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OLHARES

O encanto no olhar

Cristina Damasceno*

Por Cristina Damasceno*

12/01/2025 - 1:00 h
Imagem ilustrativa da imagem O encanto no olhar
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Desde a invenção da fotografia, o olhar fotográfico estrangeiro sobre a nossa cultura contribuiu para a formação de um acervo imagético histórico importante. Notadamente, nos anos 1940, a chegada de fotógrafos franceses como Jean Manzon, Marcel Gautherot e Pierre Verger tiveram um papel significativo na percepção visual da sociedade brasileira, fora e dentro do País.

Na contemporaneidade, novas gerações de fotógrafos estrangeiros continuam se interessando por aspectos políticos e culturais do Brasil, muitas vezes despertados pela obra fotográfica de conterrâneos. Este é o caso de Stéphane Herbert, autor do fotolivro, intitulado Rituels du Brésil Capoeira – Candomblé – Carnaval, que será lançado na França em fevereiro na ocasião do Ano Brasil-França 2025.

O interesse do fotógrafo pelo Brasil, especialmente pela Bahia, surgiu a partir de uma visita a uma exposição retrospectiva da obra do fotógrafo e antropólogo Pierre Verger, apresentada, em Paris, no Palais de la Porte Dorée, em 1993.O impacto causado pela magnitude das imagens o motivou a fazer sua primeira viagem ao Brasil, em 1995.

Radicado em Salvador, Verger costumava receber visitantes. O jovem fotógrafo se encontrou com ele em sua casa, situada no bairro do Engenho Velho da Federação. Na ocasião, Verger estava terminando sua obra primorosa Ewé, sobre o uso das plantas na tradição iorubá.

Stéphane tinha o pretexto de mostrar uma de suas fotografias, feita na frente de uma igreja na Guatemala, motivo que se assemelhava a uma foto que Verger havia tirado em 1939. A justaposição das duas imagens demonstrava a persistência viva dos cultos maias ao longo dos anos. Daí se estabeleceu entre eles uma intensa interação sobre temas como fotografia, viagens e religião.

Posteriormente, Stéphane reencontrou Verger, uma segunda e última vez, em um terreiro de Candomblé, poucas semanas antes de sua morte, em fevereiro de 1996. Desde então, ele mergulhou com paixão na obra literária e fotográfica de Pierre Verger, assim como nos ritmos e na vivacidade da cultura baiana.

Salvador se tornou um porto seguro, onde o fotógrafo se casou com uma baiana que conheceu em Paris. Como marinheiro, Stéphane voltou durante cerca de 30 anos regularmente à cidade, alternando com longas viagens ao Oriente.

O livro é resultado de um projeto de longa duração que envolveu muita criatividade e engajamento do autor, no processo de abordar temas culturais, profundamente complexos, em uma perspectiva contemporânea. Paralelo ao lançamento, é possível visitar uma exposição com uma seleção das imagens que compõem o livro na galeria da editora Maisonneuve & Larose Hémisphères Editions, no centro de Paris, até 7 de março.

Magia da cor

O efeito da cor na obra de muitos artistas foi e continua sendo elemento de destaque, por exemplo: é conhecido que, para o pintor Paul Gauguin, a cor em si é enigmática, e seu uso pode ser fonte de sensações que emanam de sua própria natureza, de sua força interior misteriosa. Para outros grandes artistas, como Henri Matisse, durante suas explorações na Côte d'Azur, no Magrebe, na Polinésia, ou Wassily Kandinsky, a cor é uma energia que parece se assemelhar à “magia”.

Sem dúvidas, as cores fazem vibrar a alma humana. Logo, a cor pode ser uma "alegria de viver", um deslumbramento que permite sentir a luz. Recentemente, o fotógrafo belga Harry Gruyaert, que se destaca pelo colorido em suas imagens, lembra que não se deve dissociar forma e cor, sendo esta "a essência da imagem". Assim, embora os grandes mestres do preto & branco mereçam todo o respeito, é interessante observar que Stéphane Herbert, claramente seduzido pela obra de Pierre Verger, se dedica no entanto e, resolutamente, a um tratamento do campo e do tema por meio das cores.

Quanto à técnica, o fotógrafo se impôs ao usar o famoso filme Kodachrome, que exige muita perícia e precisão em relação à exposição, e que sobretudo registra materiais e cores com densidade especial. Ampliou suas fotos no processo Cibachrome, cuja particularidade é dar a impressão que a luz não é refletida, mas provém do próprio papel. A escolha do meio fotográfico e seu processo geram nas imagens um resultado e uma estética que não se sobrepõe ao tema. Não há efeitos ou estilo pictórico excessivamente pronunciados para não interferir na apreensão das cenas fotografadas.

Sem sensacionalismo, ele aqui é apenas um testemunho, que opera humildemente para melhor servir o tema. Suas fotos nos fazem entrar nas atmosferas particulares dos grupos de capoeira ou nos expõem à luz implacável da rua.

Quando, no meio da noite, uma adepta da religião candomblé, incorporada pelo orixá Iansã, dança diante de sua lente, ele consegue captar seu movimento vigoroso e capturar o vermelho intenso, próprio da deusa das tempestades. O movimento enérgico é fotografado em um “instante decisivo”, sem filtro, obviamente. Acredito que a força feminina dessa divindade age como uma espécie de “unção” para o fotógrafo.

Ao registrar o imenso cortejo carnavalesco dos Filhos de Gandhy, que caminha ao longo da orla da capital baiana, no momento do crepúsculo, o leitor é convidado a adentrar nessa paisagem. A imagem ecoa o grito de fraternidade desse grupo, que tem formação histórica, no qual o patrono é o orixá Oxalá, o senhor dos seres vivos, representado pela cor branca, simbolizando paz e luz.

A escolha das fotografias que compõem a edição em francês abrange, essencialmente, uma década de trabalho, entre os anos de 1995 e 2005. Nesse período, um profundo movimento cultural se estabeleceu, consolidando definitivamente a contribuição afro-diaspórica da Bahia para o Brasil.

Neste contexto, para o fotógrafo, a capoeira perpetua um lema de liberdade, já o candomblé, ressalta um "pensamento sutil", em um espaço que promove a sociabilidade. E por fim, o carnaval, impulsionado por suas transformações promovida pela comunidade afrodescendente é, de certa forma, eminentemente político.

Seu olhar sobre a cultura afro-brasileira através de seus principais rituais contemporâneos propõe uma narrativa lírica entre o sagrado e o profano, a transmissão de uma memória mítica fundamental, a invenção de um novo mundo, um mundo encantado.

É interessante notar que, ao longo do tempo, alguns estrangeiros documentam as singularidades da civilização brasileira. A fotografia em cores de Stéphane Herbert reflete aspectos encantadores do nosso Brasil.

*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE

*Doutora em Artes Visuais e professora de fotografia da Escola de Belas Artes (Ufba)

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