MUITO
Os projetos e parcerias da dançarina Alana Falcão
Dançarina, escritora e professora é tema de Perfil da Muito
Por Gilson Jorge
No início da década de 2000, popularizou-se nos Estados Unidos um tipo de manifestação em que, convocadas por e-mail, pessoas que não se conheciam, necessariamente, apareciam em um lugar determinado para realizar uma ação preestabelecida. Essa prática ficaria conhecida no mundo inteiro como flash mob.
Aqui na Bahia, em 2020, Alana Falcão defendia sua dissertação no mestrado em dança com o título Ensaios para desaparecer, em que analisou essa prática surgida na América do Norte como coreografia social. A pergunta da pesquisa era se os flash mobs estavam desaparecendo.
O interesse por essa manifestação dissipou-se na sua caminhada, em meio a uma massa de projetos e parcerias profissionais que ela abraçou ao longo dos anos. "O flash mob é um excelente pretexto para relacionar a dança com a Internet", explica Alana, uma artista que assume como seus campos de atuação a performance, a coreografia social, a crítica de arte, a escrita e o dramaturgismo, um conceito importado do teatro alemão que indica a influência intelectual de uma pessoa nos diferentes processos de produção de um espetáculo.
O flash mob pode ter se recolhido da vida de Alana, mas as ideias sobre desaparecimento estão presentes na criação artística dessa soteropolitana. Tanto o desaparecimento do indivíduo em meio a uma multidão ou coletividade, quanto na existência virtual a que ficamos todos expostos com o isolamento social provocado pela Covid-19.
O desaparecimento é um dos motes do espetáculo dedança Cavalas, um duo com a artista paulistana Ana Brandão, que vai estar em cartaz nos dias 23 e 24 de outubro na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, um ano após a sua estreia em apresentação experimental na Escola de Dança da Ufba.
Nesse período, a dupla, que compartilha concepção, direção e performance, se apresentou na Mostra Mulheres em Cena, em São Paulo; no Junta Festival Internacional, em Teresina (PI); no Sesc Petrolina (PE), no Cariri (CE), e na mostra Gurias, em Curitiba (PR).
Surgido durante a pandemia, o espetáculo Cavalas usa os movimentos equinos e das cavaleiras para discutir a relação entre as protagonistas da história e as noções de comando, subserviência e disciplina. "A gente se provoca um espelhamento em vários sentidos. Somos gêmeas? Somos amigas? Somos inimigas? É uma competição ou é uma brincadeira?", indaga.
Assim como no Livro das Envultações (projeto de Alana com o multiartista e parceiro Leonardo França em que instigam quatro artistas da dança a ensaiar desaparecimentos através do diálogo com a oralidade, a fotografia e a literatura), ela sublinha em Cavalas o desejo de se pensar de modo mítico e borrar referências identitárias como local de nascimento, idade e aparência, explorando as semelhanças e dessemelhanças entre as duas protagonistas.
Da mesma faixa-etária e com uma compleição física parecida, as dançarinas podem ser confundidas no palco, o que corrobora a concepção do espetáculo. As duas, às vezes, parecem uma só pessoa nesse espetáculo, repleto de cabelos artificiais na cenografia, que faz referência a Xifópagas capilares entre nós, obra do artista pernambucano Tunga. "Em Cavalas, o desaparecimento surge através de uma certa animalidade em que a gente decide apostar também para provocar a ideia de mulheridade", afirma Alana.
Na combinação de aparecer como artista e se misturar a uma ideia coletiva, Alana reconhece que há uma certa dualidade entre a vaidade pessoal e a prioridade ao projeto. "Trabalhar com artes cênicas nunca vai me fazer ser muito vista nem me dar muito dinheiro. Eu quero que o trabalho de Alana tenha relevância, mas é a chance de ser vista de outras maneiras", diz a artista.
Um valor interessante
Fã de ficção científica desde os 14 anos, Alana encontrou na ideia de desaparecimento uma forma de aproximação da dança com o cinema, trabalhando como fonte de inspiração o medo e o desejo de desaparecer.
"Depois da pandemia, várias coisas tiveram que ser repensadas, como a desprotagonização, o desaparecimento como um valor interessante", aponta Alana, que vê a dança como um lugar maravilhoso para desaparecer ou ser de outras maneiras.
Coeditora da revista cultural Barril e crítica de arte, Alana privilegia as artes cênicas como forma de expressão "Eu sou bem da palavra, mas a dança me mostra mais jeitos de dizer as coisas", declara a artista.
Porém, a palavra está presente. No Livro das Envultações, Alana aponta para, em suas palavras, "o desaparecimento dessa biografia muito reconhecível". Lançada em 2021, a obra é uma junção da experiência de Alana, a partir de sua dissertação, com o envolvimento de Leonardo com as estratégias de sobrevivência de populações originárias no sul da Bahia, a partir do Fórum Social Mundial realizado em Salvador, em 2018. O livro pode ser adquirido por R$ 40 na página do Instagram: @envultacoes.
Outra frente criativa em que a artista resolveu aparecer, ou melhor, desaparecer, foi o Nii colaboratório, plataforma de dança criada por Neemias Santana, Melissa Figueiredo e João Rafael Neto, em 2015, que seria um laboratório de pesquisa em linguagem coreográfica.
"Nós entramos juntos na licenciatura e ela passou em primeiro lugar. O que faz todo sentido, Alana sempre foi um geniozinho", afirma o dançarino, pesquisador e acadêmico Neemias, que declara ser fascinado desde aquela época por ela, pelas suas ideias e pela maneira como ela organizava as coisas. "Eu não sabia exatamente qual a função, mas precisava dela por perto", diz o artista.
Neemias afirma que o trabalho com Alana, assim como com Melissa, é uma troca interessante em que muitas vezes não há um acordo inicialmente, mas que sempre se chega a um consenso em algum momento: "A gente descobre que aquela função que Alana desempenhava era de dramaturgismo, que a gente não conhecia".
Com a chegada à Sala do Coro um ano após a estreia de Cavalas, Alana consegue o seu objetivo de dar mais exposição ao seu trabalho, ainda que no palco sua presença e a de sua parceira desapareçam individualmente diante da coreografia animalesca.
Os ingressos para Cavalas podem ser adquiridos pela Sympla ou na bilheteria do TCA. A inteira custa R$ 30.
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