CRÔNICA
O tato, o toque e a tecnologia
Confira a crônica de Luisa Sá Lasserre
Por LUISA SÁ LASSERRE
Uma exposição sem quadros ou esculturas. Apenas computador, controle e óculos de realidade virtual. A experiência é imersiva e digital; de dentro do museu, você é transportado para a floresta - a Floresta Encantada, assinada pelo duo de artistas que se apresentam como VJ Suave. Levamos nossos filhos para visitar a tal mostra sensorial, mas quem saiu de lá com ela na cabeça fui eu.
Coloquei os óculos/capacete e atravessei o portal. Me vi em meio a uma clareira cercada pela mata, com uma fogueira no centro e alguns personagens ao redor. O ambiente era colorido, pixelizado, similar a um game. Lá você consegue andar e até pegar objetos com as mãos.
Não sou entusiasta, mas achei interessante a sensação de me transportar para outro ambiente espacial, tendo uma visão 360º e podendo me mover para um lado e outro; dá até pra ficar meio zonza, se não for devagar na primeira vez. Você olha o céu, toca um tambor, um chocalho, acaricia uma onça. Sim, você pode "tocar" (ou simular), só não consegue sentir.
Do que a tecnologia é capaz, temos visto. Já são muitas as aplicações e mais ainda as promessas de automação, computação espacial, inteligência artificial. Mas, e do que a tecnologia ainda não é capaz? Fiquei pensando no tato, um dos nossos sentidos mais incríveis, através do qual somos capazes de sentir e perceber o mundo de forma ampla, os objetos, suas texturas, temperaturas, até mesmo o prazer e a dor.
Andei lendo que por aí já estão desenvolvendo luvas capazes de transmitir sensações táteis para o cérebro durante o uso da realidade virtual. Podem servir a entretenimento e jogos, mas acredita-se que também a telecirurgias, desarmamento remoto de bombas e exploração espacial. Ainda não foi o caso da exposição. A tal experiência imersiva não é completa.
Será um dia? Ainda que usemos luvas com sensores táteis que nos permitam sentir os elementos presentes no ambiente digital, elas vão conseguir nos dar a mesma sensação de liso e rugoso, quente e frio, pesado e leve? E de dor e prazer? Talvez. Ainda não sabemos de tudo que a tecnologia é capaz. Mas, afinal, tais sensações serão reais ou apenas forjadas em nossa mente? Aí já são outros quinhentos.
Seja como for ou lhe parecer, vou lhe dizer… não acredito que haja nada igual ao que temos por aqui. Detalhes como sentir as pequenas ranhuras da mesa de madeira e a porcelana quente da xícara de café, com as próprias mãos ou o roçar dos braços, fazem a diferença não só na percepção de mundo, mas na nossa experiência humana de forma mais profunda.
Não é só o tato, é o toque. É disso, por exemplo, que o bebê recém-nascido precisa para se desenvolver. Precisa ser carregado, acalentado. Precisa apoiar a mãozinha no seio da mãe, enquanto suga, sentindo todo o calor que vem dela. Com o toque vem também o afeto. É através deste sentido - que não se vincula a apenas uma parte específica, mas ao corpo todo - que conseguimos expressar e sentir amor.
E a palavra vai além. É preciso tato pra tocar e sentir, assim como é preciso tato na hora de ter aquela conversa difícil com quem está resistente a lhe ouvir. Com mais tato ao abordar determinado assunto, você é capaz de sentir o outro e falar de um jeito melhor. Para além de todas as tecnologias e avanços do mundo digital, creio que temos mesmo é que aguçar nossos sentidos para tatear o caminho de volta a nós mesmos.
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