MUITO
Novo em folha
Por Ronaldo Jacobina

Há cerca de três anos, uma senhora de 80 anos, na maior boa vontade do mundo, resolveu, por conta própria, restaurar uma pintura do século 19 que estava na Igreja da cidade espanhola de Borja. A obra, atribuída ao pintor Elias Garcia Martinez, ficou totalmente descaracterizada, e a história da bondosa senhorinha virou piada. Sensível e delicado, o trabalho de restauração requer habilidade manual e o conhecimento teórico e prático de materiais e técnicas. Perfil que a bem-intencionada senhora não tinha. Para tudo, ou quase tudo, tem jeito. Mas é preciso escolher bem o profissional que vai devolver o frescor àquela joia antiga, o brilho da prataria que se perdeu, as cores da tela esmaecida ou a delicadeza daquela peça de cristal ou porcelana. Pensando nos leitores, Muito garimpou os melhores restauradores para fazer este pequeno, porém valioso, guia de serviços, que, com certeza, vai ajudá-lo a dar vida nova a suas peças. Gente como a restauradora Claudia Guanais, que há mais de 20 anos se dedica à recuperação de imagens sacras e telas, e Helena Montalvão, que, aos 81 anos, se mantém firme no batente, restaurando lustres, com a habilidade de quem conhece o ofício há quase 60 anos. No roteiro a seguir, apresentamos os especialistas nestas e em muitas outras áreas. De faianças a terracota, de joias a porcelanas, de cúpulas de abajur a mobiliário antigo, e por aí vai.
Imagens sacras, esculturas & telas Claudia Guanais, 53 anos
Recém-chegada de uma temporada em Florença, na Itália, onde foi estudar novas técnicas de reintegração cromática, Claudia teve o primeiro contato com o restauro em 1992. Encantou-se com a delicadeza do trabalho a ponto de abandonar a carreira de assistente social para estudar na Escola de Belas Artes. Mestre em artes visuais, cuja pesquisa dedicou à policromia da arte sacra, a restauradora coordena o departamento de restauro do Museu de Arte Sacra da Bahia e tem, no currículo, passagens por igrejas históricas do estado, como a da Boa Viagem - onde integrou a equipe que restaurou o teto e o altar-mor - e a igreja de Riachão do Jacuípe, onde comandou a equipe de restauro da paróquia. Embora as obras sacras ocupem boa parte do seu tempo, as esculturas, inclusive de cerâmica, e telas a óleo, contemporâneas, também são sua especialidade. Para quem, durante 12 anos, integrou a equipe que restaurou o acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia, experiência é o que não lhe falta. Onde encontrar: 71 9975-2209
Porcelana Núbia dos Santos, 41 anos
Para Núbia dos Santos, 41, não importa o estrago, ela dá jeito em tudo. Dar jeito, bom que se diga, não significa remendar, mas restaurar, devolver à peça o esplendor original. Nascida em Salvador, Núbia, que hoje integra a equipe de restauradores do Museu de Arte Sacra, é especialista em pratos, estátuas, biscuits e outras delicadas peças. Há mais de uma década dedicada ao restauro, ela une teoria e prática. Formada em belas artes pela Ufba, ela conhece como poucos as técnicas dessa arte e se dedica à pesquisa de cada peça. "É preciso escolher os materiais, as tintas, as colas, os adesivos, antes de começar. Caso a peça seja antiga, costumo estudar a origem e a técnica usada na confecção para que possa devolvê-la original". A restauradora garante que praticamente todas as peças têm conserto, mas alerta que, no caso de utilitários, após a restauração, o objeto perde essa característica e passa a ser, apenas, decorativo. Nas suas habilidosas mãos, até os fragmentos perdidos são recuperados e a pintura original devolvida. Onde encontrar: 71 9208-3135
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Lustres & luminárias Helena Araújo Montalvão, 81 anos
Há 56 anos, a sergipana que migrou para a Bahia ainda adolescente para viver com os tios dedica-se à recuperação de lustres e luminárias. Diariamente, ela acorda às quatro da madrugada e, pacientemente, vai juntando peça por peça, enfiando uma linha aqui, um adereço acolá, ela vai dando vida às dezenas de peças que recebe diariamente no seu ateliê-residência, na Rua Rui Barbosa, no Centro Histórico. Despachada, não deixa um cliente voltar para casa sem resolver seu problema. "Dou jeito em tudo, para tudo há conserto". Sua habilidade para recuperar estas peças só não é maior que seu bom humor, características que fizeram dela uma daquelas personagens que encanta a todos. "Nunca vi ninguém xingar os outros com tanto carinho quanto ela", diz uma cliente contumaz. A habilidade foi desenvolvida por necessidade. O tio, que era dono de um antiquário, passou a empresa para ela em 1976, mas Helena não gostava muito de lidar com peças sacras e outras preciosidades. Achava arriscado. Percebeu a dificuldade da clientela de encontrar profissionais de restauro para seus lustres e pensou: "Se sei usar a agulha para bordar, também vou saber usá-la para ir 'costurando' essas peças de cristal dos lustres. E começou a desenvolver a habilidade. "Meu tio dizia que eu iria morrer de fome, estou viva até hoje", sorri acrescentando um palavrão com tanta naturalidade que na sua boca mais parece uma delicadeza. Com uma clientela que vai das famílias tradicionais baianas a políticos de renome, garante que só não gosta de trabalhar para os governantes. "Não gostam de pagar", diz. Mas se estes pagarem adiantado, faz de bom grado. Helena é daquelas figuras que ainda que você não precise de suas habilidades profissionais - que são incontestáveis - não pode deixar de conhecê-la. Seja pelo seu talento em lidar com a clientela, seja pela boa prosa. Onde encontrar: Rua Rui Barbosa, 47, Centro - 71 3266-0273
Joias & outras preciosidades José Carlos Barbosa de Souza (Zeca), 55 anos
Nas mãos habilidosas de Zeca, um broche ou um brinco quebrados podem virar anel. Uma corrente de ouro pode voltar a brilhar. Aquela joia antiga, herança de família, que estava perdida no fundo da gaveta, pode voltar a ter uso após uma restauração criteriosa. Embora tenha recorrido a alguns equipamentos modernos, seu trabalho continua sendo braçal. Ou melhor, artesanal. O ofício foi herdado do pai, que resolveu se aposentar e deixou-lhe o ateliê e a clientela, que, por sinal, só faz crescer. "Desde pequeno, vinha para cá ver meu pai trabalhar e gostava". Aos poucos, foi demonstrando habilidade para a ourivesaria. Ficava de olho nos modismos e criava peças em prata que vendia na escola. "Não sou um designer, mas às vezes, crio algumas coisas", diz. Nos anos 80, passou a fazer da restauração sua profissão. Para se aperfeiçoar, foi trabalhar na rede H. Stern, onde ficou 12 anos. Hoje, comanda o ateliê que foi do pai, batizado de Pratarte, e atende uma clientela exclusiva que vai de gente da alta sociedade a joalherias, como a própria H. Stern, e museus, como o Costa Pinto e o de Arte Sacra. Onde encontrar: Pratarte - Rua Gregório de Mattos, 11, Pelourinho - 71 3321-2910 / 71 8889-6517.
Cristais, espelhos e vidros Agmir Peixoto Passos, 81 anos
Mesmo quando trabalhava como professora, Agmir dava expediente no ateliê do marido, Enock Passos. "Ensinava de noite e cuidava da administração durante o dia". Após a morte do companheiro, há 20 anos, ela resolveu dar continuidade a seu ofício. Os tempos áureos ficaram para trás, mas ela se orgulha de ter construído seu patrimônio com o trabalho de lapidação de vidros e cristais, ofício aprendido por Enock no tempo em que trabalhou na extinta Fratelli Vita. A oficina, que já chegou a ter 17 lapidadores, hoje mantém apenas dois. Não por falta de demanda, mas por ausência de profissionais no mercado. Criativa, é Agmir que cria as peças que seguem para o processo de lapidação. Aos poucos, foi se encantando com os espelhos venezianos e resolveu recriá-los. O sucesso foi imediato. Hoje, parte significativa do faturamento vem deste segmento. "Trabalho sob encomenda, o que permite desenvolver o espelho sob medida". Mas é o restauro de peças de vidro e cristal o forte do serviço oferecido pelo ateliê. Onde encontrar: Onde encontrar: Rua Juracy Magalhães Jr., 27A, Rio Vermelho - 71 3335-2046
Mobiliário - antigo & contemporâneo Antônio Carlos, 49 anos
Foi lá no vilarejo de Cacha Pregos, na Ilha de Itaparica, que Antônio Carlos começou a aprender o ofício da marcenaria. Seus mestres, diz com orgulho, foram Geraldo Argil dos Santos e Mariano Alves Pereira, ambos mortos. "Aprendi tudo com eles", diz. Tudo, quer dizer tudo mesmo. De móveis em estilo manuelino a colonial brasileiro, o que vier ele traça. Na contramão dos atuais colegas que se especializaram nas linhas retas da contemporaneidade, ou melhor, da facilidade, Antônio Carlos escolheu o caminho mais difícil. Restaura e recria peças clássicas com uma habilidade que só quem conhece antiguidade poderia afirmar que se trata de uma réplica. Mas ele não engana ninguém. Ao contrário, tem orgulho de dizer que a peça foi produzida por ele, sozinho, no seu ateliê. O trabalho é demorado. Requer paciência e conhecimento, duas características que o artesão tem em demasia. Suas peças, feitas com madeiras que recolhe em demolições e até mesmo no lixo, não raro, vão parar em lojas de decoração de alto luxo. Mas não é esse seu foco. "Gosto de transformar, de devolver a originalidade da peça", garante. Dentre seus orgulhos está um arcaz feito a partir de um antigo guarda-roupa de jacarandá que desmanchou e que rende, até hoje, novos móveis. Aproveita tudo. Dos pequenos artefatos que decoram as peças à madeira propriamente dita. Sensível, diz que o melhor pagamento é ver a alegria do cliente diante de um móvel de família recuperado. Onde encontrar: Rua Rui Barbosa, 59, Centro - 71 3481 1659 / 71 9357-5667 / 71 8790-5289
Cúpulas para abajures e luminárias André Valverde, 42 anos
André tinha 12 anos quando começou a trabalhar com o pai na confecção e reforma de cúpulas. Em 1990, com a morte do mestre, decidiu dar continuidade ao ofício, assim como o fez seu irmão, Luís, também herdeiro do ofício. A habilidade o levou a construir uma carteira de clientes que inclui desde lojas de decoração a hotéis, pousadas e, claro, arquitetos e decoradores. Mas é o atendimento ao público em geral o seu carro-chefe. O ateliê fica na sua residência, no bairro do Garcia, onde transforma qualquer vaso ou outro objeto em abajur ou luminária. A delicadeza com que lida com as peças é a mesma com que atende o cliente, que chega até ele em busca de upgrade para uma peça de estimação, uma peça exclusiva ou mesmo uma outra que tenha sido destruída pelo tempo. "Eu confecciono a estrutura e faço o revestimento com o tecido, tornando a peça novinha em folha", promete. E cumpre. Como tem noção de decoração, ajuda o cliente a decidir sobre o tecido mais indicado e até mesmo a escolher o tom adequado à peça. O serviço não se restringe às cúpulas. Ele cuida da parte elétrica, da adaptação da peça e ainda oferece atendimento em domicílio. Pega a peça e a devolve, novinha em folha, na casa do cliente. Onde encontrar: Rua Dom Manuel I, nº 2, Garcia - 71 3332 4480 / 71 9998-8836 / 71 8719-7688
Prataria, cobre, níquel & outros metais Zaíra Thaty, 38 anos
Manter a prataria brilhando em regiões litorâneas não é tarefa fácil. De tempos em tempos, esses metais precisam de uma boa dose de química para ganharem o esplendor do passado. É aí que entra Zaíra, que deixou a carreira de administradora de empresas numa grande empresa para fazer as pessoas felizes, como costuma dizer. No ateliê que mantém em Lauro de Freitas, poucos são os clientes que a visitam. É que a própria costuma ir até o cliente resgatar as peças e as devolve, em suas casas, com brilho. Especializada na técnica brilhante de restauração eletrolítica, conhecimento adquirido na capital paulista, ela dá de brinde à fiel clientela lições de como manter as peças brilhando por mais tempo. A receita é simples. Após o banho de prata, deve-se lavá-las com sabão neutro e água, a cada 15 dias. O processo de restauro passa por diversas etapas. Primeiro, recebem um banho de cobre alcalino e ácido para, só depois, receber o banho de prata. "Isso garante uma durabilidade maior". Há mais de uma década no mercado, Zaíra não se arrepende da troca de profissão. A clientela agradece. Onde encontrar: Rua Ubaldo P. R. da Fonte, 200, Qd. 6, lote 25, galpão 9, Lauro de Freitas - 71 3492-7991 / 9245-2813
Estofados & poltronas Carlos Prata, 63 anos
Muitos dos estofados comercializados em lojas de alto padrão saíram da oficina de Prata. O estofador, que começou a trabalhar na área há quase cinco décadas, ainda é um dos mais requisitados da cidade. Hoje, resolveu enxugar o quadro de funcionários, desacelerar o ritmo e se concentrar no atendimento. Não que rejeite encomenda de lojistas, mas são as pessoas físicas que dominam sua carteira. Isso porque gosta de fazer, ele mesmo, a visita ao cliente. Na residência ou no endereço comercial. "Gosto desse cara a cara com o cliente. Ele fica mais seguro quando negocia com o próprio artesão", diz. Ao longo desse tempo perdeu as contas de quantos estofados fez em cadeiras, poltronas ou sofás. "Milhares", ri. Na carteira de clientes estão arquitetos e decoradores renomados, hotéis e resorts, clínicas e o público em geral. Habilidoso, calcula de olho a metragem de tecido, a estampa mais adequada e capricha no acabamento. São essas qualidades que o colocaram no topo, lugar onde deve permanecer por muitos e muitos anos. Isso porque, num mercado apinhado de armengueiros, ele prima pela qualidade e cumpre prazo. Raridades no seu métier. Onde encontrar: Colinas de Pituaçu, via B1, Boxe 17, São Rafael - 71 3393-2962
Terracota, faiança, louças e molduras Rubenir Barbosa Martins, 49 anos
Quando deixou Brasília para viver no interior de São Paulo, Rubinho (como é conhecido) descobriu o universo das antiguidades e apaixonou-se. "Era menino, ia aos museus, antiquários e ficava admirando as coisas". A paixão explodiu quando veio para Salvador e foi trabalhar numa dessas casas, no Rio Vermelho. Encantou-se com o restauro. Começou lixando um vasinho aqui, uma xícara acolá, até perceber a vocação. Antes, montou um antiquário na Rua Rui Barbosa e começou a receber pedidos de clientes para restaurar peças. Como tinha habilidade, resolveu executar ele mesmo. Criou técnicas e desenvolveu novas. Hoje é um dos mais requisitados para recuperar biscuits e esculturas. Vale terracota, faiança, louça ou porcelana. Habilidoso, trabalha no seu tempo, sozinho. Quando encasqueta com uma coisa não desiste. Foi assim quando recebeu uma moldura antiga para recuperar. Testou materiais até conseguir reproduzir a peça num molde. Vieram outras e mais outras. Embora afirme não ter preferência por essa ou aquela peça, seus olhos brilham quando vê as esculturas de porcelana, os chamados biscuits. "Sempre fui apaixonado pela delicadeza, pela modelagem dessas peças", entrega-se. Sorte a nossa! Onde encontrar: Rua Boulevard Suíço, 59, Nazaré - 71 3322-0485
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