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Orgulho em campo: a diversidade no futebol baiano

Bandeira LGBTQIAPN+ ganha espaço nos estádio

Por Pedro Hijo

23/06/2024 - 6:00 h
Onã Rudá
Onã Rudá -

Depois de cinco anos, Bahia e Vitória voltaram a se enfrentar na primeira divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Com esse confronto, em abril, os dois já disputaram cinco partidas em 2024. A rivalidade clássica entre os clubes somada aos desempenhos opostos dos dois no Brasileirão, com o Bahia entre os primeiros colocados e o Vitória entre os últimos, tem fomentado ainda mais as conversas e provocações sobre futebol entre os baianos.

Seja nos estádios ou nas ruas, com familiares ou amigos, entre aliados ou rivais de torcida, uma característica se repete com frequência nessas dinâmicas: a LGBTfobia. Às vésperas do Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, nesta sexta-feira, 28, torcedores do Bahia e do Vitória relatam em que pé está a luta por diversidade nas arquibancadas da Arena Fonte Nova e do Estádio Manoel Barradas, o Barradão.

Fundador da torcida LGBTQIAPN+ do Bahia, LGBTricolor, o comunicador Onã Rudá afirma que a relação entre o coletivo e o clube é tão positiva que tem se tornado exemplo para outros grupos semelhantes pelo país. “Não existe no Brasil, na América Latina e na maioria dos países do mundo, um exemplo como esse que a gente tem aqui no Bahia. Simplesmente, não existe”, diz Onã.

Com 700 integrantes, a LBGTricolor se tornou modelo para outras torcidas, mas o comunicador conta que, quando fundou o grupo, em 2019, teve dificuldade para consolidar o coletivo. “O desafio era convencer as pessoas de que era possível existir essa torcida. Ter um formato diferente, com uma comunidade que sofre de vulnerabilidade social”.

Bandeiras

A ideia para a fundação do grupo surgiu de uma ação do próprio Bahia, que, naquele ano, lançou uma camisa com a bandeira LGBTQIAPN+. “É a primeira peça de um clube de futebol sobre essa temática”, diz Onã. “Lancei o grupo na segunda campanha do Bahia, a Levante a Bandeira”. A proposta, que tem se repetido neste mês, é colocar bandeiras LGBTs no campo.

“O principal objetivo da torcida LGBTricolor é aproximar do Bahia as pessoas LGBTQIAPN+ a partir de uma percepção que esse também é um lugar nosso”, afirma o ativista. “A gente também quer vivenciar esse que é um esporte que se traduz no dia a dia do povo brasileiro como um traço de identidade”.

Após ocupar espaço nas arquibancadas do Bahia, a meta, diz Onã, foi levar o ativismo para fora da arena, em especial para a internet. “Nós transformamos tudo isso em mecanismos que a gente oferece para outros clubes”, destaca o dirigente da torcida, que é diretor do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ, que reúne grupos de todo o país.

Em contato com dirigentes de torcidas de outros times, Onã revela que há líderes desses grupos sofrendo ameaças de torcedores. Para ele, o trabalho da LGBTricolor é “desbravador”: “A gente contribui mostrando que há um caminho de inclusão a ser feito, e que esse caminho, quando bem trilhado, tem boas consequências”.

Torcidas de times como Santos, Palmeiras, Vasco, Botafogo e Flamengo fazem parte do coletivo nacional. Entre as ações estão a criação de documentos de defesa da comunidade nos clubes, denúncias de casos de LGBTfobia para tribunais desportivos e monitoramento de casos de discriminação dentro e fora de campo.

Onã ressalta que os clubes devem se responsabilizar pela promoção da diversidade nos estádios e arenas. “Precisam atuar de forma objetiva e trabalhar com suas torcidas”. Ele também demanda mais políticas favoráveis à comunidade por parte do governo do estado e da Federação Baiana de Futebol.

Do outro lado do BA-VI, o fundador da torcida LGBTQIAPN+ do Vitória, Orgulho Rubro-Negro, o publicitário Roberto Junior elogia as conquistas do grupo de Onã. “Em relação a algumas questões, conseguimos avançar, mas o Vitória ainda está defasado em comparação a outros clubes no Brasil, como o Cruzeiro, o Paysandu e o Bahia”, avalia Roberto.

Esse tipo de coisa

O Orgulho Rubro-Negro foi criado em 2019 como uma torcida virtual e, atualmente, soma 287 torcedores cadastrados. Roberto conta que, até o ano passado, o contato com o time foi “difícil”. “Sofremos retaliações do próprio clube, nos disseram que no Vitória ‘não tinha esse tipo de coisa’”. Mas, em 2023, o grupo conseguiu articular uma reunião com diretores e conselheiros do clube.

“A partir disso, conseguimos ter uma reunião lá dentro, com diretores. Levamos algumas pautas, como uso de uma faixa de capitão com as cores do orgulho e publicação nas redes sociais sobre a pauta LGBT”, diz o publicitário. O perfil do clube segue o do Orgulho Rubro-Negro no Instagram e o Vitória já ofereceu ingressos para jogos para o grupo sortear entre os integrantes.

Com as entradas, torcedores LGBTQIAPN+ que se sentiam desconfortáveis no estádio deram uma chance e foram ao Barradão. “Eles viveram bons momentos”, diz Roberto. Com o respaldo do clube, os torcedores têm se sentido mais seguros no local e, até agora, não houve registro de LGBTfobia contra os torcedores vestidos com a camisa do grupo.

Apesar da aproximação entre a torcida e o clube, o grupo ainda espera mais dos responsáveis pelo time. “O Vitória soltou um card contra a LGBTfobia nas redes sociais, mas sem a identidade visual do clube, o que me deu a sensação de que foi só para dizer que fez”, opina o publicitário. “O Vitória avançou alguns passos, mas a torcida acredita que pode ser melhor”.

Entre as propostas do Orgulho Rubro-Negro estão caravanas de torcedores para o estádio e curso de letramento LGBTQIAPN+ para atletas, funcionários e membros da torcida. Para responder as críticas e demandas expostas por Roberto, a reportagem entrou em contato com o Vitória, que, até o fechamento desta reportagem, não respondeu.

Outra demanda do grupo é que o clube se pronuncie contra cânticos homofóbicos no Barradão e a LGBTfobia sofrida pelo grupo nas redes sociais. Roberto conta que, nos primeiros anos da torcida, um dos fundadores do Orgulho Rubro-Negro recebeu ameaça de morte e o grupo no WhatsApp do coletivo sofreu ofensas LGBTfóbicas de invasores.

Atleta e coordenadora de futebol, Lívia Ferreira acredita que clubes e federações devem ser responsabilizados quando acontecerem episódios de LGBTfobia no futebol. “Tem que parar o jogo, o jogador precisa falar sobre a importância do respeito à diversidade”, cobra. “O espaço do estádio é também um espaço de educação”.

Membro da LGBTricolor, Lívia lembra de uma das ações do Bahia que levou ao campo uma faixa com os dizeres: “Futebol de todes, aqui não tem espaço para homofobia”. “Aquele momento foi muito importante, mas eu acho que a federação poderia ser mais parceira e as torcidas poderiam ser mais acolhedoras”, pondera.

Inclusão

Amante do futebol desde criança, o agente de viagens baiano Elivelton Brandão sempre gostou de sair das arquibancadas para as quadras. Na prática do esporte, costumava chamar amigos que também são gays para jogar. “Eu percebi que eles não lidavam tão bem com as questões LGBTfóbicas que existem nesse meio e acabavam desistindo de jogar”, conta.

A solução foi criar um clube mais inclusivo. Em 2017, Elivelton se juntou aos amigos Robson Alves e Wellington Souza e formou o Dendê Futebol Clube. “Não somos um time exclusivamente gay. Temos jogadores bissexuais, heterossexuais, homens trans. Somos inclusivos como todo clube deveria ser”, diz o presidente do time.

Além de proporcionar uma plataforma para a expressão esportiva, o Dendê Futebol Clube se tornou um refúgio para muitos atletas. “Pessoas que tinham problema de depressão, questões com a família, que não aceitavam a própria sexualidade, se encontraram no time”, compartilha Elivelton. O clube não apenas acolhe, mas também encaminha seus membros para profissionais de saúde que oferecem suportes físico e emocional.

Ligay

Este ano, o clube participou da etapa regional da Ligay, maior associação esportiva LGBTQIAPN+ do Brasil, e se prepara para competir na etapa nacional, em São Paulo. “Estamos crescendo não apenas como um time, mas como um movimento”, afirma. O Dendê Futebol Clube faz treinos abertos ao público às sextas-feiras, às 20h, no terraço do Shopping Bela Vista. “É muito bacana receber as pessoas e notar que existe esse apoio, essa admiração”, comenta Elivelton.

A iniciativa serviu de inspiração para a criação de um clube formado exclusivamente por homens trans e pessoas transmasculinas, em Salvador. O time Fênix surgiu no ano passado a partir de uma reunião do coletivo Laleska D'Capri, grupo que promove ações de conscientização a favor da pauta LGBTQIAPN+ no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador.

O criador do time, Yuri Ferreira, explica que o desejo de incluir homens trans no ambiente do futebol enfrentou desafios. “Montar o time foi difícil porque a quantidade de homens trans em Salvador é grande, mas muitos têm dificuldade de socializar e têm receio de adentrar no esporte por não saberem jogar”, relata.

Outro complicador é a questão financeira. “A maioria não está no mercado de trabalho, então, há uma dificuldade de investimento para locomoção até os treinos”, diz Yuri, que também cita o desafio de encontrar um local seguro para treinar. “É muito difícil achar um espaço onde os meninos se sintam acolhidos, estou em busca de recurso para isso e creio que encontraremos saídas”.

O primeiro amistoso disputado pelo Fênix foi contra o Dendê Futebol Clube, em setembro do ano passado. “Eles dão muito suporte para a gente, nos chamam para treinar com eles”, conta Yuri, que já chegou a viajar com o Dendê Futebol Clube para acompanhar os jogos da Ligay.

O diretor do Fênix aponta que durante a experiência se deparou com um ambiente de muita transfobia em campo e nas torcidas: “Prefiro que os meninos participem de uma liga trans e esse é o meu foco no momento”.

Yuri pontua que um clube de futebol que tem respeito pela comunidade e abre portas para torcedores e atletas diversos promove mudanças práticas na sociedade. “Não é só incluir e acabou. É preciso conscientizar”, explica.

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Tags:

ativismo no esporte Bahia e Vitória combate à LGBTfobia diversidade nas arquibancadas LGBTQIAPN+ no futebol torcidas inclusivas

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