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Perspectivas e desafios do consumo de cultura com a retomada das atividades

Publicado domingo, 05 de setembro de 2021 às 06:00 h | Autor: Yumi Kuwano
Arte em forma de projeção no MAM, um dos locais que mais sentiu a falta de público | Foto: Olga Leiria / Ag. A Tarde
Arte em forma de projeção no MAM, um dos locais que mais sentiu a falta de público | Foto: Olga Leiria / Ag. A Tarde -

Imagina só algo que depende totalmente da presença humana, do quanto mais melhor, do sucesso de bilheteria? Sem público não há espetáculo, não é? Esse foi o dilema da cultura nesse quase um ano e meio de pandemia. E não foram só artistas e produtores de cultura que sofreram. Nós também. Mesmo com uma programação online extensa – até exaustiva, em alguns momentos –, nada pode ser comparado com o calor humano de um evento presencial.

É o que mostra a pesquisa Hábitos culturais II, realizada pela Datafolha e Itaú Cultural sobre o comportamento das pessoas em relação à cultura ao longo da pandemia – e as perspectivas para o tão sonhado pós-pandemia. A pesquisa entrevistou 2.276 pessoas sobre música, dança, teatro, exposições e a sua experiência com os modelos virtual e presencial.

A boa notícia é que com a vacinação avançando, algumas atividades vão sendo liberadas, seguindo rígidos protocolos. Com a fase verde em Salvador, desde julho foram autorizados o funcionamento de teatros, cinemas e casas de espetáculos. A reabertura de alguns museus de Salvador, apesar de ter sido liberada antes, ocorreu há pouco mais de duas semanas. O Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) talvez tenha sido um dos que mais fizeram falta para o público.

Thalita Baroni, 24, e Danielle Mota, 22, que cursam arquitetura, estavam ansiosas para poder visitar esses espaços. Para isso, tiraram um dia para conhecer tanto o Palacete das Artes como o MAM. “Sempre quis conhecer os nossos museus, mas antes da pandemia achava que não tinha muito tempo para isso. Quando consegui me organizar, veio a Covid-19 e não tinha como fazer nada”, diz Thalita.

Conexões

Para elas, conhecer o MAM e ver a exposição O Museu de Lina é também uma forma de fazer conexões com a arquitetura. Mesmo com algumas programações online, nem Thalita nem Danielle gostaram de consumir cultura nesse formato. “No início, até vi algumas lives, mas não vi nenhuma exposição. Não atrai tanto quanto estar aqui, é uma experiência completamente diferente e estou feliz que tenha voltado”, pontua Danielle.

O estudante João Lima, 25, sempre gostou de museus. Apreciar e passar horas contemplando as obras é um dos seus programas favoritos. Ele conta que não acompanhou as atividades virtuais, porque acredita que a experiência pessoal seja outra, mas acrescenta que foram importantes para o setor: “Acessar esses lugares de forma remota é muito interessante, principalmente para quem não poderia vir até aqui até mesmo antes da pandemia”. Seu amigo, Patterson Correia, 20, também está animado com o retorno: “Ver que as coisas estão abrindo é muito bom para nós e para quem trabalha com cultura e teve tanto prejuízo nesse período”.

No início da quarentena, o MAM disponibilizou um tour virtual e atualmente tem as oficinas no campo de processos criativos, mas não entrou muito na onda de visitas online. De acordo com o diretor Pola Ribeiro, o museu ainda não está como antes, por enquanto só funciona nas tardes de terça a sexta-feira, mas já é uma felicidade enorme poder abrir. “Visitar museus passa pela vivência do encontro, pela convivência, e as pessoas estão muito machucadas. Todo mundo”. De certa forma, é o que indica a pesquisa.

Quando se trata de museus, 63% preferem fazer uma visita presencial a esses lugares. Os motivos? O contato pessoal (37%), o emocional (13%), oportunidade de sair da frente do computador (10%), prestar mais atenção (8%) e pela qualidade (2%). Sem contar que, em 2021, o número de visitas online caiu 11% – um ano antes 16% das pessoas afirmaram fazer tours em museus.

Em geral, os produtores culturais estão otimistas com a retomada. Após quase um ano e meio de portas fechadas e o movimento voltando a acontecer, ainda que aos pouquinhos, porque o momento exige prudência, é um sopro de alívio para quem vive da cultura.

Para Elaine Hazin, produtora do Festival Move, o antigo Festival Caymmi de Música, realizado em agosto, o momento é de cuidado, não só com o vírus, mas com artistas e todos que vivem da música. “Ainda é muito difícil para mim, pessoalmente, falar em retomada, mas é muito necessário. Precisamos respeitar, reaprender a estar em convívio coletivo, de forma que preserve a vida”, observa.

Este ano o festival aconteceu em formato 100% online, mas Elaine analisa que, mesmo que as coisas voltem ao normal daqui a um tempo, o formato híbrido – online e presencial – deve continuar.

A pesquisa também traz dados a esse respeito: apesar da preferência disparada por atividades presenciais, para quase 65% dos entrevistados, 40% afirmaram que acompanham música, teatro e dança online e 80% continuarão consumindo esse tipo de conteúdo após o fim das restrições.

“A gente aprendeu muito nesse tempo”, comenta Elaine, que valoriza a possibilidade de ampliação do alcance por meio da internet. No caso do festival, ela conta que foram realizados encontros com nomes nacionais e que, por causa do formato digital, tudo vai ficar disponível para sempre.

Teatro online

Mesmo com a liberação de funcionamento das salas de teatro e cinema, os gestores contam que estão longe de voltar a viver bons momentos. O Teatro Gamboa, por exemplo, segue de portas fechadas para o público e com programação online, com apresentações de peças, shows e bate-papos, alguns gratuitos.

De acordo com o gestor Maurício Assunção, o espaço pequeno não permite retomar as atividades presenciais: “A regra é que do palco para a plateia tenha cinco metros de distância. Para nós, isso é inviável estruturalmente e financeiramente”.

O Teatro Gamboa foi um dos primeiros a disponibilizar uma programação online e, com aceitação do público, deve continuar mesmo após o fim da pandemia. O formato já era um desejo de Maurício e com as restrições não teve jeito: “Ou a gente entrava nessa ou realmente íamos sucumbir”. Ele conta que a adaptação para esse formato foi rápida, mas a sensação é estar ainda em um bote salva-vidas.

Sobre a retomada, Maurício acredita que seja potente: “Todo processo que traz uma depressão muito forte, o retorno tende a ser também. As pessoas vão estar mais abertas para a apreciação, pelo momento que tivemos que viver. Acho que é a hora de reconduzir o olhar do público para a arte. O desafio é como vamos viabilizar e comunicar a arte”.

Mas há outros desafios. O cineasta Claudio Marques, diretor do Espaço Itaú de Cinema Salvador, resume a situação atual para os cinemas como péssima. De acordo com ele, o público é apenas cerca de 5% do que se tinha antes da pandemia.

“Existiu uma campanha muito forte em mostrar o cinema como um lugar inseguro, ele foi eleito um dos locais mais perigosos, o que eu discordo pelo nível de medidas, pela quantidade mínima de pessoas e pelo fato de todas elas estarem vendo um filme com máscara e caladas”, reflete.

Pelo menos por enquanto, a estudante de relações públicas Maria Carla, 23, afirma que ainda não se sente segura para retornar a frequentar tais ambientes, e olha que ela é uma daquelas pessoas apaixonadas por cinema, que até assistia ao mesmo filme nas telonas mais de uma vez.

Com a pandemia, ela se contenta assinando inúmeras plataformas de streaming disponíveis na web. Por semana, chega a assistir mais de 12 títulos. “Vou aguardar a segunda dose. Quero estar totalmente imunizada para voltar a ir a esses locais”, comenta.

Saudade

Para Claudio, mesmo com tantas plataformas de streaming atualmente, as pessoas estão cansadas: “Em relação ao mercado, elas representavam um perigo muito grande antes da pandemia, mas está todo mundo com saudade, querem voltar a uma sala de cinema, porque não tem comparação com ver filmes em casa”.

Mas ele entende o receio da população e analisa que as pessoas só vão voltar quando estiverem muito mais seguras do que agora, já que estamos na iminência de uma nova variante do coronavírus. “A cultura toda está sofrendo muito. Os artistas estão passando necessidade, e isso não começou agora com a pandemia, é coisa de quase três anos, quando começou o governo Bolsonaro”.

É como se o hábito de ir ao cinema precisasse ser readquirido. Sobre as preferências dos cinéfilos, outro recorte da pesquisa do Itaú Cultural e Datafolha, que focou no cinema nacional, 31% do público que consome produções brasileiras é de classes A e B, contra 12% das classes D e E. A maior escolaridade também é um ponto determinante.

Em relação aos gêneros, a comédia é um dos preferidos, mas não para Maria: “Prefiro assistir aos filmes de drama porque retratam as dinâmicas da nossa sociedade, acho isso muito interessante”. E dos 25% que veem cinema nacional, assistem por esse mesmo motivo, de acordo com a pesquisa.

No Espaço Itaú de Cinema, segundo Claudio, todos os tipos de filme são exibidos, entre eles blockbusters nacionais e internacionais, comédias, só que em um espaço menor. “Damos mais espaço ao cinema brasileiro, ao cinema independente europeu, mas sempre tivemos esse olhar amplo para, através da diversidade do cinema, atrair a maior quantidade possível de público. Enquanto existirmos, não pensamos em mudar a nossa programação”, afirma o gestor.

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