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CIÊNCIA

Pesquisadores lançam Guia para Observação de Cogumelos

O trabalho abarca, principalmente, as espécies encontradas na Chapada Diamantina

Por Gilson Jorge

05/05/2024 - 4:21 h | Atualizada em 05/05/2024 - 7:06
Guia de Observação de Cogumelo
Guia de Observação de Cogumelo -

Em 1999, a microbiologista Ana Paula Uetanabaro fazia doutorado sanduíche na Alemanha, e era uma das mais jovens pesquisadoras no grupo que, depois de encerradas as atividades acadêmicas, foi a uma floresta em busca de cogumelos, seres pouco estudados no Brasil até então. A mineira estranhou o convite, mas seguiu os alemães, para quem o passeio era a coisa mais natural do mundo.

Vinte e cinco anos depois, a pesquisadora se prepara para lançar na próxima sexta-feira (10), na Chapada Diamantina, juntamente com o professor Alexandre Lenz, o Guia para Observação de Cogumelos, um documento de 293 páginas sobre fungos encontrados em território baiano.

O trabalho abarca, principalmente, as espécies encontradas na Chapada Diamantina e na Serra do Conduru, em Uruçuca, onde foram criadas duas micotrilhas [nome derivado da micologia, o estudo dos fungos]. As micotrilhas são os circuitos ecológicos onde turistas podem observar cogumelos com a orientação de guias capacitados com recursos do edital da Fundação Boticário para turismo ecológico.

Os guias das micotrilhas são ligados à Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão (ACVVC) e da Associação de Condutores e Guias de Serra Grande (Asconguis), de Uruçuca. Foram 10 formados na Chapada Diamantina e 22 no sul do estado.

O trabalho que resultou no Guia de Observação de Cogumelos, por sua vez, foi conduzido por cinco pesquisadores e tem como objetivo a geração de renda tanto para os guias quanto para quem queira aproveitar algumas espécies de cogumelos na fabricação de artigos alimentícios e terapêuticos, municiando a população com informações precisas sobre os cogumelos.

"É um projeto inovador no Brasil. Normalmente, há relatórios científicos que circulam entre pesquisadores ou produções amadoras", assinala Ana Paula, que é professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, mas nesse momento ocupa o cargo de Diretora de Ciência e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb).

A equipe de pesquisadores coletou 266 espécies de cogumelos e sequenciou o DNA de 100 e, dessas, 62 não foram identificadas. "Podem, inclusive, ser novas espécies que ainda não foram descritas pela ciência", afirma o professor Alexandre Lenz, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb).

Avatar

Uma das espécies encontradas na Chapada Diamantina é a mycena margarita, que no escuro emite uma luz verde. "Ela lembra o filme Avatar, quando as personagens estão passando na floresta e os cogumelos ficam acesos", declara Alexandre.

Na Serra do Conduru, a equipe encontrou três espécies do gênero ophiocordyceps, que tem a propriedade de parasitar insetos transformando-os em um tipo de zumbi. "O fungo infecta o inseto e vai se desenvolvendo dentro dele, afetando o seu sistema neurológico", explica o pesquisador.

Morto o inseto, sai de seu corpo um macrofungo que infecta outros insetos que estejam ao redor. Por serem numerosas, as formigas são vítimas recorrentes desse fungo, que também ataca besouros, borboletas, aranhas, moscas e abelhas. Mas há uma determinada especialização, com uma espécie de fungo que ataca um tipo específico de inseto.

Quando se vê no solo, por exemplo, uma formiga andando em círculos, como se fosse um humano bêbado, é provável que o inseto tenha sido parasitado. "Esses fungos são os mais apelativos para os turistas, que muitas vezes nunca tinham ouvido falar de algo com essa magnitude na natureza", afirma Alexandre.

Nem todos os fungos são malévolos. Estima-se que apenas 10% dos cogumelos sejam tóxicos, sendo alguns letais para os humanos. Por isso, não é recomendável que se colha um cogumelo na natureza e o ingira sem que haja conhecimento sobre a espécie e suas possíveis utilizações.

Há espécies com grande potencial econômico, como o aspergillus niger e o trichoderma reseei, cujas enzimas auxiliam na degradação do bagaço da cana-de-açúcar, produzindo o etanol.

Aliás, foi no seu doutorado em biotecnologia que Alexandre trabalhou com fungos utilizados na produção de biocombustível, o que o levou a se interessar por outras espécies desses microorganismos.

E os usos benéficos dos cogumelos são diversificados. Alexandre relata, por exemplo, que uma aluna sua de graduação na Uneb desenvolveu um sistema computacional para pesquisar fungos que possam ser utilizados na degradação de plásticos. O sucesso de uma pesquisa como essa pode significar a solução para eliminar produtos que podem levar mais de 400 anos para se decompor na natureza, como uma fralda descartável.

Medicamentos

O mestrado em ciências farmacêuticas da Uneb também pesquisa a utilização de espécies de fungos como matéria-prima. "A gente tem um potencial enorme para novos medicamentos. Alguns medicamentos superfamosos são feitos a partir de fungos, como a penicilina, por exemplo", declara o professor, que cita ainda cogumelos com propriedades antitumorais, anti-inflamatórios e antioxidantes.

Fora o mercado de cogumelos comestíveis. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo já criou a Câmara Setorial de Fungos e Cogumelos, à espera da regulamentação da fungicultura para entrar em um mercado estimado em US$ 50 bilhões no mundo inteiro, incluindo champignons, shitakes e assemelhados.

Na Bahia, as informações sobre fungos e cogumelos ganharam um novo impulso por acaso. Durante uma viagem ao Capão, em 2022, Alexandre conheceu Mariana Villani, bacharel em direito paulista que trocou a carreira pela micologia. Eles decidiram fazer juntos um projeto na Bahia e descobriram o edital da Fundação Boticário para turismo ecológico. Assim surgiu a ideia de fazer uma micotrilha no Vale do Capão. Alexandre entrou em contato com a professora Ana Paula, que gostou do projeto e sugeriu a criação de uma segunda micotrilha, na Serra do Conduru.

Uma das criadoras do projeto, a etnomicóloga, agroecóloga e fitoterapeuta paulista Mariana tem uma história curiosa. Antes mesmo de concluir a faculdade de Direito em São Paulo, ela começou a estudar micologia e aprofundou seus conhecimentos em São Francisco, nos Estados Unidos.

Em 2022, ela foi à Chapada Diamantina para uma estadia que deveria ser curta. O objetivo da viagem era uma vivência em Palmeiras sobre o uso terapêutico de algumas espécies de cogumelos. Com a aprovação no edital, Mariana permaneceu na Chapada por dois anos, voltando para São Paulo no mês passado.

Sobre a experiência na Chapada, a pesquisadora destaca a vontade de conhecer as espécies e de fazer um projeto de conservação que envolvesse a comunidade. "Para a preservação do ecossistema é muito importante a educação da população local", afirma Mariana, que aposta na industrialização de cogumelos com fins terapêuticos como uma possibilidade econômica, especialmente para a agricultura familiar.

"Eu trabalho justamente com o uso terapêutico dos fungos a partir dos saberes das populações indígenas", afirma a pesquisadora, que colabora com entidades internacionais que estudam os fungos, como a Fungi Foundation. Na Serra do Conduru, no sul do estado, o lançamento do Guia para Observação de Cogumelos vai acontecer em junho.

Nos dias 10 e 11 próximos, a equipe vai montar um stand na praça do vale durante o Festival Capão in Blues, na sexta e no sábado. No sábado pela manhã vão oferecer duas micotrilhas gratuitas para a comunidade local, na micotrilha Ganoderma. E já é possível fazer o download gratuito do guia no site.

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