PERFIL
Ordep Serra lança novo livro no dia 25 de setembro
Conheça a trajetória do antropólogo Ordep Serra
Por Pedro Hijo
Algo chamou a atenção do antropólogo Ordep Serra no primeiro dia em que ele se tornou membro da Academia de Letras da Bahia (ALB), há dez anos: a falta de diversidade étnica e de gênero na instituição. "Não tinha uma imagem exposta de uma pessoa negra e quase nenhuma de autoras mulheres", conta. Escritor e professor, o baiano foi empossado como presidente da Academia em 2021 e, desde então, tem unido forças para instaurar uma cultura de inclusão na ALB. "Qualquer academia que queira virar uma torre de marfim afastada do povo vai desaparecer rapidamente", diz.
Nascido há 81 anos na cidade de Cachoeira, na Bahia, berço das lutas armadas contra os portugueses pela Independência do Brasil, Ordep tinha em casa o exemplo de que os livros são necessidade básica. No vilarejo em que morava, ele não tinha acesso à luz elétrica ou água encanada, mas recorria a uma pequena biblioteca montada pelos pais dentro de casa. Filho de uma poeta, o baiano conta que a preservação da cultura e das artes faz parte da vida dele. “Combater o racismo e o fascismo é da minha natureza, essa é a minha maior realização”.
Jovem, Ordep se mudou para Salvador onde aprendeu a falar latim e grego. “Eu circulava muito pela Ufba [Universidade Federal da Bahia], assistia a concertos, espetáculos de teatro, era um tempo em que Glauber Rocha estava filmando”, conta. “Salvador se tornou uma espécie de vanguarda cultural no Brasil e isso influenciou muito a minha carreira”.
No início da década de 1960, em Brasília, Ordep se formou em Letras e sofreu as consequências da repressão da Ditadura Militar. Contrário ao regime autoritário, o professor se fazia presente em passeatas e movimentos de contestação. “Por causa disso, eu sofri uma expulsão branca”, lembra, se referindo a comportamentos racistas dentro do ambiente universitário. Teve a matrícula cancelada e a bolsa de mestrado cortada sem mais explicações. “Daí, tive que voltar para Salvador”.
Na capital baiana, mergulhou na antropologia e começou a carreira de escritor. Ao todo, são mais de 30 livros publicados. “Já perdi as contas de quantos livros escrevi”, diz. O mais novo será lançado na próxima quarta-feira, 25, no Palacete Góes Calmon, sede da ALB. O livro Heidegger na caverna levanta questões relacionadas ao filósofo alemão Martin Heidegger e trata sobre os discursos nazistas presentes no texto do estudioso. “Faz sentido escrever sobre esses assuntos em um momento de avanço da extrema direita no Brasil”, pontua.
De acordo com o antropólogo Carlos Caroso, amigo de Ordep, a trajetória do baiano sempre foi marcada pela militância a favor de grupos sociais discriminados. “Desde que Ordep ingressou na ALB, ele vem lutando por profundas mudanças, buscando democratizar a gestão e valorizar grupos sociais excluídos do ambiente intelectual”, ratifica.
Mudança
Na prática, Ordep traçou três objetivos a serem alcançados durante a gestão como presidente: a defesa do patrimônio, a valorização de diferentes potencialidades e a inclusão. Para cumprir a primeira meta, ele solicitou o tombamento do casarão onde está instalada a ALB, por meio da Fundação Gregório de Matos (FGM). O Palacete Góes Calmon já foi sede do Museu de Arte da Bahia e residência da família do governador Francisco Marques de Góes Calmon, que assumiu a pasta de 1924 a 1928.
Em 2022, o palacete recebeu título de tombamento provisório pela FGM e o processo aguarda finalização por meio do Estado e município. “Além da historicidade, há uma riqueza material no nosso acervo, que possui obras raras. E, não esqueçamos que o local tem sido palco de grandes realizações das culturas baianas e brasileiras", diz Ordep.
O antropólogo conta que no começo da gestão encontrou painéis de azulejo português do século 18 deteriorados na ALB. O restauro só foi possível por meio de um edital da FGM, há dois anos. Atualmente, o presidente se divide entre reuniões com bancos e empresas para conseguir recursos para realizar intervenções e reformas no prédio. “Estou batendo em tudo quanto é porta”.
Outro objetivo da gestão do presidente é explorar o que ele chama de transversalidade. “Quando a gente fala ‘Academia de Letras’, todo mundo pensa que são só escritores que estão lá, mas temos uma grande variedade de pessoas de diversas áreas”, conta Ordep, lembrando do compositor Paulo Costa Lima, da cantora Maria Bethânia e da dramaturga Cleise Mendes.
Para Ordep, é importante que essas linguagens conversem “porque não há literatura que não reflita o que se passa em outras artes e na ciência”. Um importante passo foi a associação com artistas baianos para criar um novo acervo na academia.
Entre as obras, estão um busto da heroína da Independência do Brasil na Bahia, Maria Felipa, e um quadro com uma fotografia da ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, feita por Mario Cravo Neto. “Quero todas as linguagens vivendo dentro da Academia, quero que seja um lugar de portas abertas para o povo todo”, diz.
O vice-presidente da ALB, Marcus Vinicius Rodrigues, conta que o impacto das ações de Ordep é grande na alteração da realidade da instituição. “Antes dele, a academia era fechada e elitista. Vivemos, finalmente, de verdade, um novo momento”, conta.
Ele destaca que, com a nova gestão, a Academia tem apostado na presença digital. A ALB oferece conteúdo gratuito por meio dos canais do YouTube e Instagram, além de um programa no canal TV Alba. Além disso, a Academia realiza oficinas de escrita para novos autores. "O que é radicalmente inovador na Academia de Letras da Bahia surgiu da cabeça de Ordep Serra. Se tem um sopro de juventude na ALB, vem dele", afirma.
Uma das ações da equipe para ampliar a diversidade discursiva da instituição foi criar seminários que exploram temas que antes eram invisibilizados pela Academia. As comunidades índigena e quilombola, assim como os movimentos feminista e LGBT, passaram a participar da pauta frequente de seminários da ALB.
A Academia também firmou uma parceria com a Periferia Brasileira de Letras, rede composta por coletivos literários que atuam em territórios de alta vulnerabilidade social. Com prazo de encerramento para março do ano que vem, a gestão de Ordep deixa um legado que ainda deve continuar ecoando, de acordo com o vice-presidente da instituição. "No futuro, quando falarem da história da Academia de Letras da Bahia, vão olhar para esse momento e dizer que, nesta gestão, houve uma revolução na maneira de fazer as coisas", diz Marcus Vinicius.
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