SOCIEDADE
O Bahia British Club completa 150 anos; conheça a história
Em 1874, quando surgiu o Bahia British Club, boa parte do planeta estava sob o comando da Coroa Britânica
Por Gilson Jorge
Desde o sofá perto da janela, no primeiro andar do elegante casarão que abriga o Bahia British Club, na Rua Banco dos Ingleses, o advogado Fernando Santana abre a persiana e descortina um sol absurdamente alaranjado, a poucos minutos de desaparecer na topografia da Ilha de Itaparica. "Nunca é o mesmo pôr do sol", declara o advogado, um dos 51 sócios adimplentes da confraria que frequenta o clube nos dias de semana.
À exceção das sextas-feiras, quando acontecem os almoços de confraternização, os sócios começam a chegar a partir das 17h, a tempo de apreciar os últimos raios solares do dia. O horário de abertura coincide com a tradicional hora do chá no Reino Unido. Mas as bebidas consumidas pelos convivas atuais passam longe do chá preto. E as semelhanças entre o clube fundado pelos ingleses no Campo Grande e a entidade do presente são raras.
Em 1874, quando surgiu o Bahia British Club, boa parte do planeta estava sob o comando da Coroa Britânica, inclusive o território que hoje faz parte da Índia, de onde saiu o chá que virou marca do Reino Unido.
Esse período, de 1815 a 1914, ficou conhecido como o Século Inglês ou Século do Império Britânico. E mesmo o Brasil, colonizado pelos portugueses, passou a ter grande presença inglesa depois da abertura dos portos às nações amigas em 1808, quando D. João VI trouxe a corte para o Rio de Janeiro, fugindo do exército de Napoleão.
Independência
Antes da fundação do BBC, o almirante escocês Lord Chocrane foi contratado por Dom Pedro I para guerrear nas lutas pela Independência do Brasil na Bahia, em 1823, e o biólogo e naturalista Charles Darwin passou por Salvador em 1832 durante uma viagem de pesquisa que durou quatro anos e nove meses, em missão patrocinada pela monarquia britânica.
Com o Brasil independente, os ingleses descobriram no novo país oportunidades de fazer dinheiro. Os irmãos Edward e Pete Wilson fundaram em 1837 uma empresa portuária para o comércio de carvão e outras mercadorias, além de serviços marítimos, que levaram a empresa Wilson Sons, existente até hoje, a uma posição de destaque no setor. Em 1860, a Bahia and San Francisco Railway Company inagurava uma linha de ferro ligando o bairro da Calçada, em Salvador, ao Rio São Francisco.
Tal qual fizeram mundo afora durante o período imperial, os homens britânicos que empreenderam negócios em Salvador criaram um espaço onde podiam beber, conversar, jogar e confraternizar com a elite local.
O empresário baiano Bernardo Martins Catharino foi um dos primeiros sócios do BBC, que em seu estatuto limita o quadro de sócios a homens e estabelece um formato de associação em que para ser admitido o novo sócio precisa ser referendado por todos os integrantes.
Em 1968, quando a Rainha Elizabeth esteve em Salvador e visitou o clube, o procurador do Estado aposentado Durval Ramos Neto era jornalista e cobriu para A TARDE a passagem da monarca pela cidade, durante a ditadura militar.
"Não havia na época a discussão política. E, de qualquer forma, não era todo dia que recebíamos a rainha do império britânico", lembra Ramos Neto. Poucos anos depois, Ramos abraçaria a carreira jurídica.
Fernando Santana se tornou sócio do clube em 1978, três anos depois da inauguração da sede atual, um casarão de dois andares projetado pelo arquiteto Antonio Pithon, ex-presidente do Esporte Clube Bahia, morto em 2015.
A casa com esplendorosa vista para a Baía de Todos-os-Santos, que a cada dois anos abriga algumas seções da 1ª Zona Eleitoral de Salvador, foi a contrapartida oferecida pela construtora que adquiriu o terreno da sede original, onde foi erguido o Condomínio Britânia Mansion.
A ambientação britânica inclui duas portas de vidro com a palavra "telephone" ao alto, emulando as famosas cabines telefônicas de Londres, fotos da família real britânica nas paredes, e um bar ao estilo pub, com uma prateleira abarrotada de destilados e um balcão com elegantes bancos de madeira.
"O cônsul honorário britânico, Milton Deiró Neto, destacou que o teto de madeira do clube remete aos navios, aos navegantes ingleses", assinala o advogado Aaron Cotrim, um dos mais jovens do quadro de sócios.
Dominó
A composição atual do quadro de sócios é formada basicamente por profissionais liberais, entre eles o jornalista e escritor Florisvaldo Mattos, ex-diretor de redação de A TARDE. Mas a maioria dos membros é do mundo jurídico.
As atividades desenvolvidas no clube variam de uma partida de dominó a uma palestra sobre direito tributário, passando por um recital de piano e discussões sobre literatura, cinema e arte.
A inscrição feminina no quadro de sócios segue proibida. O que houve nas últimas décadas foi uma progressiva presença de mulheres convidadas a participar das atividades no clube, a começar por companheiras e filhas dos sócios.
Por influência do sócio e procurador-geral do Estado, Antonio Guerra Lima, morto em 2022, o BBC passou a convidar profissionais de comunicação e das artes para discussões sobre cultura, especialmente para os almoços das sextas-feiras, quando o clube abre às 11h.
Apresentada ao grupo por Guerra Lima, a jornalista Olívia Soares considera que nas conversas que mantém no BBC valoriza-se muito mais a cultura e a história da Bahia antiga do que o legado britânico, de fato.
Olívia fez a ponte com outros jornalistas da cidade que passaram a frequentar o clube, como Josélia Aguiar, autora do livro Jorge Amado, uma biografia.
"O clube comprou exemplares para fazer um lançamento lá. Isso sensibilizou muito Josélia", lembra Olívia. Após a morte de Guerra Lima, Olívia continuou sendo convidada para os eventos. "Ela é nossa sócia informal", brinca Santana.
O atual presidente do BBC, o advogado Sylvio Garcez, lembra que na sua primeira ida ao clube, com o seu pai, que era sócio, encontrou um ambiente cativante. "Deu vontade de voltar sempre. Havia pessoas com histórias muito interessantes", afirma o presidente do clube, que mantêm cinco funcionários, incluindo a cozinheira, um bartender e um garçom.
Às vezes, a conversa da confraria se estende a restaurantes tradicionais do centro. "Nós saíamos daqui e íamos para o Porto Moreira, que, infelizmente, fechou", lembra Santana.
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