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"O mundo virou uma mesmice"

Ronaldo Jacobina

Por Ronaldo Jacobina

22/02/2015 - 12:24 h | Atualizada em 24/02/2015 - 10:52
Leo Shehtman
Leo Shehtman -

A partir de abril, o novo showroom da Milano, no Caminho das Árvores, contará, em seu portfólio, com uma linha de móveis criada pelo arquiteto paulista Léo Shehtman, 58. Esta, aliás, não será a única marca que Shehtman deixará na Bahia. Desde o ano passado ele desenvolve obras na Península de Maraú. Para sermos precisos, são duas casas e um condomínio inteiro. Considerado um dos mais bem-sucedidos profissionais de arquitetura do país, sempre gostou de desenhar peças exclusivas para sua sofisticada clientela. Desta, fazem parte artistas como Tony Ramos, Edson Celulari, Gugu Liberato e Claudia Raia. Daí o título, que ele rechaça, de arquiteto das celebridades. Nos últimos anos, Léo, como prefere, tem se dividido entre o escritório que comanda na capital paulista e viagens pelo Brasil e pelo mundo. Seja fazendo palestras, no caso do Brasil, seja para acompanhar seus projetos em lugares como Miami, Milão e Nova York. Dono de um estilo personalíssimo, capaz de ser facilmente identificado por quem acompanha seu trabalho, ele recebeu a equipe da Muito na Milano, Pituba, e contou que volta em abril para lançar o livro que registra seus 35 anos de carreira.

Como você vê o momento da arquitetura hoje no Brasil?

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O brasileiro é criativo e a arquitetura teve grande evolução. Hoje temos mais condições de profissionalizar um número maior de pessoas, o que gera uma concorrência estimulante. Embora se viva uma situação econômica preocupante, o arquiteto brasileiro ainda é um dos melhores do mundo. Veja Niemeyer, por exemplo, que se tornou imortal, referência no mundo inteiro.

Essa crise que se anuncia vai impactar no mercado deste segmento?
Não entendo nada de política, muito menos de economia. Para você ter uma ideia, não sei cobrar - ainda bem que tenho uma pessoa que cuida disso (risos). O que posso dizer é que os clientes têm reclamado muito. No escritório, vejo que o que eu fazia, anos atrás, hoje não consigo fazer mais. Os custos aumentaram, e isso tem que ser repassado ao projeto. Antes, podia trabalhar com profissionais autônomos, hoje tudo é formalizado, e isso é um custo absurdo. Assusta o cliente. Por outro lado, quem nos procura em São Paulo já está num patamar diferente, então intuo que a crise não vai nos afetar.

Vivemos um momento de pouca criatividade, nos mais diversos setores, inclusive na arquitetura, onde tudo parece pasteurizado. É impressão minha?
Sem dúvida. Acho que o mundo virou uma mesmice. Concordo com você. A tendência é cinza, então tudo fica cinza. Até num evento importante, como a Casa Cor, que considero o maior da arquitetura hoje. Não sou melhor que ninguém, pelo amor de Deus, mas procuro desenhar tudo, do buffet à mesa da sala de jantar, enfim, é o que a gente tenta fazer para se diferenciar. Até porque hoje a concorrência é grande e você tem que estar sempre se reinventando. Viajo muito. Agora mesmo, acabei de chegar de uma feira de papéis e tecidos na Alemanha, não é meu ramo específico, mas é estou antenado com tudo que acontece no mundo. Não perco uma feira, um evento, para me inspirar e criar diferenciais. Hoje, com a globalização, você encontra as mesmas coisas em todos os lugares do mundo, está tudo muito igual, pasteurizado.

A que você atribui essa crise de criação?
As pessoas hoje têm mais informação. Por exemplo, lembro que a primeira vez que fui à Feira de Milão, tive a honra de ir com a Olga Krell e, quando voltei, fui convidado a fazer diversas palestras pelo Brasil sobre o que vi. Hoje, para ver novidades, abrimos a internet, está tudo lá. Então, as coisas acabam ficando repetidas. Todos seguem o mesmo.

E o que seus olhos vêm de diferente?
Acho que, no diferente, temos que encaixar o presente, aquilo que vivemos hoje. E há fatores que são fundamentais, como praticidade, tecnologia... O mundo mudou. Não adianta fazer uma casa cheia de linhas douradas, não há mais nem gente para limpar isso. Temos que integrar as necessidades, o que o dia a dia nos pede e, ao mesmo tempo, criar conceitos diferentes. O que era a cozinha antigamente? Era o espaço da casa onde ficavam os empregados, hoje a cozinha está integrada ao espaço social, virou área social. O mesmo acontecia com o quarto da TV, que era aquele bem pequeninho e hoje está integrado a área social, para unir a família que tem muito pouco tempo para se ver.

Você tem uma assinatura forte, a ponto de as pessoas reconhecerem um projeto seu, independentemente de estar sinalizado ou não. Como manter esse traço?
Tenho meu estilo. Não moraria numa casa estilo Luís XV, mas tenho respeito pelo gosto do cliente. O que é um projeto bem-feito? É aquele em que você consegue satisfazer o desejo do cliente. Acabei de fazer a casa de um casal aposentado que conservei diversas peças do acervo deles, móveis, quadros, objetos, são peças que contam a história deles, isso é fundamental manter para que esse casal se sinta bem ali. Não vou fazer uma boiserie rococó, mas uma boiserie chique. Há a minha assinatura ali? Sim. Meu objetivo é orientar, definir, mas não determinar, isso tem que vir do estilo de vida do cliente.

Você é uma estrela da arquitetura nacional, imagino que nem sempre seja possível dar conta da demanda de projetos. Como lida com isso?
Não me considero uma estrela. Sou um profissional bem-sucedido e atribuo isso a sorte, garra e talento. Talento é fazer o que se gosta; garra é acreditar, batalhar; e sorte, graças a Deus, sempre tive. Minha primeira obra foi capa da Casa Claudia. Quanto à demanda, esse é um problema sério. Já perdi obra porque não conseguia acompanhar, e o cliente, insatisfeito, com toda razão, exigia minha presença. Não dá para abraçar o mundo. Hoje, pego um número de clientes a que eu possa dar assistência. Já tive no escritório 50 arquitetos, hoje reduzi para 15. E você quer saber de uma coisa? Às vezes, ganhamos mais com menos obras do que com mais obras.

Você também é conhecido como o arquiteto das celebridades. É difícil trabalhar para artistas? O arquiteto também é um artista vaidoso. Como é essa relação?
(Risos). Sinceramente, precisa ter tato. Lógico que existe todo tipo de artista. O Tony Ramos, por exemplo, é uma das pessoas mais humildes e mais doces com quem já convivi. Ele e a mulher são especiais. A vaidade não é nem culpa do artista, é consequência da profissão. O artista é mimado. Imagine que tenho uma amiga que chega numa loja de sapatos e descem tudo para que ela escolha o que quer levar. Uma vez fui a um restaurante com um artista e, chegando lá, estava lotado. O gerente disse que não podia fazer nada, que teríamos que esperar. Essa pessoa ficou indignada, porque aquela situação, para ela, era irreal. Mas há exceções. Edson Celulari e Claudia Raia, por exemplo. Nos tornamos tão amigos que sou padrinho da filha deles.

Você faz muitas palestras. Quais os temas que hoje despertam o interesse dos arquitetos? O deve ser discutido no meio?
Falo muito sobre tecnologia, mercado de luxo, que é o que atinjo, mas creio que é importante termos como bandeira a sustentabilidade. Veja o caso do uso da lâmpada de LED, que praticamente dominou o mercado, essa foi uma conscientização que veio de forma rápida. Agora, temos que ter uma preocupação com o uso racional da água. Todas as questões que a gente levanta são importantes que sejam discutidas.

Você é muito marqueteiro também?
Sim, claro. Uma vez fiz um salão numa mostra de decoração e levei a Claudia Raia para ser maquiada. Temos que gerar mídia, porque quem não é visto não é lembrado.

Como a casa-bolha que você criou na Casa Cor SP de 2009?
Pois é, eu já surpreendi mais, especialmente nas mostras de decoração, mas tudo é fase. Hoje, continuo tentando me superar, mas criando ambientes mais comerciais.

Você disse que tendência é uma coisa superada, mas sempre surgem novidades. Por exemplo, a laca com brilho, colorida, dominou nos últimos anos, isso é tendência. O que você acha que vem por aí?
Continuo achando que o mais importante é o estilo de vida, mas não há como fechar os olhos para as novidades, que são as apostas do mercado. O brilho já foi. Introduzi o Swarovsky na decoração e sempre gostei muito de brilho, mas tem que ter cuidado para não errar a mão e ficar cafona. As lacas permanecem, mas com cores como vermelho, ferrugem, tons terrosos, tudo fosco.

O que acontecerá com você sem brilho?
(Risos). Eu já comecei a abandoná-lo há algum tempo. Acho que o Swarovsky vai lançar peças foscas também. Comecei reduzindo o brilho do meu guarda-roupa (mais risos).

E o que vai acontecer com as pessoas que apostaram tudo na laca brilhante e colorida? Vão ter que trocar o mobiliário para não ficar datada?
Olhe, eu nunca abusei das cores. Sempre uso essas coisas de tendência como um detalhe, porque decorar é caro e o cliente não tem dinheiro para mudar a decoração de casa a cada três anos. Por isso, eu gosto de usar a madeira nos meus projetos, porque ela é atemporal, é eterna. O ideal, na minha opinião, é fazer um moderno clássico, com peças de design, que nunca ficam ultrapassadas. Não é uma roupa. Por essa razão, acredito que o profissional tem que ter bom senso.

Qual o bolso mínimo que um cliente precisa ter para contratá-lo?
(Risos). Isso é relativo. Preciso ver o espaço e o orçamento para saber se ele é, ou não, suficiente para o projeto. Não engano ninguém. A pior coisa do mundo é dar uma previsão de gastos ao cliente e, no meio do caminho, parar porque ele não tem mais recursos e gastou além do planejado. Projeto inteligente é aquele que consegue atender ao planejamento e orçamento previstos. Claro que isso não é matemático, não é exato, tudo varia de acordo com o que o cliente quer. Uma roupa pode custar de X a Y, você é quem define o quanto vai gastar com ela.

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