EMPREENDEDORES
O coentro inspira
Na Bahia, onde o exército de apreciadores é aparentemente maior, a folha virou símbolo da culinária local
Por Gilson Jorge

O coentro é uma planta curiosa. Se estiver ladeado à salsa na sessão de hortifrutigranjeiros do mercado, pode confundir consumidores pouco íntimos com os detalhes sobre a forma das folhas e o caule. Mas se for misturado à cebola e ao tomate no tempero culinário, esse ingrediente original da Ásia deixa um sabor muito peculiar, que pode causar desejo e repulsa. Aliás, pode-se dividir o universo dos gourmands em fãs e haters de coentro.
Na Bahia, onde o exército de apreciadores é aparentemente maior, a folha virou símbolo da culinária local. E começa a moldar o seu status de símbolo baiano, a partir de iniciativas de empreendedores locais. Depois de um acordo entre duas marcas baseadas em Lauro de Freitas, foram lançados no mês passado uma cerveja à base de coentro e uma coleção de roupas que usa estampas do tempero.
No mercado há oito anos, a Cervejaria Proa sempre apostou em sabores locais para atrair consumidores. É possível achar a bebida com caju ou graviola na receita, por exemplo. Mas após uma conversa com seus amigos da marca de roupas Soul Dila, a dona da Proa, a química gaúcha Débora Lehnen optou por trabalhar com o coentro, em uma ação conjunta. A Proa lançaria a nova cerveja e a Soul Dila traria a coleção no mesmo dia.
Um desafio. Diferente das frutas acima, o coentro vai além da associação com a Bahia e o Nordeste, o tempero causa rejeição em parte da população de outros estados. Mas como o foco é o mercado local, a decisão foi tomada. "Eu já conhecia cervejas feitas com semente de coentro, mas a partir da folha e do caule acho que essa é a primeira", afirma a gaúcha, referindo-se à wittbier. Débora conheceu o coentro em uma viagem à Ásia e não torceu o nariz para o vegetal.
A produção da cerveja com 'sabor baiano' tem suas raízes no município gaúcho de Dois Irmãos, terra natal de Débora. "Meus pais produziam coisas em casa, pão, refrigerante, linguiça e cerveja. Quando eu estava na faculdade, me interessei em saber como água, malte e lúpulo juntos formavam tantos sabores e aromas diferentes", conta a química.
Débora fez um curso, virou mestre cervejeira e passou a produzir a bebida para consumir com amigos. Depois de fazer mestrado em química na Califórnia, onde a cultura da cerveja também é grande, a gaúcha mudou-se para a Bahia na década passada, para trabalhar em uma empresa do Polo Petroquímico. "Na época, não havia cervejas locais ainda e eu comecei a produzir para consumo próprio", conta a empresária.
O projeto se Débora era fazer uma cervejaria em Salvador, mas a legislação municipal da capital na época só permitia a produção industrial, ainda que em pequena escala, em bairros distantes, como Valéria. Como a empreendedora tinha em mente um entorno urbano, como o Rio Vermelho, optou pela cidade vizinha. A química percebeu uma oportunidade no mercado e decidiu se especializar em Blumenau durante um ano e voltou para abrir a Proa.
Frases espirituosas
Uma década mais antiga do que a cervejaria, a marca de roupas Soul Dila começou em 2008 como uma brincadeira entre três amigos, que imprimiam frases espirituosas em camisetas e as vendiam. O negócio cresceu intuitivamente e na hora de formalizar a marca surgiu a Soul Dila, uma maneira particular de dizer alma leve, com o uso de alma em inglês, soul, e a corruptela dila, que os amigos usavam para dizer que estavam "de leve".
O coentro entrou na história da confecção a partir da vontade de fazer uma ação conjunta com a cervejaria, em que ambas empresas adotassem um ingrediente comum para seus próximos lançamentos "Nós sempre quisemos fazer algo com a Proa e procuramos Debora", conta a diretora de marketing da Soul Dila, Roberta Casanova, assinalando que durante as conversas o coentro surgiu como ingrediente favorito, a partir das experiências e da memória afetiva dos empreendedores.
"A gente conversando sobre a Bahia, o que era tão identitário, o que era tão pertencimento, o que nos colocava em evidência na gastronomia, surgiu o coentro", afirma Roberta.
Para essa coleção, a Soul Dila lançou duas camisetas e uma ecobag com estampas de coentro. "Na frente das camisetas, a folha aparece de forma minimalista. No fundo, aparece maior, com a lambreta e a moqueca. Pratos que têm como ingrediente central o coentro", diz Roberta.
No plano pessoal, a diretora de marketing conta que ama coentro e que o tempero sempre esteve presente nas suas receitas e nas de sua mãe. “Para mim, o coentro tem muito sabor, frescor e memória afetiva. Tem identidade. É tão nosso, tão Bahia, tão casa", declara.
E se o coentro anda expandindo suas folhas por outros terrenos, por que não se aprofundar na sua utilização de raiz? Essa é uma das apostas de Ricardo Vallari, que com 12 anos de experiência no setor gastronômico, estudou para se tornar chef e desde 2023 conduz a cozinha em seu próprio negócio, o restaurante Senhor do Sertão, na Pituba.
Além dos tradicionais usos do tempero, Ricardo decidiu dar mais protagonismo à folha que desperta paixões. Um dos pratos da casa é o guioza de vatapá com coentro, uma espécie de pastel cozido no vapor adaptado de um alimento de origem oriental. "Normalmente, ele é feito de carne de porco e repolho. Na nossa releitura, a gente usa a mesma massa, o mesmo processo de fechar, a mesma cocção e a gente serve com a estética oriental", informa Ricardo. Já o recheio é bem baiano, com pasta de pimenta, vatapá, camarão e, claro, coentro.
Já o Arroz de moqueca com coentro é um prato principal, com porção individual, e não apenas um acompanhamento. "É um prato que tem coentro em todas as suas etapas, no preparo, na base e na finalização", afirma Ricardo. Neto de uma dona de restaurante que servia a pescadores de Cabuçu, Santo Amaro, Ricardo é apaixonado pelo tempero "Não há como dissociar quem é baiano do coentro, né?", indaga o chef, cheio de razão.
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