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15/09/2024 às 5:00 - há XX semanas | Autor: Pedro Hijo

ABRE ASPAS

“O jornalista deve ser um democrata radical”, diz professor

Confira a entrevista com o professor e escritor João Figueira

Professor e escritor João Figueira
Professor e escritor João Figueira -

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra, o professor e escritor português João Figueira está em Salvador para discutir sobre o poder do jornalismo em tempos de avanço do populismo político nas redes sociais. Ele participou do Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura, na Associação Bahiana de Imprensa (ABI), na última quinta-feira, 12, e conversou com A TARDE sobre as responsabilidades do jornalismo para mitigar os efeitos dos discursos extremistas. João é autor de vasta bibliografia sobre comunicação publicada em países como Portugal, Brasil, Espanha e Reino Unido. No ano passado, lançou Da incerteza como princípio: jornalismo, democracia, decadência da verdade, quinto livro escrito por ele sobre a profissão, em que reflete sobre os dilemas da comunicação e o papel da informação na contemporaneidade. Na próxima terça-feira, 17, às 10h, o professor vai participar da primeira reunião do Fórum de Comunicação e Justiça, vinculado à Universidade Corporativa do Tribunal de Justiça da Bahia. No evento, ele planeja ampliar o debate sobre os desafios do jornalismo na disputa por atenção. “Nesses momentos complexos que vivemos, em que o jornalismo é permanentemente atacado por esse populismo da direita, se o jornalismo não tiver coragem, quando é que a vai ter?”, questiona o professor.

Quais são os maiores desafios que o jornalismo enfrenta diante das ameaças à democracia?

São grandes desafios. Se durante mais de um século o jornalismo teve o monopólio da comunicação em larga escala, hoje esse espaço é disputado por vários atores das redes sociais. No Brasil, por exemplo, há influenciadores com número de seguidores superior ao de muitos órgãos de comunicação. Este é um problema sério. O jornalismo sempre teve que lidar com o fenômeno das audiências. Enquanto empresa, naturalmente, tem que respeitar os valores fundamentais da profissão, mas tem, ao mesmo tempo, que visar o lucro. Os modelos de negócios tradicionais do jornalismo, como nós o conhecemos, estão completamente esgotados. Nessa ânsia pela disputa do mercado da atenção, na ânsia pela disputa da audiência, muitas vezes o jornalismo se despersonaliza, perde os seus valores matriciais, e acaba muitas vezes por atuar como se fosse também uma espécie de rede social.

Como assim?

Não quero dizer que o jornalismo não deva estar atento àquilo que se passa nas redes sociais. O que eu digo é que o jornalismo tem uma responsabilidade social pela verdade, pelo rigor, pela confirmação e pelo cumprimento ético, que as redes sociais não têm. O Chega, partido da direita radical em Portugal liderado pelo deputado André Ventura, teve uma subida muito exponencial. Ventura é um grande admirador de Jair Bolsonaro. A direita mais radical em Portugal nunca tinha tido qualquer tipo de expressão pública, sobretudo tendo ainda por referência a nossa história, já que saímos de uma ditadura longa, tenebrosa, de mais de 48 anos. Mas a verdade é que com um discurso muito radical, que coloca em questão a democracia, a imigração e a segurança, a direita radical tem vindo a subir. E aí surge um fenômeno que é o populismo midiático, que é quando um tipo de mídia gosta muito de tudo aquilo que provoca um determinado tipo de emoções, que podem provocar audiência. E o populismo político lhe entrega isso. O tempo de exposição midiática de um deputado extremista nessas redes é muitas vezes superior a dos representantes de partidos com o maior número de parlamentares. É uma espécie de cumplicidade estratégica. É neste sentido de desresponsabilização que o campo jornalístico está a perder, quando atua desta maneira.

A tecnologia tem papel importante neste novo cenário...

Sim. A tecnologia permitiu que em qualquer sítio do mundo se possa produzir informação e ela possa ser hoje contínua através dos canais que funcionam 24 horas. O problema é que sem recursos humanos preparados, competentes e disponíveis, a tecnologia por si só não resolve o problema. Porque é preciso o fator humano para tornar a informação muito mais crítica, muito mais interessante e, sobretudo, muito mais diversa também.

Quais são as estratégias que os jornalistas podem adotar para lidar com o impacto do populismo e garantir o direito à informação?

O jornalista deve ser um democrata radical. Ser um defensor inquestionável até às últimas consequências dos princípios e dos valores da democracia. Essa é uma questão da qual eu, pessoalmente, não abro mão. Nas sociedades democráticas, as constituições desses países consignam o direito à informação como um valor fundamental da vivência democrática. O jornalismo tem que retribuir essa defesa do direito à informação com o seu sentido ético de defesa da própria democracia. Quando se diz que sem jornalismo a democracia fica mais pobre, ela só ficará mais pobre se houver um jornalismo que defenda exatamente esta democracia. Outra estratégia é que o jornalismo não pode tratar de forma igual aquilo que é desigual. Eu defendo que o jornalismo, sobretudo os meios que fazem informação em tempo real, não dê declarações ao vivo de determinados protagonistas políticos, sobretudo aqueles que mentem, que estão sempre a falsear dados. Porque esses atores estão, no fundo, a aproveitar esses meios para ampliarem a sua mentira. Essas declarações têm que ser editadas, têm que ser enquadradas e têm que ser desmascaradas. É fundamental que o jornalismo não compactue com isto. A ideia de que nós, jornalistas, temos que transcrever exatamente o que diz um dirigente ou líder político só para dizer que é mentira, na verdade, amplia esta mentira.

A imparcialidade no jornalismo em momentos que ameaçam a democracia deve ser uma meta a ser alcançada?

A imparcialidade é um mito. É evidente que agora não é o momento para discutir isso do ponto de vista teórico e acadêmico. A ideia de que temos que dar os mesmos cinco minutos para um e para outro é a mesma coisa que, para ser imparcial, eu tenha que dar o mesmo tempo de tela à vítima e ao agressor. Mas, concordamos que vítima e agressor devem ser tratados de forma diferente, não é? Então, por que é que nós achamos que um democrata tem que ser tratado de forma igual que um antidemocrata? É por isso que eu transporto para o primeiro plano o conceito e a ideia de transparência dos veículos: “O nosso posicionamento é este, o nosso pensamento é este, e a informação que nós fazemos é esta”. Porque a forma como nós interpretamos quando olhamos para um acontecimento tem muito a ver com várias questões da ordem subjetiva. Portanto, o jornalismo não pode tratar de forma igual aquilo que é desigual. Nesses momentos complexos que vivemos, em que o jornalismo é permanentemente atacado por esse populismo da direita, se o jornalismo não tiver coragem, quando é que vai ter?

Nas eleições para o Parlamento Europeu, em junho deste ano, o partido Chega conseguiu 35% dos votos entre brasileiros aptos a votar no exterior. Este é um partido conhecido por posicionamentos anti-imigração. O que explica essa conexão dos brasileiros com um discurso xenofóbico?

As pessoas têm motivações muito diversas. Porque, no fundo, este é um partido do protesto, não é? Há uns que protestam porque são os antigos militares e que estiveram na guerra colonial portuguesa, portanto, acham que devem ser tratados de uma determinada forma. Há outros que estão sempre contra tudo e contra todos, contra qualquer tipo de política, qualquer instituição, dizem que são todos ladrões. Depois, há o discurso contra a imigração, que é uma tentativa de colocar os imigrantes uns contra os outros. Mas, sobre os brasileiros, acredito que, no fundo, seja uma forma indireta de se manterem fiéis àquilo que seria a posição deles se estivessem no Brasil. O Ventura [líder do Chega] esgrima uma série de fantasmas em Portugal que Bolsonaro esgrima aqui, como o perigo comunista, por exemplo. Ventura chegava a dizer em alguns debates que se os outros candidatos, pessoas absolutamente moderadas do ponto de vista político, ganhassem, era como Hugo Chávez ou Nicolás Maduro estivessem a governar Portugal. Uma coisa completamente desfasada da realidade.

O desencanto da população com o aumento dos preços e a falta de acesso a direitos básicos como Educação e Saúde são espaços de inserção para discursos populistas?

Sim. Há um vazio do ponto de vista político e isso está sendo muito bem aproveitado por estas forças radicais. Muitas das forças mais moderadas, de centro-esquerda e esquerda, não têm um discurso muito dirigido para determinadas franjas da população. E esse vazio está sendo ocupado pelo ponto de vista discursivo extremista. Ventura vem com um discurso de pertencimento, de “antipolítico”, que é um pouco como tem feito [o candidato à prefeitura de São Paulo] Pablo Marçal. Mas se estão a se candidatar a um cargo político, se querem exercer política, como é que o faz sem um pensamento político? É muito mais fácil ter um discurso destrutivo do que uma atitude que se possa discutir quais são as razões efetivas destes problemas, quais são as causas efetivas da inflação, do aumento da habitação. A discussão verdadeira deste tipo de matéria acaba por passar nas entrelinhas. Portanto, é muito mais fácil dizer que a culpa é dos políticos que estão licitados e não fazem nada. E é neste campo, mais uma vez insisto, que a mídia tem uma responsabilidade social e ética muito importante.

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