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Patrícia Salles: "As mulheres, e alguns médicos, precisam perder esse medo de fazer reposição"
Por Daniel Oliveira
“A terapia de reposição hormonal devolve a qualidade de vida para a mulher na fase da menopausa”, argumenta a médica endocrinologista Patrícia Salles, com base na sua experiência clínica cotidiana e nos estudos que vem desenvolvendo na área. Ela esteve recentemente na cidade de Vancouver, no Canadá, para participar do Congresso Mundial de Menopausa – a única especialista baiana entre os presentes – e retornou atualizada das principais pesquisas e discussões. Depois de passar pelo campo da obesidade, ela mergulhou nessa especialidade há alguns anos. Nas suas palavras, “é um processo gratificante, pois a melhora dos sintomas é significativa”. Entusiasta do implante hormonal, chamado vulgarmente por aí de “chip da beleza”, vem defendendo os benefícios desse tratamento para mulheres com problemas decorrentes dessa fase da vida e também como método contraceptivo. “Ainda há muita desinformação e alguns mitos, como a associação entre a terapia hormonal e o câncer de mama. Ainda hoje, 72% das mulheres não são tratadas”, afirma. Na entrevista, Patrícia Salles fala dos cuidados necessários na menopausa, dos benefícios das terapias de reposição hormonal em associação às mudanças de estilo de vida, distingue a andropausa da Daem (sigla para deficiência androgênica do envelhecimento masculino), a atividade sexual entre pessoas idosas e esclarece os benefícios e controvérsias sobre pílulas anticoncepcionais.
A menopausa afeta o corpo das mulheres de muitas formas. Mesmo com uma maior circulação de informações hoje, muitas ainda não procuram algum tipo de tratamento. Em que consistem, de fato, os cuidados necessários nessa fase da vida?
É importante dizer, primeiro, que toda mulher vai passar pela menopausa. É uma fase na vida na qual vai ocorrer uma transição do período reprodutivo para o não reprodutivo. É caracterizada por uma cessação da menstruação. A mulher tem a última menstruação e entra na menopausa. Isso ocorre por uma falência na produção hormonal ovariana. E é importantíssimo que a mulher já comece a procurar o cuidado na perimenopausa, ou seja, nos anos que antecedem a menopausa. Já nessa fase começa a ter a queda na produção hormonal pelo ovário. O primeiro hormônio que cai é a progesterona. Então, o primeiro sintoma é a alteração do ciclo menstrual. Toda mulher acima dos 40 anos que começou a ter uma alteração na menstruação deve procurar um médico, dosar os seus hormônios para verificar se está ou não na perimenopausa. É muito importante começar a repor, se for necessário, os hormônios já na perimenopausa ou na fase inicial da menopausa.
Além de verificar os hormônios, há outras mudanças, por exemplo, de estilo de vida consideradas importantes?
É muito importante assegurar a contracepção na perimenopausa e, isso, repondo os hormônios que forem necessários. Em relação ao estilo de vida, há um conjunto de cuidados fundamentais, porque hoje temos uma preocupação muito grande com o câncer e a mortalidade cardiovascular. Para prevenir essas doenças, a gente precisa fazer atividade física, ao menos 30 minutos diários, ter alimentação saudável, evitando gordura saturada e açúcar, e manter o peso estável, evitando a obesidade. Com essas três mudanças de estilo de vida, associadas à reposição hormonal, a gente já consegue manter a mulher mais saudável. E a reposição hormonal com estrogênio é benéfica do ponto de vista cardiovascular. A principal causa de mortalidade da mulher pós-menopausa é doença cardiovascular. E com o estrogênio, com a terapia hormonal na dose certa e na via de administração adequada, a gente consegue diminuir 30% do risco cardiovascular.
As mulheres que menstruam mais cedo, em geral, entram na menopausa antes?
É o contrário. As mulheres que menstruam mais tardiamente geralmente têm a menopausa mais cedo. E a idade da menopausa tende a ser a mesma da mãe; 95% vão entrar entre 45 e 55 anos. Uma mulher que entra antes ou depois disso é menopausa precoce ou tardia.
Como você avalia o chamado tratamento de modulação hormonal?
A gente considera um termo que induz à picaretagem. O Conselho Federal de Medicina é contra o uso, pois não existe fazer modulação hormonal. Esse termo acabou sendo associado ao uso incorreto de hormônio, em dose excessiva. É muito diferente da terapia de reposição hormonal, que é algo sério e deve ser feito, de acordo com a sociedade médica.
E quais são os benefícios e os malefícios da reposição hormonal?
A terapia hormonal, quer dizer, a terapia de reposição hormonal, na menopausa, tem como principal indicação o tratamento dos sintomas vasomotores. As ondas de calor, associadas a sudorese e palpitações. Além disso, a gente oferece essa reposição para melhorar todos os sintomas relacionados à menopausa – o humor depressivo, a ansiedade, aquela fadiga diária, o cansaço, a falta de ânimo ao longo do dia, insônia, ressecamento vaginal e dor na relação sexual, ressecamento de pele, de cabelo, alteração da distribuição da gordura corporal, pois a mulher na menopausa costuma acumular gordura no abdômen inferior e cintura. Então, com a reposição hormonal a gente trata esses sintomas, evita a perda de massa óssea e reduz o risco cardiovascular. O estrogênio, quando ofertado para a mulher na terapia de reposição hormonal e logo no início da menopausa, é benéfico para o coração, diminuindo o risco cardiovascular que a falta do estrogênio causa para a mulher.
O câncer de mama é muito comum entre as mulheres. É menos frequente apenas do que o de pele. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer divulgados no ano passado, configura 28% dos casos da doença. Para 2018, a estimativa de novos diagnósticos no Brasil era de 59.700. Há uma relação entre câncer de mama e a reposição hormonal?
Muitas mulheres têm medo do câncer de mama e ficam associando a reposição hormonal à doença. Esse medo é criado por conta de um mito e, portanto, é necessário frisar isso. No Congresso Internacional de Menopausa, que aconteceu recentemente em Vancouver (Canadá), foi muito documentado que esse medo é irreal e que o estrogênio não causa câncer de mama. O que poderia estar associado, então, ao câncer de mama? O tipo de progesterona utilizado. Alguns tipos têm um risco um pouco maior. Cada tratamento, então, precisa ser individualizado. Mas os principais riscos de câncer de mama mesmo são obesidade, sedentarismo, tabagismo e consumo de álcool em excesso. Mudando esse estilo de vida, o risco fica reduzido em 34%. As mulheres, e até alguns médicos, precisam perder esse medo de fazer reposição. É necessário se atualizar, ler estudos sobre a menopausa. Esse medo do câncer de mama não deve ser associado ao estrogênio.
No caso dos homens, há desinformação ainda maior sobre a andropausa. Como funciona o tratamento?
No homem existem duas situações diferentes. A andropausa e o Daem (sigla para deficiência androgênica do envelhecimento masculino). A andropausa acomete homens acima de 65 anos e 30% dos homens. E a andropausa é caracterizada por uma falência testicular com o aumento dos hormônios FSH e LH e tem os mesmo sintomas da menopausa, inclusive ondas de calor, insônia, fadiga, redução de libido e dificuldade de ereção. É bem semelhante à menopausa. Já o Daem geralmente acomete homens acima de 50 anos. É como um envelhecimento do eixo que estimula o testículo. Aí, nesse caso, o FSH e o LH não aumentam e a testosterona baixa. Os sintomas são próximos aos da andropausa, com exceção das ondas de calor. Para ambos os casos, o tratamento é, primeiro, fazer uma avaliação correta com o endocrinologista, uma avaliação cardiológica e urológica. E, se for realmente documentado uma das duas, a gente pode começar o tratamento com testosterona.
Como funcionam os implantes hormonais, a exemplo do chamado “chip da beleza”?
Em geral, quem trabalha de forma séria não gosta desse termo “chip da beleza”.
Há uma exposição midiática que vincula o implante ao tratamento estético.
Isso, e fica uma coisa meio pejorativa. O implante hormonal é apenas uma forma de administração do hormônio. Existem várias maneiras, via oral, implante hormonal, gel e pomada intravaginal. A melhor forma é a via transdérmica, através do gel ou do implante. Então, o implante é o modo que vou levar o hormônio ao corpo do paciente. Sempre que possível a gente deve optar por essa via, porque diminui risco cardiovascular. O estrogênio por via oral tem um risco cardiovascular maior, porque faz a primeira passagem hepática [fígado], e isso pode ser um pouco mais lesivo, principalmente em pacientes com obesidade, tabagistas e sedentários. O implante, na verdade, é uma inserção na região glútea, uma vez por ano, da dose necessária para a mulher. Mantém, assim, os hormônios na corrente sanguínea de forma estável.
A indicação do implante hormonal não é consenso. Alguns médicos defendem que os efeitos negativos ultrapassam os benefícios, sobretudo quando feito para fins exclusivamente estéticos. Você disse que a avaliação deve ser sempre individualizada...
É importante ter claro que o implante é apenas a forma de administrar o hormônio para os pacientes. Sempre que a gente pensar em implante hormonal, precisamos avaliar que implante é esse, qual é o hormônio administrado e qual é a dose. Na menopausa, a gente vai colocar estrogênio, sempre, caso a mulher não tenha contraindicação, testosterona, e em alguns casos a progesterona. Essa é utilizada, na menopausa, em pacientes que ainda têm o útero, porque serve para fazer a proteção do endométrio do útero. Dificilmente a paciente vai ter efeitos negativos, caso a dose esteja correta. Já o implante hormonal utilizado para mulheres antes da menopausa, aquela que ovula, é indicado para funcionar como anticoncepcional, tratamento de TPM, miomas uterinos ou endometriose. Nesse caso, a gente coloca uma dose de progesterona para bloquear a ovulação, tentando bloquear também o sangramento, e sempre a menor possível. O que acontece é que, às vezes, chegam pacientes com efeitos negativos e, quando a gente vai observar, estão utilizando doses extremamente altas e desnecessárias.
Ainda hoje discutem-se as pílulas anticoncepcionais. Quais são, de fato, os efeitos desses medicamentos no corpo das mulheres?
Consideramos qualquer método contraceptivo uma libertação para a mulher. É muito cômodo usar. Em relação à pílula anticoncepcional por via oral, os efeitos negativos estão relacionados ao estrogênio, que, administrado por via oral, faz a primeira passagem hepática, libera substância trombogênicas. Então, aumenta em quatro vezes o risco de trombose. A pílula pode ter estrogênio e progesterona ou apenas progesterona. Essa é a combinação dos dois hormônios que tem esse risco de trombose aumentado. Além disso, o tipo de progesterona utilizado na pílula geralmente é antiandrogênica, então, tem como efeito negativo uma queda na disposição, redução de libido, aumento de flacidez e celulite. E muitas pacientes não querem esses efeitos negativos. A diferença do implante é, primeiro, a administração, que não tem a passagem hepática, sem o risco de trombose, e ao mesmo tempo bloqueia a ovulação e a TPM. E também tem efeitos androgênicos, como aumento na disposição, melhora da libido, pode melhorar a celulite e flacidez, facilitar o ganho de massa muscular. Mas tudo isso depende muito da paciente.
Com o aumento da expectativa de vida, as pessoas também têm ampliado o desejo em relação à atividade sexual. O que tem sido desenvolvido para que idosos tenham uma vida sexual mais ativa?
Vamos separar homem e mulher. Pensando no homem que quer manter uma vida sexual ativa, a gente poderia orientar, tendo em vista a melhora da produção de testosterona: manter uma atividade física regular, o sono adequado e ter relação sexual. Essas três variáveis deixam ele tendo uma vida sexual. E, se ele estiver na andropausa, é indicado repor a testosterona. Já mulher na pós-menopausa exige uma avaliação para verificar se tem alguma contraindicação. Caso não tenha, a gente deve fazer a terapia hormonal, pois devolve qualidade de vida. Ela volta a ter libido e ânimo, a dormir bem, fazer atividade física e a ter uma melhora corporal.
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