AUGUSTO MODESTO
O robô não faz nada sozinho, sem que o cirurgião comande
Médico urologista e presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU-BA) fala sobre a tecnologia
Por Gilson Jorge
Desde que o primeiro robô Da Vinci da Bahia chegou em 2019, no Hospital Santa Izabel, já foram feitas 931 cirurgias robóticas no estado, que conta com outras duas plataformas iguais, uma no Hospital São Rafael e outro no Aliança, ambos da Rede D'Or. Até recentemente, o treinamento e certificação dos médicos interessados em trabalhar com o equipamento estava exclusivamente a cargo do fabricante, que cobrava uma taxa de US$ 5 mil de cada profissional, e além do dinheiro precisava ser indicado pelo hospital para poder aprender a usar o equipamento. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina está facilitando o acesso dos médicos à nova tecnologia. As próprias associações de classe vão se encarregar de certificar o treinamento dos médicos, que já começou a ser feito nos hospitais, sem cobrança de taxas. A urologia é uma das especialidades médicas que mais recorrem às cirurgias robóticas. Por isso, A TARDE entrevistou o médico urologista e presidente da Sociedade Brasileira de Urologia na Bahia (SBU-BA), Augusto Modesto, para tratar do impacto dessa novidade no setor privado de saúde.
O que muda exatamente com o treinamento dos médicos para operação dos robôs sendo feito pelas entidades de classe?
A primeira plataforma cirúrgica robótica do Brasil foi instalada em 2008, no Hospital Albert Einstein (São Paulo). Ao longo desses 14 anos, a empresa que produz o robô, a Da Vinci, instituiu o programa para o médico fazer um treinamento e obter um certificado. Para o médico realizar esse treinamento, teria que ser indicado por alguém de um hospital que tivesse o robô ou um simulador. Depois do treinamento, o médico fazia a prova e pagava uma taxa à empresa, que na época custava em torno de US$ 5 mil. Desde 2019, outros hospitais começaram a ter o seu próprio treinamento, em conjunto com as sociedades de classe médicas. Aí entrou a Sociedade Brasileira de Urologia, que fez um trabalho primoroso junto à Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina. As associações se uniram para criar um programa de certificação para que os hospitais treinem e certifiquem os médicos. As grandes redes de hospitais e convênios de todo o Brasil começaram a ter os seus próprios programas e os médicos deixaram de pagar as taxas à empresa que produz o robô. Nesse processo, este ano saiu uma resolução do CFM em que se começa a certificar os médicos que fizeram o treinamento. Por exemplo, um médico da Rede D'Or no Rio de Janeiro ou em Salvador que fez esse treinamento vai ter em seu certificado os carimbos do CFM e da AMB atestando que ele está pleno para exercer a cirurgia robótica. O que mudou foi exatamente isso. A gente tirou da empresa que produz o robô e trouxe para as sociedades que representam nossa classe.
Quais os requisitos para fazer o treinamento?
Quem tiver interesse em fazer o treinamento e certificação precisa cumprir alguns pré-requisitos. É necessário passar por 40 horas de treinamento em um simulador, acompanhar entre 10 e 15 cirurgias robóticas e o hospital tem que dar a validação. Isso foi uma vitória nossa. Desde 2014 já se falava nisso, e agora estamos democratizando o treinamento para a cirurgia robótica. Pelo menos no campo da urologia.
Já há um prazo?
A SBU começou a certificar os centros formadores de São Paulo. Ainda não temos um prazo para a Bahia, mas aqui temos os hospitais da Rede D'Or (São Rafael e Aliança) e o Santa Izabel, que passarão por uma vistoria e se estiverem dentro dos conformes vão receber o selo de Centro Formador. A resolução saiu em março e agora uma comissão da SBU está fazendo as vistorias. Eu represento a seccional Bahia da SBU e, junto com a nacional, estamos nesse movimento. O Hospital Mater Dei (Lucaia, Chapada do Rio Vermelho) deve ser inaugurado também com uma plataforma dessas (o robô). Não sei se vai inaugurar com funcionamento pleno, mas também deve ser um centro certificador.
De qualquer forma, os primeiros médicos a aderir ao treinamento tiveram que pagar uma taxa de US$ 5 mil. Houve reclamações?
Não. Esse é um processo natural. Quando uma tecnologia é descoberta sempre há um médico pioneiro. Aqui na Bahia, no princípio, houve alguns urologistas que começaram a levar seus pacientes para São Paulo em 2015, quando ainda não havia plataformas aqui. O nosso grupo URO+ (grupo de médicos da urologia avançada) foi o primeiro a levar pacientes para lá, até que viessem plataformas para Salvador
A Urologia é uma das especialidades que mais utilizam cirurgias robóticas. Quais as vantagens?
Na verdade, a cirurgia robótica é um aperfeiçoamento da laparoscopia [cirurgia abdominal pouco invasiva em que se fazem pequenos cortes e utiliza-se uma microcâmera, o laparoscópio]. Ao longo dos anos, existiu uma migração natural da cirurgia aberta para a laparoscopia. Antigamente, a retirada de vesícula, por exemplo, era feita por cirurgia aberta. Há 30 anos, começou-se a desenvolver a laparoscopia. A retirada de vesícula e, depois, as cirurgias em geral, foram ficando cada vez menos invasivas. À medida em que a cirurgia robótica for ficando mais acessível, a laparoscopia vai perder espaço. Sobre as vantagens, é preciso esclarecer que o robô não faz nada sozinho, sem que o cirurgião comande. Caso o médico retire o rosto do console, o robô bloqueia seus movimentos. Todo movimento que o robô fizer na barriga do paciente vem do comando de um joystick. O cirurgião trabalha sentado. Outro ponto importante é a visão tridimensional que o robô oferece. Além de tamanho e altura, há visão de profundidade, o que é muito importante no caso da próstata. Além disso, os robôs são articulados, giram 360°. Minha mão gira no máximo 260°. Os robôs também fazem filtro de movimentos. Caso a mão do cirurgião trema, o movimento comandado por ele vai chegar lá na ponta, na barriga do paciente, sem tremor. E o cirurgião vai estar sempre acompanhado de um médico mais experiente. É uma tecnologia que não tem volta. Esse ano chegam ao Brasil outras duas marcas de robôs para cirurgia. Hoje, em todo o país, há 85 plataformas.
Em termos clínicos, a operação robótica tem vantagens comprovadas?
Quando o homem recebe o diagnóstico de câncer de próstata, seus dois principais temores são a impotência sexual e a incontinência urinária, ter que usar fraldas. Isso ocorre. A incontinência urinária pode acontecer em 5% a 15% dos casos. A impotência ocorre entre 30% a 40% dos casos. Com o advento do robô, a ideia é que isso melhore. Na nossa prática clínica, a gente vê melhora nos dois casos, só que os estudos estão saindo ainda. Não há resultados conclusivos mostrando evidências científicas a favor do robô. Tem um estudo do Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) sobre impotência, comparando a cirurgia aberta e a laparoscopia com a robótica, cujos resultados devem ser divulgados nos próximos dois ou três meses, no máximo. E existem estudos publicados sobre a incontinência que mostram uma recuperação precoce de pacientes submetidos a cirurgias robóticas quando comparados a pessoas que passaram por cirurgias abertas ou laparoscopia. Existe um ganho na recuperação, principalmente, nos três primeiros meses após a cirurgia robótica.
Os usuários do SUS que precisem fazer cirurgia de rim, bexiga, próstata podem sonhar com a possibilidade de usar esse tratamento robótico?
A SBU entrou com um processo para que as novas tecnologias cheguem ao Sistema Único de Saúde, até mesmo para o treinamento dos novos residentes, os urologistas do futuro. Mas o Ministério da Saúde não deu parecer positivo. Estamos tentando que os hospitais de referência, como o Aristides Maltez, recebam os robôs em forma de comodato e o Ministério da Saúde custeie as pinças que são muito caras e precisam ser trocadas depois de usadas por dez vezes. Eu inclusive sou coordenador de Urologia no Aristides Maltez. A ideia é pegar esses hospitais de referência em todo o país para que as empresas emprestem os robôs. Existe um braço de novas tecnologias do Ministério da Saúde, o Conitec, que está estudando essa possibilidade e tentando viabilizar. Mas a gente não ganhou nada ainda.
Quanto custa um robô e por quanto sai a operação robótica para o paciente?
O preço do robô estava girando em torno de US$ 2,5 milhões, US$ 3 milhões (entre R$ 12 mi e R$ 14 mi). O paciente tem que pagar uma taxa que varia de R$ 5 mil a R$ 40 mil pelo uso do robô, além de pagar os honorários médicos de toda a equipe. Aqui na Bahia, um paciente que vá fazer operação robótica de próstata, por exemplo, pode chegar a gastar entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. Se ele tiver convênio, pode gastar entre R$ 15 a R$ 30 mil. Nós estamos trabalhando para que a ANS (Agência Nacional de Saúde) libere a cobertura dos planos de saúde.
Todos os anos temos a campanha do Novembro Azul, voltada para a prevenção do câncer de próstata. Essas ações trazem resultados efetivos?
Claro que em toda campanha você tem uma demanda maior. Tem o paciente que nunca foi ao urologista e vai. Ao longo dos últimos anos, sempre em novembro o número de consultas aumenta. Os homens começam a marcar porque há campanha em todo o Brasil. As próprias clínicas fazem suas campanhas. Mas o que temos trabalhado na SBU, nos últimos seis anos, é que não tem que pensar o Novembro Azul apenas como prevenção ao câncer de próstata, mas promoção da saúde masculina como um todo. Não tem só a ver com urologia. Pegar o homem que ganhou peso, trabalhar a obesidade para não ter que lá na frente fazer uma cirurgia. Quem tem diabetes, hipertensão. Quem fuma e tem problemas de bronquite. Dentro da urologia, quem tem infertilidade, disfunção erétil. Quem tem próstata grande. Fazer prevenção não só do câncer de próstata, mas de rim, bexiga, testículo, pênis. Na Bahia, infelizmente, isso é recorrente. São mais de 60 amputações de pênis por ano no estado. Só no Aristides Maltez, são 35 por ano.
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