WEBSÉRIE
Perspectivas indígenas sobre saberes tradicionais e tecnologias
Websérie apresenta cosmovisões indígenas sobre saberes tradicionais e tecnologias com artistas e pesquisadores de diversas etnias
Por Pedro Hijo

"O mundo está voltado a pensar sobre a inteligência artificial, mas precisa reaprender a inteligência ancestral", diz o presidente da ONG Thydêwá, Sebastián Gerlic. Ele é diretor de uma websérie que será lançada amanhã, 14, no canal online da organização. Inteligência Ancestral conta com sete episódios que abordam diferentes concepções indígenas sobre a humanidade, a arte, a tecnologia e o aprendizado com o passado.
A inspiração para o projeto veio do contato de Sebastián com os indígenas ao longo de 25 anos. Nascido na Argentina, o diretor fundou a organização em 2000 para promover o diálogo intercultural, a valorização da diversidade e os direitos dos povos indígenas e tradicionais, especialmente no Brasil.
No país “hermano”, Sebastián produziu diversos documentários que serviram de experiência para a websérie. "A humanidade está em crise, mas acredito que há um número crescente de pessoas conscientes da importância da natureza", afirma. "É uma rede ampla de pessoas e que está representada na série".
A relação da comunidade originária com a tecnologia surgiu na pauta de discussão da ONG depois que Sebastián propôs um estudo de caso sobre o assunto. Muitos artistas indígenas entrevistados afirmaram que as imagens geradas por ferramentas online se baseiam em bancos de imagens pouco representativos da comunidade. "São montagens racistas e que reproduzem fisionomias estereotipadas deste povo", pontua.
Passado
O escritor alagoano Nhenety Kariri-Xocó teve contato com a internet há 21 anos, por meio da Thydêwá. Desde então, passou a publicar as histórias que contava para a comunidade em um blog. "Tento reproduzir a oralidade para o online porque é uma forma de continuar a memória dos nossos antepassados, o nosso maior patrimônio", diz Nhenety, que é um dos 16 indígenas presentes na série.
Morador da Terra Indígena Kariri-Xocó, comunidade localizada próximo ao município de Porto Real do Colégio, em Alagoas, Nhenety utiliza os conhecimentos adquiridos com os avós todos os dias. O artista mantém o hábito de visitar a Mata do Ouricuri, uma floresta de quase 100 hectares vizinha à comunidade.
"O legado dos nossos antepassados é ter árvores em pé, alimento puro, plantas e animais vivos. É valorizar a vida e não só a humana", conta o alagoano. Para ele, se a inteligência artificial é baseada em dados, a ancestralidade é ancorada na conexão física.
A artista e arte-educadora baiana Yala Payayá explica que o conceito de Inteligência Ancestral é um conjunto de todas as tecnologias criadas e praticadas pelos povos originários. “É viver em harmonia com a natureza, sem agredir as outras vidas e, a partir dessas práticas, manter a vida, a biodiversidade e a sustentabilidade”, diz.
O caminho para o desenvolvimento de ferramentas online mais inclusivas é a criação de uma tecnologia que se inspire na herança cultural, segundo Sebastián. "É preciso pensar em um futuro em que participem aqueles que sempre foram excluídos. E o indígena é o excluído", opina o diretor.
Da etnia Kaingang, localizada no Paraná, o artista Tadeu Kaingang afirma que o povo indígena é invisibilizado no país. Para ele, a inteligência artificial pode ser uma ferramenta tanto para auxílio quanto para dominação e que é preciso cuidado ao utilizar. "A arte indígena tem uma profunda conexão com a terra, com os corpos, com a espiritualidade e essas são coisas que não podem ser reduzidas a algoritmos". Segundo o artista, a ferramenta não deve substituir a sabedoria do corpo na natureza.
A websérie traz reflexões variadas sobre o assunto. Segundo Sebastián, as comunidades concordam que, quando usada para conectar o ser humano com a natureza, a inteligência artificial deve ser demandada. Outro ponto de destaque no filme é a falsa percepção de que indígenas não estão inseridos no mundo digital. “As pessoas costumam achar que tecnologia é apenas aquilo que tem tomada, que passa Wi-fi”, conta Sebastián. “Mas o indígena sempre esteve inserido em contextos de alta inteligência, com ferramentas e processos de muita tecnologia”.
A artesã Yala concorda com o diretor. Para ela, o moderno não existiria sem o ancestral. “Tecnologia, para mim, foi o que os indígenas fizeram ao transformar a mandioca em alimento, a domesticação do cupuaçu, os procedimentos de cura, por exemplo” pontua. “Tecnologia não é só aquilo que está em um aparelho com corrente elétrica”.
Presencial
Além da apresentação online, a websérie Inteligência Ancestral terá lançamento em algumas escolas de Santa Cruz Cabrália, na Costa do Descobrimento, e Olivença, distrito de Ilhéus, no Sul da Bahia. Para Sebastián, essa é uma oportunidade de apresentar o material e provocar alunos da rede pública. “A gente quer ouvir as impressões, dialogar com os meninos”, conta. “São fichas que vão caindo de forma colaborativa”.
Segundo o diretor, o filme ilustra um momento de decisão para o mundo. “Vivemos numa encruzilhada e muitos valores como a bondade e a amorosidade lutam para se impor”, opina. Para Sebastián, há um movimento silencioso, mas firme, de quem passa a enxergar com outros olhos. Nesse cenário, os povos indígenas não apenas resistem: eles ensinam. “Cada vez mais pessoas notam isso, e a comunidade originária traz esse pensamento de se inspirar no passado para construir uma situação melhor. Estamos em um bom caminho”, conclui.
Serviço:
Lançamento da websérie “Inteligência Ancestral”
Quando: 14 de abril.
Onde assistir: É possível assistir online no canal Mensagens da Terra www.youtube.com/@MensagensdaTerra e no site da Thydêwá (www.thydewa.org) , às 20h
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