ABRE ASPAS
“O importante é se manter ativo”, diz cardiologista sobre hábito saudável
Confira a entrevista com o cardiologista Rodrigo Morel
Por Pedro Hijo
O acidente vascular cerebral (AVC), que ocorre a partir do bloqueio dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro, teve um aumento de 70% entre 1990 e 2021, segundo estudo publicado pela revista científica The Lancet Neurology no último dia 18. Ao todo, foram registrados 11,9 milhões de novos casos. Fatores como sedentarismo e má alimentação estão entre as causas do surgimento da doença vascular, de acordo com o estudo. Para o médico cardiologista baiano Rodrigo Morel, uma mudança de hábitos deve ser feita para inibir novos casos. Chefe do setor de Cardiologia do Hospital São Rafael, Rodrigo indica manter uma rotina de exercícios físicos e abrir mão da ingestão de comidas pouco saudáveis como salgadinhos, biscoitos e refrigerantes. Com 17 anos de carreira, o médico ouve relatos repetidos de pacientes que dizem não conseguir adotar um modelo mais saudável de rotina e culpam a correria do dia a dia. Para Rodrigo, as pessoas precisam aprender a organizar prioridades. “Os meus pacientes têm essa dificuldade de se gerenciar, mas é preciso fazer isso, senão o organismo vai sentir”, afirma. Neste domingo, 29, quando é comemorado o Dia do Coração, data de conscientização sobre a prevenção de doenças cardiovasculares, o médico compartilha dicas de alimentação e atividade física para manter a saúde do coração. Ele também explica quais são os fatores de risco do aneurisma da aorta, doença que acometeu o apresentador Otaviano Costa em junho.
Qual é a explicação para o crescimento no número de casos de AVC no mundo?
O AVC corresponde à primeira causa de mortalidade no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E isso pode ser atribuído a diversos fatores. Nas últimas décadas, houve um avanço de uma piora na qualidade da alimentação e do estilo de vida. As pessoas estão cada vez mais sedentárias e com uma alimentação rica em gorduras saturadas e carboidratos complexos. E a tendência que a gente vive atualmente, especialmente com essa epidemia de obesidade e de síndrome metabólica, é que esses fatores aumentem a incidência de danos cardiovasculares, principalmente numa população cada vez mais jovem. Quando a gente trata sobre AVC, é importante também falar em prevenção cardiovascular de uma maneira geral para poder intervir em algo muito mais primordial, desde o início, e isso vai desde a consciência familiar, com a criação de hábitos desde a infância. Porque a gente já sabe, a partir de estudos científicos, que o hábito de um adolescente impacta diretamente no futuro, com a chance de ele ter um infarto ou um AVC, por exemplo.
E o que seria um hábito de vida saudável?
Primeiro, se manter ativo. Ter pelo menos 150 minutos de atividade física por semana. Perceba que esses minutos incluídos durante a semana tornam essa atividade regular e constante. Com relação à alimentação, do ponto de vista de saúde, é preciso pensar numa pirâmide [que indica a quantidade de ingestão recomendada para cada grupo alimentar]. A base é constituída por proteína com baixo nível de gordura saturada, como a encontrada nas carnes brancas. Em seguida, temos os grãos – e aí entram o feijão, o grão-de-bico, a ervilha... – e os vegetais. Subindo na pirâmide também entram as frutas, que devem ser consumidas numa maior quantidade. Deve ser evitada a ingestão de alimentos com alto nível de carboidratos e gorduras saturadas, como biscoitos, doces, sanduíches, e bebidas com alto valor calórico, como refrigerantes.
Quais são os tipos de AVC?
Existem dois tipos. O acidente vascular cerebral isquêmico, conhecido como derrame, é quando se tem uma falha de suprimento sanguíneo para o cérebro. Por algum motivo, existe essa falha de um vaso que gera uma pausa na irrigação cerebral, o que causa o AVC. Aqui, o principal fator de risco é a aterosclerose, que é essa doença que compartilha desses fatores de risco citados anteriormente, e que é o desenvolvimento de placa de gordura nas artérias. Outro tipo de AVC é o hemorrágico. A causa não é a falta de sangue regional ao coração, mas sim, um vaso sanguíneo que se rompe e causa uma hemorragia cerebral, ou seja, seria o sangue extravasando dentro do cérebro. Isso, consequentemente, também gera sofrimento das células cerebrais e causa o AVC. Neste caso, o fator de risco principal é a hipertensão arterial.
E o AVC pode ser uma condição hereditária?
O fator de risco que leva ao acidente vascular pode, sim, ser algo geneticamente pré-determinado. Mas, não é a regra, diria que seria a exceção. A grande parte dos AVCs e das doenças cardiovasculares é adquirida devido a fatores de risco adquiridos por nós, como hábitos alimentares ruins ou sedentarismo. Hábitos ruins levam a aterosclerose, hipertensão, diabetes, obesidade, síndrome metabólica e, consequentemente, o desenvolvimento de um acidente vascular cerebral ou infarto. Mas, tem sim uma porcentagem da população com traços genéticos mais significativos, que levam a um fator de risco, como o colesterol, que aumenta a incidência de eventos cardiovasculares.
Qualquer tipo de exercício físico é válido para cuidar do coração ou os de alta intensidade são mais interessantes?
O importante é se manter ativo. Na prática, é você ter uma atividade física de moderada intensidade, que seja maior que 150 minutos na semana. Mas, você também pode substituir isso por um tempo menor e mais intenso. Por exemplo, em vez de andar rápido, o que consideramos uma atividade moderada, por mais de 150 minutos durante a semana, você pode fazer um treino mais intenso de corrida, por exemplo, e diminuir a duração para mais de 75 minutos por semana. Mas, é preciso tomar cuidado porque quanto maior é a intensidade da atividade física, maior é o risco de lesões. Então, talvez para uma pessoa que está saindo do sedentarismo, não seja recomendado começar com atividades tão intensas. Deixem essas para as pessoas que estão mais condicionadas, mais jovens, com risco menor de lesão osteomuscular. É importante pensar que essa atividade física aeróbica deve estar associada a, pelo menos, dois treinos de resistência muscular na semana. São exercícios com o objetivo de manutenção de musculatura, que são primordiais para evitar lesões e melhorar, inclusive, o treino aeróbico. Uma pessoa que prefere andar a dirigir o carro para ir ao trabalho, ou uma pessoa que prefere subir escadas a usar o elevador, reduz o risco cardiovascular se comparada a uma pessoa que não se movimenta, claro. Mas, não é suficiente. É preciso aumentar a atividade física e incluir treinos de resistência.
Muitas pessoas não têm acesso a uma alimentação de qualidade e têm pouco tempo para realizar atividades físicas. Especialmente no Brasil, onde a promoção da saúde e da educação de qualidade é escassa. Como essas pessoas podem cuidar do coração e prevenir o surgimento de doenças?
Tempo é algo determinante no nosso cotidiano, sem dúvidas. E tirar um momento para cuidar de si mesmo é um privilégio. Mas, enfatizo que é importante dedicar, pelo menos, 30 minutos do dia a uma atividade física para cuidar do coração. O que eu percebo é que é uma questão de priorização. De colocar na agenda como um compromisso que você não pode faltar. Fazer exercícios deve ser um compromisso como tomar banho ou escovar os dentes. Os meus pacientes têm essa dificuldade de se gerenciar, mas é preciso fazer isso, senão o organismo vai sentir. Quanto à alimentação, nós evoluímos muito na disponibilidade de comida saudável de maneira mais rápida. Obviamente, temos muita exposição a alimentos que não são saudáveis, com gordura saturada. Mas é preciso controlar essa alimentação e se organizar.
Em junho deste ano, o apresentador Otaviano Costa foi submetido a uma cirurgia no peito devido a um aneurisma da aorta. Quais são as consequências dessa doença?
O principal fator de risco para o aneurisma da aorta é justamente a aterosclerose, que é a doença dos vasos sanguíneos. Então, os fatores causadores são os mesmos para uma doença cardiovascular: colesterol, sedentarismo e má alimentação. Em outra porcentagem da população, o aneurisma pode ser adquirido por outros motivos: desde doenças inflamatórias, como vasculite, até doenças genéticas, que fazem a dilatação da aorta. Quando a dilatação da aorta passa de determinado tamanho, essa doença precisa ser tratada cirurgicamente o mais precocemente possível, porque há um risco de morte cardiovascular, que foi o que aconteceu com Otaviano. Quando foi detectado que esse aneurisma estava num tamanho tal, havia um risco alto de ter um evento cardiovascular e foi preciso fazer a cirurgia. Lembro que nem toda dilatação da aorta precisa ser submetida a uma cirurgia cardíaca. Mas, quando chega a um determinado valor, na maioria dos casos, o tratamento é a redução dos fatores de risco.
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