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07/06/2020 às 17:25 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

O amor nos tempos da Covid

Pedro e Bárbara: filmes e lives em casa | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE
Pedro e Bárbara: filmes e lives em casa | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE -

Pouco antes da cena em que prega a um paciente as vantagens da quarentena, o médico Pedro Sierra aparece sentado sobre a sua cama de casal, já com jaleco posto, acariciando o rosto de sua mulher e pedindo para que ela cuide de sua alimentação e das crianças. A população ainda não sabe, mas a Cidade do México começa a lidar com um brote de infecção pulmonar com potencial para ser endêmico em todo o país.

O filme é O Ano da Peste, lançado em 1979, quarenta anos antes que os primeiros casos de Covid-19 sejam identificados na China. Um dos roteiristas é o escritor colombiano Gabriel García Márquez, expoente do realismo fantástico na literatura, cuja obra se vincula involuntariamente ao ano de 2020, de forma universal.

Nesta época do ano, às vezes, chove bastante em Salvador. Não tanto quanto na ficcional Macondo, de Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos do Cólera. Mas o suficiente para incentivar as pessoas a se manterem em casa durante o período de isolamento social estipulado pelas autoridades estaduais e municipais.

A última vez que a jornalista Bárbara Maria e o namorado, Pedro Teixeira, saíram para se divertir foi 14 de março, um sábado, show do rapper carioca Black Alien, no Trapiche Barnabé, no Comércio. “A gente ficou até meio assim, porque estavam começando a falar do coronavírus. Depois ele passou a vir aqui em casa. A gente vê filmes, lives. Só a presença dele aqui já ajuda”, afirma Bárbara.

A moça é festeira. Gosta de curtir o Pelourinho e, antes do período de recolhimento, sempre tomava a iniciativa de chamar o boy para uma festa. Hoje se resignam a ficar em casa. Teve uma sexta-feira que foi particularmente difícil para Bárbara. Já tinha feito as tarefas domésticas, tomado banho, ligado a tevê. Mas o corpo pedia rua.

Mil e uma emoções

Na entrada de um condomínio de classe média do centro da cidade, dois jovens caminham lentamente, lado a lado, usando máscara de proteção. A distância, na maior parte do tempo inferior ao metro e meio proposto pela Organização Mundial da Saúde, indica um certo encantamento mútuo, mas eles não se tocam.

A poucos quilômetros dali, Tarcísio Oliveira, formando em arquitetura, estaciona um automóvel na garagem do prédio em que vive a sua noiva, a enfermeira Gabriela Victa. Foi buscá-la no trabalho, como tem feito todos os dias.

“Com as ruas vazias, não sinto segurança em usar o transporte público”, explica a jovem, que para esse período pediu o carro emprestado à mãe. Normalmente, o casal se desloca em ônibus.

Tarcísio escolheu deixar temporariamente a casa da família para passar a quarentena junto a Gabriela, com quem namora há nove anos e planeja se casar. Tem aproveitado a nova experiência para se arriscar mais na cozinha. Depois de um mês na casa, surpreendeu a noiva com um bolo.

Enquanto não retomam a vida social, fotos no celular registram grandes momentos do casal: o Dia dos Namorados em 2018, num restaurante do Pelourinho; outra registra o casal quando ele foi visitá-la em 2019 no intercâmbio que fazia em Paris e lhe pediu em noivado. E – como esquecer? – o registro em fevereiro deste ano, antes da pandemia, quando saíram fantasiados de A Bela Adormecida e Malévola no Carnaval de Salvador. “Ir ao supermercado tem sido nossas saídas de casal”, diz ela.

Instinto

Mas como nem sempre é a harmonia que dá as cartas nos relacionamentos, às vezes o melhor que se pode fazer em um confinamento a dois é evitar discussões. Professores licenciados em filosofia, a gaúcha Luiza Regis e o baiano Ednaldo Santana dividem o mesmo teto há 28 anos e já passaram por brigas que levaram até a separação.

Com a cidade paralisada e a impossibilidade de dar um passeio no shopping ou tomar uma cerveja em um botequinho por perto, os dois têm um acordo tácito de não alimentar desavenças, já que um vai ter que ficar olhando para a cara do outro.

“É uma inteligência, um instinto de sobrevivência que nos leva a não brigar neste período”, diz Luiza, que trabalha com o marido na mesma seção da Secretaria Municipal de Educação de Candeias, e, naturalmente, vivem grudados a maior parte do tempo.

E, curiosamente, parte dos assuntos que são relevados para se evitar um debate acalorado surgiu justamente com o fato de passar mais tempo em casa. A tampa da privada, por exemplo, sempre passou ao largo porque durante a semana usam os banheiros do trabalho e, no fim de semana, com tanta coisa para fazer, não se dá importância a essas questões.

Mas com tanto tempo disponível e os dois encerrados no mesmo ambiente, a mente fica se ocupando de detalhes que sempre passaram despercebidos. São guardados para uma comunicação em um momento posterior, quando seja oportuno. Por exemplo: durante uma entrevista sobre a rotina do casal na quarentena.

Ednaldo não gosta muito de falar. Diz que concorda com Luiza e pensa muito parecido com ela. E ressalta a afinidade entre os dois. “A gente lê sobre o aumento da violência doméstica neste período. Aqui em casa, o amor só aumenta”, declara.

Caseiro, sente menos a falta de rua do que Luiza. É comum em tempos de normalidade que ela saia com amigos ou desça para tomar uma a sós nos botecos do bairro e ele fique em casa. “Eu gosto muito de estar só, e, como o apartamento tem espaço, não há problema”, diz Ednaldo.

Atuante na cena cultural de Salvador, espaço também não é um problema para o poeta Alex Simões, que normalmente se divide entre dois apartamentos vizinhos, o dele e o do namorado, o fotógrafo e professor Edgard Oliva, que funciona mais como um escritório para o casal. Mas Alex sente falta dos saraus, shows, das idas ao cinema e os passeios de bicicleta com o namorado.

“Desistimos de andar de bicicleta neste período até porque, em caso de um acidente, iríamos pressionar o sistema de saúde”, pontua Alex.

Além das atividades culturais, uma das coisas que mais fazem falta a Alex é a passadinha do fim de semana no Mocambinho, bar no Dois de Julho, onde o poeta vegano costuma degustar a frigideira de repolho com côco, e o drinque da Lisa, como o bar batizou uma versão do Nasty Woman, em homenagem à antropóloga americana Lisa Earl Castillo, que vive no bairro. “Pelo menos três vezes por semana dá uma vontade louca de sair”, conta.

Máscaras

Solteiros também vivem esse impedimento. As máscaras de proteção não escondem os olhos. Arma de sedução favorita de Vitória Benedita Dias, dona de grandes olhos castanhos, que gosta de desnudar almas observando os interlocutores.

A ideia de que sua vida social mudaria começou a assentar no final de fevereiro, após uma ida à Jam no MAM, passado o Carnaval, quando os jovens soteropolitanos solteiros começam a pensar em engatar um namoro.

“Em uma resenha com uma amiga, veio a conversa de que o coronavírus estava chegando”, disse Vitória. O primeiro caso de coronavírus na Bahia foi confirmado em 6 de março, em Feira de Santana.

Vitória sempre foi arredia ao Tinder, rede social específica para paquera, mas como não pode ir ao Rio Vermelho ou à praça de alimentação do shopping, permite-se o ritual de paquera online.

Se a conversa flui, logo é transferida para o Instagram, onde se podem observar e curtir fotos, dar-se a conhecer um pouco mais. O passo seguinte, se tudo der certo, é o WhatsApp, onde o contatinho passa a ter um status de maior intimidade.

Passado e presente

À medida que o período de isolamento avança, mais pessoas se animam a convidar o professor Ernesto Almeida para videochamadas. Em uma noite de sábado viu surgir o rosto de Marion, uma dançarina americana que conheceu em 2003.

Em princípio, ele não tinha a intenção de remexer no passado. Apenas lhe mandou uma afetuosa mensagem por e-mail, quando lhe ocorreu que eventualmente poderia morrer durante a pandemia sem esclarecer desentendimentos pretéritos. Dias se passaram sem resposta, até que chega um e-mail com o número de telefone e a proposta de uma conversa de vídeo pelo WhatsApp.

Entre um e outro mal-entendido, os dois dedicaram 12 anos de suas vidas a esperar por um reencontro. Que nunca aconteceu de forma plena.

Ernesto nunca culpou Marion por ter ido embora, atrás do seu sonho de viver da dança. Mas se ressentia de nunca ter recebido uma sinalização clara do que poderia acontecer, apenas a vaga promessa de que se veriam de novo. E que cumpririam a promessa de serem o grande amor um do outro.

Depois de algumas mensagens e ligações, o contato foi esfriando, sugerindo a prevalência do senso comum de que o amor não sobrevive à distância. Mas Marion retornou a Salvador em 2010, sem aviso prévio, e deu de cara com o namorado de mãos dadas com outra no Corredor da Vitória. Ele estava em uma relação séria.

Ela voltou para os Estados Unidos e os dois seguiram um contato virtual amável, com desejos de feliz Ano Novo e mensagens de feliz aniversário.

O destino providenciou que eles se cruzassem em 2015, durante as férias dele pela Europa, onde ela estava morando. Combinaram um passeio pelas ruas do centro de Frankfurt, emulando o reencontro dos protagonistas de Antes do Pôr do Sol, filme a que assistiram juntos no início do namoro. Foi quando ela contou que estava grávida e decidida a formar uma família. Ernesto chorou, desejou-lhe felicidade e a abraçou se despedindo, ainda magoado, não com a moça, mas com a vida. Agora, cinco anos depois, precavendo-se de uma hipotética morte, ajeita-se na poltrona para ligar o telefone e contar que sente carinho por ela.

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