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"Nós estamos marchando para o caos"

Carla Bittencourt

Por Carla Bittencourt

19/12/2016 - 11:11 h | Atualizada em 19/12/2016 - 14:23
Ex-secretário da Fazenda de Lídice da Mata, o economista Antônio Ribeiro é um defensor da PEC 241
Ex-secretário da Fazenda de Lídice da Mata, o economista Antônio Ribeiro é um defensor da PEC 241 -

O Supremo Tribunal Federal ainda estava reunido para decidir manter Renan Calheiros (PMDB-AL) como representante máximo do Senado e afastá-lo da linha sucessória da presidência da República quando o administrador Antônio Ribeiro recebeu a reportagem de Muito para esta entrevista, na tarde de quarta-feira, 7 de dezembro. A PEC 241, rebatizada de PEC 55, é apontada por analistas políticos como instrumento de barganha do senador para manter-se no poder. Na opinião de Ribeiro, especialista em governança, finanças e administração pública, o fato é irrelevante. O ex-secretário da Fazenda de Lídice da Mata, que atualmente atua como consultor e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), reforça que importante mesmo era que a proposta de emenda constitucional seguisse o cronograma e fosse votada no dia 13 e promulgada no dia 15 [depois do fechamento desta edição]. Conhecida como PEC do teto, mas também como PEC do fim do mundo, a proposta que altera a Constituição para estabelecer um limite de gastos públicos divide opiniões. Para Ribeiro, é algo que se impõe com urgência, dada a crise financeira em que o Brasil se encontra. O professor considera que as críticas à PEC “atendem mais a uma agenda partidária de oposição do que a uma análise honesta do que está em jogo”. E aponta: “A questão orçamentária tem menos a ver com o montante de recursos do que com a incompetência administrativa e o desvio de verbas”. Na segunda-feira, dia 12, voltamos a falar com o professor sobre as delações da Odebrecht que citam a cúpula do governo. Ele afirma que isso não tira a legitimidade da PEC, mas reconhece que haverá sacrifício para o trabalhador.

O Estado brasileiro corre real risco de falência?

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Corre. Se nada for feito, nós estamos marchando para o caos. A situação é, de fato, insustentável. Nós temos uma dívida pública que saiu de 1,7 trilhão de reais em 2010 para 3 trilhões em 2016. O superávit primário, que é uma economia que se faz para pagar os juros dessa dívida, não existe mais. De superávit em 2010 passamos a ter déficit em 2015. Nós não temos mais condições de pagar os juros com base no orçamento anual. Isso significa que é rumo à moratória. E o país já assistiu a isso e viu o quanto é complicado viver numa moratória. Principalmente porque não entra um tostão de fora. Ninguém vai querer investir em um país falido. A situação exige de fato providências.

É possível adotar outras medidas que não apenas as de austeridade para que o cenário econômico volte a ser de crescimento?

É até possível adotar outras medidas, mas reverter contas públicas desfavoráveis requer austeridade. Sem isso não temos como pensar em crescimento econômico, em competitividade da economia, em novos investimentos, em evitar a falência dos serviços públicos, o atraso no pagamento de pessoal – o que em alguns estados já está acontecendo, inclusive – e, sobretudo, um colapso completo da economia.

Há quem afirme que o senador Renan Calheiros usou a PEC como instrumento para se manter na presidência do Senado. O que o senhor acha?

Isso não dependia do governo, mas do Supremo. Se ele usou a PEC para ficar ou não, é irrelevante. O que importa é que esse ponto seja colocado em votação. Por ele ou por quem quer que o substituísse.

As PECs foram previstas para ser alterações menores na lei, por isso podem ser aprovadas por apenas 3/5 dos deputados federais e dos senadores. A PEC 55, entretanto, será uma das maiores modificações na Constituição, desde que foi promulgada, em 1988. O que podemos inferir disso?

Que a Constituição precisa ser aperfeiçoada. Todas as leis precisam, com o tempo. Nossa Constituição foi bem-intencionada, era um momento de euforia democrática e de vitória na política partidária, nos meios sindicais, nas associações de classe, mas o aperfeiçoamento é necessário. Tantas vezes quanto preciso.

Um dos principais argumentos contra a PEC é que o congelamento dos gastos sociais nas próximas duas décadas afetará, essencialmente, as camadas mais pobres da população, que são as que utilizam o serviço público de saúde, educação e seguridade social. Que análise o senhor faz disso?

Primeiro, eu não estou seguro de que isso vai acontecer. A saúde e a educação tiveram um tratamento diferenciado na PEC. Nada vai acontecer em 2017, além do que está previsto na Constituição. Só a partir de 2018 é que educação e saúde terão o mesmo tratamento das outras funções de governo. Afirmar que a PEC vai afetá-las é falso. Veja, de 2010 a 2015, a educação teve um incremento de 27 bilhões de reais. Isso significa 76% de aumento. E, no entanto, a educação continua nos envergonhando comparativamente a outros países. A saúde teve 46 bilhões a mais de 2010 a 2015. No entanto, os hospitais públicos hoje no país parecem casas de horrores. Então, a questão central para mim não é ter mais recursos, mas saber administrá-los. O Brasil é o país do desperdício e da corrupção. Hoje, o que existe de novo na administração pública é o esforço que deve ser feito para se gastar bem e ter controles que impeçam esse desvio de recursos no montante a que estamos assistindo. Se os recursos vão ser limitados, vamos precisar estabelecer prioridades. Eu vou gastar com estádio de futebol ou com hospital? Vou ficar contratando consultorias milionárias ou aplicar para médicos e enfermeiros? Acabou essa história de sair gastando sem controle. É má gestão o que vemos. Do orçamento do Ministério da Saúde, em 2015, apenas 81% dos recursos foram empenhados. Destes, só 74% foram pagos. No da educação também foram 81% empenhados e só 56% pagos. Então isso de mais recurso esconde uma falta de preocupação em gerir bem o que se tem.

Mas a demanda não será outra? O recurso estará congelado e a população vai continuar crescendo e envelhecendo. Não existe, em outros governos do mundo prazo tão extenso para políticas fiscais. Há quem considere que isso colocaria o Brasil num piloto automático da gestão orçamentária.

Aparentemente, é um prazo longo. Agora, nada impede que, havendo a necessidade de alteração, o mesmo parlamento possa realizá-la. Basta ter quórum. Se a economia voltar a crescer, vamos ter recursos abundantes, e isso muda tudo. O que não se pode é gastar o que não se tem. Por que nós chegamos aonde chegamos? Nos últimos 18 anos, as despesas da União cresceram 900%. Sabe qual foi a inflação do período? 306%. Praticamente o triplo. Entre 2010 e 2015, as receitas orçamentárias cresceram 35,9% e as despesas, 62,4%. Quase o dobro. Como é que pode? Se você não tem dinheiro, não tem como aumentar a despesa? O resultado primário, que é importante para pagar o juros da dívida pública, saiu de uma posição superavitária de 78 bilhões de reais para uma deficitária de 116 bilhões. O déficit total do país passou de 46 bilhões para 503,9 bilhões. Os gastos com a previdência estouraram. Se você retirar o pagamento dos juros da dívida, a previdência responde por 40% dos gastos orçamentários.

Muito tem se discutido o congelamento do orçamento para as áreas de saúde e educação, mas há outras áreas, como segurança pública, meio ambiente e pesquisa científica que seriam ainda mais sacrificadas com a aprovação da PEC. Qual o impacto disso para a sociedade brasileira?

Mensurar isso é muito difícil. Mas preciso dizer: não se resolve esse problema sem dores. Quero que alguém apresente uma forma de sairmos do buraco em que nos meteram sem algum impacto para a sociedade. Agora, esse impacto não vai ter a dimensão que estão fantasiando, particularmente em relação à saúde e à educação. Se nós começarmos a gastar bem, e a realidade vai forçar a isso, é possível que a gente melhore. Vai depender dos gestores.

Falando em sacrifícios, a PEC vai congelar todos os gastos primários do orçamento da União, que é tudo o que o governo gasta, exceto a chamada dívida pública. Não seria o caso de incluir os juros da dívida pagos pelos bancos nesta alteração?

Quem falou isso não entende nada de dívida pública! Dívida pública não é uma dívida que você tem com o banco. Se os bancos são grandes detentores dos títulos do tesouro, isso é uma coisa. Mas a sociedade brasileira hoje, de forma generalizada, é credora do governo federal. A dívida pública está com a gente. Tem os maiores portadores de títulos do tesouro em fundos de investimentos, o tesouro direto, que a gente compra pelo computador, tem investidores estrangeiros, fundos de pensão. Então, quem acha que dívida pública é dívida com o banco precisa pensar melhor.

Esqueçamos os bancos e nos concentremos na dívida. O pagamento da dívida, que compromete 40% do orçamento, não pode ser incluído na PEC?

Você não pode tratar a dívida dessa forma. Isso seria um calote, uma moratória disfarçada. O que se pode fazer, no decorrer do tempo, e eu torço para que isso aconteça, é limitar o orçamento público brasileiro, reestruturar isso...

Já existe uma proposta que tramita em regime de urgência no Senado de adotar um limite para a dívida da União. Essa não seria uma saída?

Pode ser, mas separadamente. Não aí no meio da PEC. Eu acho que o Brasil poderia começar a pensar nos mecanismos de reestruturar a dívida. Mas falar isso é complicado. Se hoje sair no Jornal Nacional “reestruturação da dívida”, os investidores estrangeiros abandonam o Brasil definitivamente. Isso é muito delicado.

Das oito sanções previstas no texto final da PEC, o governo determinou que, em caso de descumprimento do teto, despesas obrigatórias não poderão sofrer reajuste. Esse dispositivo abrange também o salário mínimo, que, pela Constituição, porém, não pode ter perdas reais. Que avaliação o senhor faz?

Não pode hoje, mas, depois da PEC, vai poder. Porque a PEC é uma emenda constitucional. Então, esse dispositivo passa a entrar em vigor em detrimento de outros. Qual o cenário de perda do salário mínimo? No caso do descumprimento do limite. Agora, veja este exemplo. Eu tenho uma carreira no Estado que deve ser alterada. Isso já foi publicado no Diário Oficial, estou passando para um novo nível e o governo do estado não pagou, porque, senão, vai colidir com a lei de responsabilidade fiscal. O governo já está fazendo isso sem precisar de PEC.

Então, o salário mínimo vai ser sacrificado?

Apenas se houver descumprimento. Aí é o que a lei determina. Não tem mágica para fazer.

Lamentável para o trabalhador.

Mas é. O trabalhador sempre paga a conta. Agora, é preciso deixar claro que a situação a que nós chegamos é fruto de governos desastrados. Como acham que a gente pode sair dessa? Com poesia? Com discurso? Não. Com medidas que, infelizmente, são necessárias.

O governo diz que a reforma da previdência, que deve acontecer também como uma PEC, livrará o orçamento de uma série de amarras, o que garantirá o teto. Qual a chance de isso acontecer?

Houve uma reforma da previdência no governo de Fernando Henrique Cardoso, a primeira, que ficou pela metade. A reforma aprovada não foi aquela que foi para o Congresso. Porque os mesmos que hoje estão contra essa PEC, na época, foram contra a reforma da previdência e exigiram emendas tais que ela saiu de lá cambaleante. Resultado: o déficit continuou crescendo. Lula da Silva assumiu o governo e, mesmo tendo criticado FHC, foi forçado a fazer uma reforma que também não foi a adequada. E aí chegou aonde chegou. Ou faz essa reforma ou daqui dez anos não vai ter dinheiro para pagar o servidor, o aposentado e o pensionista. Agora, se você me perguntar sobre o teor dessa reforma, acho desagradável. Tem uns dispositivos muito leoninos. A questão dos 49 anos para ter a integralidade, isso é muito perverso.

A PEC tem serventia sem reforma na previdência?

A PEC resolve uma parte, mas não resolve a crise. Sem a previdência, não. Porque o déficit da previdência é muito grande, impacta o orçamento do governo. Essa que está sendo proposta é injusta, mas pode ser aperfeiçoada.

Já que está se propondo alterar o mecanismo que afeta o orçamento do país, por que não mexer também no sistema tributário e passar a taxar lucros e dividendos e as grandes fortunas?

O Brasil precisa de uma reforma tributária, mas achar que taxar fortuna vai resolver, não vai. Deve ser feito? Deve. Mas não resolve o problema da receita. Na França, em vez de ajudar, atrapalhou. As pessoas saíram do país. O maior exemplo é o de Depardieu [o ator Gérard Depardieu], porque é o mais famoso. Ele simplesmente foi embora e a França perdeu aquela receita. Isso já está acontecendo no Brasil. As pessoas estão indo para Portugal, que dá incentivo. Eu acho ótima a ideia de se taxar grandes fortunas, só vamos analisar qual o impacto disso. É preciso fazer uma reforma tributária, mas, sempre que se fala disso, há uma briga grande entre estados, união e município. Todo mundo querendo dinheiro, a reforma nunca avança.

O Brasil poderia submeter a PEC 55 a um referendo, como estão propondo políticos da oposição?

Vejo um pouco de democratismo nisso. Até porque, quanto tempo demandaria explicar para toda a sociedade brasileira cada item dessa PEC? Acho que não é o caso. Na Suécia e na Suíça, sempre que tem eleições, eles pegam todos os temas pendentes na sociedade e submetem a um referendo. Aproveitam aquele momento das eleições e isso tem poder deliberativo.

Mais de 1.100 instituições de ensino no país, entre escolas e universidades, estão ocupadas desde outubro, por estudantes que são contra a aprovação da PEC. Como o senhor vê esses protestos?

Em uma democracia, você tem que se acostumar com todo tipo de protesto. Mas muitos dos que estão protestando nunca leram a PEC. A situação da Uefs hoje é inacreditável. Está ocupada há 40 dias. Começaram com a história da PEC. É uma ocupação diferente de todas as outras. Parte de quem está ocupando não pertence à universidade. Eles fizeram uma comissão que está administrando tudo, só entra quem eles querem. Sabe qual foi a pauta dessa semana com o reitor? Cota para transexuais, reajuste das bolsas pela inflação, direito de acumular bolsas, redução da carga horária das bolsas, liberação do campus para festas. Tudo legítimo, mas em nenhum momento se falou sobre PEC. É complicado.

Não é incongruente que, em meio a uma crise econômica, o governo gaste R$ 41,9 mil realizando jantares para mobilizar deputados e senadores a aprovarem a proposta do teto de gastos públicos?

Se gastou, é condenável. Você não pode estar falando em crise e em economia de recursos tendo essa postura.

A delação premiada do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho cita essencialmente o PMDB. Que credibilidade o senhor acredita que tem o governo para propor a PEC 55?

A credibilidade existe por dispositivos constitucionais. A perda do apoio da opinião pública não significa que projetos de interesse do país tenham que ser parados. O presidente é legalmente constituído. Se for provado que ele cometeu crime, pode sofrer impeachment. Mas a PEC é uma necessidade do país. E sua aprovação acontece pelos representantes legalmente constituídos pela sociedade. Há muita coisa no Congresso Nacional que eu não gosto. Mas não posso dizer que ele não tenha legitimidade.

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