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25/08/2024 às 5:00 - há XX semanas | Autor: Pedro Hijo

ABRE ASPAS

“O olhar crítico é o antídoto contra o veneno da extrema direita”

Veja entrevista com o historiador e professor, João Cezar de Castro Rocha

Professor e escritor João Cezar de Castro Rocha
Professor e escritor João Cezar de Castro Rocha -

Para o historiador João Cezar de Castro Rocha, as campanhas eleitorais deste ano têm apresentado com mais força um fenômeno em crescimento nas disputas políticas: a captura da atenção dos eleitores a partir de conteúdos sensacionalistas na internet. Professor de Literatura Comparada, o carioca participou do 20º Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), realizado na Universidade Federal da Bahia (Ufba), na última quinta-feira, 22.

No evento, João Cezar falou sobre os acirramentos político-ideológicos, os movimentos antidemocráticos e os embates eleitorais deste ano, os quais considera um ponto de virada na política brasileira. Autor dos livros Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico e Guerra Cultural e retórica do ódio – Crônicas de um Brasil pós-político.

João Cezar conversou com A TARDE sobre a construção do discurso odioso promovido pelo bolsonarismo e como o movimento ganhou força na Bahia por meio de valores compartilhados no estado antes mesmo de Jair Bolsonaro chegar à presidência do país, em 2019. Segundo o professor, o movimento “triunfou” apesar da derrota do político nas eleições presidenciais de 2022. “Como movimento político de extrema direita, o bolsonarismo traduz uma série de características da formação social brasileira”, afirma.

Como o senhor avalia a relação dos valores ligados ao bolsonarismo com a Bahia?

As principais características do bolsonarismo não são exatamente novas no Brasil e muito menos na Bahia. Essas características dizem respeito à formação social brasileira. Porque, em alguma medida, o Brasil começou aqui, na Bahia, e com isso surgiram também valores que são bases da nossa sociedade. Como um racismo grave e dissimulado, por exemplo, e uma misoginia que é constitutiva da sociabilidade brasileira. Vivemos numa sociedade profundamente hierárquica e desigual, com uma elite que desde sempre foi predatória.

Quando se reúne esses fatores, é possível entender facilmente que um movimento conservador, mesmo reacionário como o bolsonarismo, possui uma aderência muito grande na sociedade. Em 2022, o grande derrotado das eleições foi Jair Messias Bolsonaro (PL). Ele é o único presidente da Nova República que, estando no cargo, não se reelegeu. Mas, do ponto de vista político partidário, o bolsonarismo triunfou. Porque como movimento político de extrema direita, o bolsonarismo traduz uma série de características da formação social brasileira. E para que o movimento pudesse se fortalecer, Bolsonaro precisou desaparecer como figura pública.

Como o senhor explica o fortalecimento do bolsonarismo após a derrota do ex-presidente em 2022?

A chave para compreender o Brasil de hoje é fazer uma distinção. Em 2018, Bolsonaro foi o maior fenômeno político da Nova República. Ele produziu um tsunami que nenhum outro político fez na Nova República. Bolsonaro não apenas se elegeu com uma larga vantagem em relação ao [então candidato à presidência pelo PT] Fernando Haddad no segundo turno. Ele elegeu um sem fim de deputados estaduais, deputados federais, governadores e senadores em todo o Brasil. Bolsonaro puxou essas pessoas.

Em 2022, Bolsonaro chegou ao segundo turno porque foi empurrado pelo bolsonarismo, isto é, empurrado por uma série de características da formação social brasileira que representam o que nós temos de pior: racismo, misoginia, homofobia, desigualdade, hierarquia rígida. Foram esses fatores que empurraram Bolsonaro para o segundo turno. Ele perdeu a eleição, na ocasião, mas esse não foi o fim do movimento. Porque surgirão outros. E o pior: os que surgirem apenas sobreviverão se forem mais radicais do que Bolsonaro.

É caso do coach e influenciador digital Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, por exemplo?

Sim. E certamente na Bahia há casos similares. Bolsonaro, em 2018, tinha uma estratégia muito inteligente de campanha política e assumiu aquela pulsão antissistêmica daquele momento. Nessa situação, nós estávamos no terreno da guerra cultural, que é uma estratégia que foi utilizada com grande maestria pela extrema direita transnacional, e por Bolsonaro em particular, muito alavancada em 2018 pelas estratégias das redes sociais.

Na guerra cultural, o que se trata é da produção contínua de narrativas que partem de fake news e teorias conspiratórias para gerar uma situação de medo, pânico social, que geralmente tem como resultado o ódio. A guerra cultural hiperpolitiza o cotidiano para despolitizar a polis.

Numa situação hipotética, é como se a simples escolha de qual cor de roupa usar, qual música ouvir, qual cerveja tomar, definisse se você é petista ou bolsonarista. Isso é só comparável na vida brasileira a discussões de futebol. O Ba-Vi de hoje não é mais do futebol, transferiu-se para a política. Mas quando se hiperpolitiza o cotidiano, também se retira da polis a discussão propriamente política, a discussão de projetos, de visão de país. O que eu vejo é que nas eleições deste ano há um fenômeno novo. A Economia da Atenção tenta colonizar a política e é o que predomina nas redes sociais.

O que é a Economia da Atenção?

É um conceito que foi criado em 1971 pelo psicólogo e economista americano Herbert Simon. O ponto é que, para ele, só faz sentido pensar em economia se houver escassez. Na Economia da Atenção, o que falta é a própria atenção. Nenhum de nós consegue focar em diversas coisas ao mesmo tempo. Nenhum de nós pode aprender tudo o tempo todo porque a cognição humana tem limites. A Economia da Atenção, portanto, é uma série de estratégias que as pessoas usam para, nas redes sociais, tornarem-se visíveis e audíveis.

Como isso é feito na prática?

É preciso gritar mais alto que todo mundo. O sujeito faz gestos absurdos, comportamentos excêntricos, xinga pessoas, publica um vídeo num restaurante jogando o prato no chão. Isso captura a atenção das pessoas e gera dinheiro por meio das visualizações.

O que está acontecendo nas eleições deste ano, tendo Pablo Marçal como ponta de lança do fenômeno, é a tentativa de colonizar a política por meio da Economia da Atenção. No primeiro debate entre candidatos para a prefeitura de São Paulo, por exemplo, ele insinuou que um candidato era cocainômano, fez um gesto como se estivesse aspirando cocaína. Rompeu com todas as regras possíveis do Código Eleitoral.

As multas para esse comportamento são irrisórias e ele pode pagar. Mas, em 24 horas, o vídeo da participação dele obteve 57 milhões de visualizações. As eleições deste ano são um ponto de virada na política brasileira. Isso é muito sério porque a consequência é a destruição de qualquer possibilidade de polis. Não pode haver nenhuma possibilidade de política se eu entro num jogo eleitoral com a finalidade de desrespeitar as regras.

As guerras culturais no Brasil são um fenômeno isolado ou fazem parte de uma tendência que pode ser observada em outros países?

Acontece em todo o mundo e não começou no Brasil. Há técnicas utilizadas pelos bolsonaristas que foram desenhadas pelo Steve Bannon [ideólogo político e ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump]. Eduardo Bolsonaro [deputado federal pelo PL e filho de Jair Bolsonaro] tem um contato estreito com ele.

Antes de ser preso, Bannon criou um movimento com a finalidade de reunir jovens lideranças da extrema direita para compartilhar estratégias para chegar ao poder. Entre as estratégias estava a utilização das redes sociais a favor do escândalo, para criar inimigos imaginários como a ideologia de gênero, o marxismo cultural, o comunismo...

Sem inimigo imaginário, você não sustenta a retórica do ódio, que é a linguagem dominante da extrema direita e que sempre implica homofobia, misoginia e racismo. Então, esse é um fenômeno transnacional. Mas, há um aspecto que existe apenas no Brasil e é assustador: a memória mal resolvida da Ditadura Militar. Esse é um verdadeiro vírus. A força do militarismo na sociedade brasileira caminha ao lado do crescimento da extrema direita e do recrudescimento de valores conservadores. O governo Bolsonaro teve mais militares do que durante toda a Ditadura Militar.

Qual é o papel da mídia e das redes sociais na ampliação ou na mitigação da Economia da Atenção?

A mídia tradicional precisa assumir com coragem a tarefa histórica de recolocar a importância fundamental da verdade factual. Isso é algo que não podemos contestar. Mas, o interesse da extrema direita é que não haja nenhuma verdade factual, de modo que seja possível naturalizar o absurdo. Porque o olhar crítico é o antídoto contra o veneno da extrema direita.

A tarefa da imprensa tradicional e da universidade é defender a verdade que não pode ser questionada. Não como uma verdade absoluta, mas como um mínimo denominador comum, sem o qual não há diálogo. Veja, objetivamente, morreram no Brasil 700 mil pessoas na crise da Covid-19.

Entre elas, segundo estudos sérios feitos por instituições independentes, cerca de 350 mil pessoas não precisavam ter morrido se tivéssemos uma saúde pública responsável, o que não tivemos devido à política criminosa de saúde pública do Bolsonaro. Então, você até pode ser bolsonarista, mas você não pode negar que houve 700 mil mortes.

E quem assegura essa verdade no cotidiano? O jornalismo. Se um jornalista vai entrevistar Pablo Marçal, ele não pode permitir que o candidato faça os mesmos absurdos que faz nos debates. É preciso confrontá-lo com provas e documentos. Essa atitude é uma forma de começar a superar a Economia da Atenção e o avanço transnacional da extrema direita. É por isso que a extrema direita tem dois alvos preferenciais: a imprensa livre e a universidade.

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