OLHARES
Parceria harmoniosa: José Henrique Barreto e Luiz Claudio Campos
Confira a coluna Olhares da Revista Muito
Por Celso Cunha Neto
Em breve, numa tarde deste outono, 15 de junho próximo, teremos a oportunidade de conhecer a produção artística dos artistas visuais José Henrique Barreto e Luiz Claudio Campos, que nos convidam para sua nova exposição, cujo sugestivo título é Re_utilizar. Uma seleção de trabalhos executados com materiais reaproveitados oriundo de bazares, antiquários, demolições ou simplesmente coletados nas ruas e avenidas.
Eles transformam móveis obsoletos, madeiras resgatadas de demolição, assim como variados objetos, atribuindo aos mesmos novos usos e mantendo intacta ao possível sua memória e sua beleza natural.
Conseguem recriar um novo objeto com essa carga de valores herdados, porém com uma vida nova, um novo objeto com simbologia e personalidade própria, conferindo-lhe nobreza e valor artístico.
José Henrique Barreto é soteropolitano, graduado em Medicina pela Escola de Medicina e Saúde Pública da Bahia (1983) e Mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia (2001). Possui doutorado em Medicina pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde / Universidade Federal da Bahia (2010) e título de Mestre em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes / Ufba (2010). Na Medicina, atua na área da pediatria, da oncologia pediátrica e da epidemiologia.
Luiz Claudio Campos nasceu em Ilhéus (BA), graduou-se em em Desenho e Plástica pela Ufba (1990), é pós-Graduado em Arte Contemporânea pelo Centro Nacional de Estudos de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão. Mestre em Artes Visuais pela EBA-Ufba.
Com essas formações acadêmicas e uma parceria há mais de 25 anos, José Henrique e Luiz Cláudio são um exemplo raríssimo, senão o único na Bahia, de artistas que trabalham em perfeita sincronia e harmonia.
Desenvolvem um trabalho de pesquisa com vários materiais e técnicas que vão desde o desenho, pintura, bordados, colagens, transferências, fotografia, esculturas e reinterpretações do ready-made, quando reutilizam objetos prontos na confecção de suas obras.
Pensando sempre juntos desde o conceito original da obra, discutindo e dividindo soluções temáticas, técnicas e plásticas, eles desenvolvem suas obras como se um artista fosse.
Em algumas situações, quando decidem realizar em solo suas produções, percebe-se o estilo particular e a personalidade de cada artista, embora transpareça a profunda influência exercida pelo outro em suas produções individuais.
O fenômeno remete-nos à dupla de artistas escandinavos Elmgreen & Dragset, que embora conceitualmente não tenham relação com a produção de José Henrique e Luiz Cláudio, se identificam muito na produção resultante dessa parceria harmoniosa.
Exemplos dessa sincronia observa-se na mostra O avesso da pele – MAB, Salvador, Bahia, 2017. Chamando-me a atenção para os pequenos recortes quadrados de couro natural, em que sobre desenhos e autorretratos dos artistas ainda crianças, eles bordam sobre as linhas do desenho simplista como numa tentativa atávica de reconstituir o engrama parcialmente embaçado pelo inexorável tempo, um esforço que, vale observar, implica em um processo ativo de reconstrução, muitas das vezes de releitura.
O bordar no sentido figurado quer dizer também imaginar, fantasiar, além do sentido literal que evoca, do ornamento e do registro físico tridimensional do puro desenho.
O bordar, na medida em que perfura e insere a agulha traçando seu caminho pré-definido, relaciona-se com o procedimento médico de suturar, que, nesse momento deve ser a mão de Dr. José Henrique na obra.
Nessa exposição, assim como nas demais, o que ressalta essencialmente é a evocação da memória. Essa memória que instiga o interesse e a imaginação do homem desde tempos remotos, e embora a neurofisiologia tenha avançado muito, continuamos deslumbrados diante do seu potencial.
Em 2018, uma nova exposição intitulada Quem tem medo de bonecas, que é uma pergunta simples para a grande maioria, porém perturbadora para alguns. Remete-nos a 1988, ao filme Chucky, o boneco assassino, que despertou esse medo em parcela da população que jamais havia experimentado essa fobia. Embora raro, tem até nome científico essa fobia, pediofobia, medo por todos os tipos de bonecas.
Portanto, essas pinturas que retratam rostos de inocentes bonecas, carregam um simbolismo e significado que surpreende o olhar epitelial. Será que os artistas pretendem, por meio das prosaicas imagens de seres quase humanos, causar perturbações mentais no observador pelo fato de sabermos que, de fato, não os são?
Lembro-me do curta-metragem do artista surrealista tcheco Jan Svankmajer, apaixonado por esse aspecto bizarro das bonecas.
Acervo
Nessa exposição do dia 15 de junho próximo, um sábado, quando abrirão seu ateliê/galeria em Amaralina, além das suas próprias obras de arte, expõem também um rico acervo de obras de muitos artistas locais além de vários móveis e objetos antigos.
Eles nos oferecem um repertório de intrigantes composições tridimensionais, onde utilizam o ready-made como elemento de composição, dotando-as de novos significados implícitos, que, qual Esfinge, instiga-nos a decifrar.
São esculturas/objetos recorrentes na busca da memória, presente nesses pedaços de tempo há pouco deixados ao seu destino natural, que seria na maioria das vezes o lixo, o desaparecimento. E depois de cuidadoso processo de limpeza e acabamento, retornam à sua original dignidade enquanto portadores de histórias na sua memória de material e, assim, a recontam, já que memória é reconstrução.
Reconstrução com pedaços de madeira recolhidos nos refugos das demolições, nos cantos esquecidos, nos antiquários e bazares, refúgios dos objetos descartados, aos quais são adicionados, incrustados elementos simbolicamente importantes para os autores, como velhas esculturas de autores anônimos.
Pequenas e velhas placas metálicas com números esmaltadas, pedaços de latão oxidados pela pátina natural do tempo, alterados via técnicas de cutelaria, fixadas cuidadosamente sobre base de madeira com cravos metálicos, deixando um registro poético da sua existência.
E muito mais que vale conferir ao vivo, na galeria ateliê de José Henrique Barreto e Luiz Claudio Campos. Esse local foi edificado sob pedido a uma arquiteta amiga para esse uso, resultando em um espaço agradável e funcional, dotado do devido conforto para atender as demandas de um ateliê galeria, localizado na Avenida Ubaranas, ao lado da Casas Ruas, em Amaralina, portanto de fácil acesso.
É composto de um pequeno estacionamento interno, um amplo salão de exposições de móveis, objetos e quadros no pavimento térreo. Tem acesso através de escada de aço pintada de cor vibrante ao segundo piso e mezanino onde fica uma grande sala ateliê e um complemento para exposição de móveis e obras de arte na parte frontal.
*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE
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