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28/01/2024 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

O legado musical de três artistas baianos para o Carnaval

Caminhos dessas nobres famílias carnavalescas estão entrelaçados

Anderson do Samba, filho do Neguinho do Samba acompanhado dos seus filhos Luan Logun, 3 e Nilo Bassam, 01 ano
Anderson do Samba, filho do Neguinho do Samba acompanhado dos seus filhos Luan Logun, 3 e Nilo Bassam, 01 ano -

Em 1989, aos nove anos de idade, Anderson Souza fez sua primeira viagem como integrante da Banda Mirim do Olodum. Em sua companhia, estavam também os cantores Jau, Pierre Onassis e Xexéu. O destino era o Rio de Janeiro, onde a deputada federal Benedita da Silva promoveria um evento político. Anderson, naturalmente, não se lembra da natureza do encontro, mas aquele era um ano de intensa mobilização política.

Estava em curso a primeira campanha presidencial democrática após 21 anos de ditadura militar e foi também o ano em que Benedita viajou à África do Sul, junto com outros parlamentares brasileiros, pressionar pela libertação do preso político Nelson Mandela, líder da luta contra o Apartheid.

A viagem aconteceu um ano depois que a canção Protesto do Olodum explodiu no Carnaval baiano, denunciando, entre outras coisas, o regime de Apartheid, que segregava a maioria negra naquele país e que terminaria em 1994.

Protesto do Olodum foi uma das canções emblemáticas da transformação do carnaval baiano na década de 1980 com o surgimento do samba-reggae, ritmo criado pelo pai de Anderson, o icônico Neguinho do Samba, junto com o Olodum, clube e bloco criados em 1979 como opção de lazer para os moradores do Centro Histórico.

"Eu vejo o samba-reggae muito como resistência. Foi uma luta, né? O pessoal do Maciel não tinha acesso aos clubes e blocos de Carnaval. As pessoas queriam sair, por exemplo, nos Internacionais, mas se falassem que moravam no Maciel e Pelourinho, mesmo podendo pagar, o acesso era negado", analisa Anderson, que começou a ser chamado de Anderson do Samba pelo maestro Fred Dantas em 2004, quando integrava a sua orquestra. Mas a utilização formal como nome artístico veio em 2010, após a morte de seu pai. "Uma vez, Carlinhos Brown falou: use Anderson do Samba, é mais artístico, mantém o legado de seu pai", conta o músico.

Anderson é um dos herdeiros musicais da folia, os filhos e netos de grandes artistas que mudaram a forma com que os baianos se relacionam com o Carnaval e que, a seu modo, defendem o legado familiar. Como os irmãos Macedo à frente do Trio Elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar; Davi Moraes puxando a homenagem a Moraes Moreira, difusor do frevo e primeiro cantor de trio; e os descendentes de Batatinha, como o filho Jorge da Penha e o neto Gabriel da Penha, que mantêm acesa a chama do samba na Europa.

Nobres famílias

Os caminhos dessas nobres famílias carnavalescas estão entrelaçados por admiração mútua no presente e parcerias e influências no passado. "Quando meu pai fugiu de casa para morar no Pelourinho, Batatinha morava no Beco do Mota. Ele vivenciou, aos 12, 13 anos, Batatinha tocando com uma caixa de fósforo. Viu Mestre Pastinha tocando berimbau, viu Mestre Pastinha. Tudo isso trouxe vivência", declara Anderson.

Neguinho, que fugiu de casa porque seu pai não o deixava frequentar as escolas de samba, participou dos movimentos que antecederam o samba-reagge, como as próprias escolas de samba e os blocos de índio, outras formas de inclusão da população negra na folia momesca.

"Salvador teve muitas coisas antes que fortaleceram o samba-reggae, até mesmo o Ilê Aiyê. Mas antes teve o Apaches, Ritmistas do Samba, Batatinha, Riachão, Ederaldo Gentil", completa o percussionista, que ainda não sabe se vai tocar neste Carnaval.

Uma das inovações de Neguinho foi a introdução do vime nas baquetas de percussão, na década de 70. Por acaso, ele descobriu que em contato com a água o vime inchava, o que mudava a sonoridade. Nesse momento, ele decidiu também usar duas baquetas, o que contrariava a regra das escolas. "Se você chega no Rio e quer fazer o repique com duas baquetas, isso não é aceito", afirma Anderson.

Um dado interessante sobre Neguinho é que seu pai, que não o deixava participar das escolas de samba quando criança, era ferreiro e construía instrumentos sagrados para diversos terreiros, inclusive o Ilê Axé Jitolú, de Mãe Hilda, o que aproximou Neguinho do Curuzu mesmo antes da criação do Ilê Aiyê.

Sobre a decisão de Neguinho de sair do Olodum para criar a Banda Didá, Anderson declara que seu pai tinha a necessidade de ter seu próprio projeto musical.

Dimensão

Se Neguinho do Samba saiu de casa aos 12 anos para se jogar na música, foi com essa mesma idade que Gabriel da Penha descobriu a dimensão do seu avô Batatinha na música. "Em 2007, quando foi feito o filme sobre ele, com meu pai e meus tios falando de meu avô, é que eu entendi quem ele era", conta Gabriel, que se refere ao documentário Batatinha e o samba oculto da Bahia, dirigido por Pedro Habib.

Produzido dez anos após a morte do sambista, o filme traz depoimentos de Paulinho da Viola, que o coloca no mesmo patamar de Cartola, de Maria Bethânia, Valmir Lima, Nelson Rufino, Edil Pacheco, Édson Sete Cordas e outros bambas da boemia que se reunia no Mercado Modelo para fazer samba. Batatinha, que completaria 100 anos no próximo mês de agosto, foi integrante da escola Ritmistas do Samba, na Ladeira da Preguiça, e era um apaixonado pela folia.

Apesar da fama de estar sempre sorridente e de não perder oportunidade de fazer festa, a melancolia foi uma característica fundamental de sua produção artística, levando para a avenida versos como "É Carnaval, é hora de sambar, peço licença ao sofrimento, depois eu volto pro meu lugar".

O sambista, que durante boa parte da vida teve dois trabalhos para sustentar a família, escreveu em O Inventor do trabalho: "Trabalho dá trabalho demais, e sem ele não se pode viver, mas há tanta gente no mundo que trabalha sem nada obter, somente pra comer".

E ainda sobre desigualdade social, escreveu em O circo: "Todo mundo vai ao circo, menos eu. Como pagar ingresso, se eu não tenho nada? Fico de fora escutando as gargalhadas".

Há um ano na Suíça, Gabriel da Penha reverencia o legado do avô cantando samba em parceria com a cantora Seraina. "Meu avô é uma figura icônica na cultura de Salvador. Aliás, o LP Toalha da saudade deve ser relançado ainda este ano por um pessoal de São Paulo", conta Gabriel.

Já o guitarrista, compositor e cantor Davi Moraes entrou oficialmente para a banda do pai, Moraes Moreira, quando tinha 16 anos. Mas começou a tocar em trio muito mais cedo, com sete, oito anos. "Uma das lembranças que tenho é o pessoal colocando um barril pra que eu subisse, quando o trio estava fazendo a virada no Farol, para que eu ficasse no mesmo nível", conta o músico, que este ano estará outra vez na folia soteropolitana, recebendo convidados para homenagear o pai.

Moraes, que já compôs música lamentando a ausência de Zico no Maracanã e o risco do trio de Armandinho, Dodô e Osmar não desfilar, é uma das faltas mais sentidas no circuito e no ambiente da música em geral. Tanto que foi lançado no dia 19 deste mês pelas mãos de Davi, do baterista Pupillo e do produtor Marcelo Soares o disco Moraes é frevo, da Orquestra Frevo do Mundo, em que nomes como Céu, Lenine, Luiz Caldas e Maria Rita, entre outros, interpretam sucessos do baiano mais pernambucano da história musical.

Davi reforça os laços de amizade existentes entre membros das três famílias ao longo do tempo. "Batatinha e Neguinho do Samba são dois caras muito ligados musicalmente a nós, e eram amigos de meu pai", diz, que conheceu Batatinha pessoalmente em Roma, em 1983, durante o Festival Bahia de Todos-os-Santos.

Neguinho do Samba, por sua vez, fez parceria com Moraes na música Agradeça ao Pelô, um samba-reggae que foi gravado pelo cantor no álbum Terreiro do mundo. E Anderson do Samba, que morou na Itália por 13 anos, também encontrou Davi por lá em um show de Adriana Calcanhotto e os dois ficaram amigos. Sobre o papel desses três ícones baianos, Davi declara: "Eles fizeram história. Chegaram pra acrescentar muito, pra mudar o Carnaval".

Memória do pai

Davi e sua irmã Maria Cecília Moraes, por sinal, têm tido tarefas na preservação da memória do pai. A exposição Mancha de dendê não sai, que esteve em cartaz no Museu de Arte da Bahia, acaba de chegar ao Rio, onde os dois moram. "Minha irmã se encarregou das redes sociais e de subir os arquivos digitais das músicas que estavam faltando", conta Davi.

E o desfile Moraes Carnaval Moreira, que aconteceu em Salvador no ano passado, primeira folia realizada após a morte do cantor, volta este ano. "A música dele continua viva e acesa com o povo baiano e em todo o Brasil. É um cara que já tinha feito uma revolução grande com os Novos Baianos, depois fez outra com Armandinho, Dodô e Osmar e os parceiros que ele foi encontrando ao longo da carreira, como Paulo Leminski, Fausto Nilo e Antônio Risério", cita o músico.

O legado de Moraes inclui ainda a autoria de letras para frevos compostos por Dodô e Osmar, como o enorme sucesso Pombo correio.

O projeto Moraes Carnaval Moreira se apresenta no sábado de Carnaval, no Largo do Pelourinho, e domingo no palco do Rio Vermelho. Segunda-feira, a apresentação ocorre no lugar mais emblemático do Carnaval para os fãs de Moraes, a Praça Castro Alves, com um trio elétrico parado.

A praça do povo também traz lembranças importantes para Davi que, em 1988, com 16 anos, participou do encontro de trios no encerramento do Carnaval. Na terça-feira, o grupo se apresenta no Campo Grande.

Mesmo com o predomínio do pagodão nos últimos anos, em cada ponto do circuito de carnaval, em algum momento os foliões vão lembrar do frevo de Moraes, do samba-reggae de Neguinho ou do samba melancólico de Batatinha. Nem que seja uma tristeza só pelo fim da festa. Assim como a Praça Castro Alves, os grandes artistas que ajudaram a construir essa grande festa são do povo.

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