lança dois títulos simultaneamente. Por indicação de Maria, a P55 decidiu publicar Caixa preta, de Nílson.
Gaudério acrescenta que ao se deparar com a poesia de Nílson Galvão o que a sua chamou a atenção foi a capacidade de deslocar o leitor da chamada zona de conforto.
"A sua obra não se dirige a confirmar o que está no mundo, mas a entregar uma imagem do mesmo que não é familiar e se torna bem sugestiva por sua riqueza como construção verbal", declara.
Para o editor gaúcho, quando o leitor mergulha nos poemas de Nílson é convidado a entrar em um lugar de "aparência calma", mas ao recorrer os versos enfrenta uma sintaxe que logo fragmenta a frase ou a oração, o que, segundo ele, gera no plano formal um ritmo irregular. "E creio que por tal via é que seus sujeitos líricos vão desvendado o que nosso olhar corriqueiro e automatizado não consegue enxergar na vida", afirma Gaudério.
O editor gaúcho define Nilson como um poeta de ofício. "Ele não entra na onda comum das promoções do ego, tão características da cultura narcisista em que vivemos", afirma Gaudério, ressaltando que Nilson não participa de jogos da autopromoção pessoal e de articulações para conquistar figurações públicas. Só poesia.
Serviço:
Lançamento do livro o inquilino das horas: Dia 8 de junho, das 15h às 18h30, Cervejaria ArtMalte – Rua Feira de Santana, 354 (Rio Vermelho)
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