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Poço de incertezas: da origem do petróleo à insegurança sobre a atuação da Petrobras na Bahia

Por Alessandra Oliveira

21/10/2019 - 10:50 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Primeira refinaria do Brasil, a Landulpho Alves pode ser vendida
Primeira refinaria do Brasil, a Landulpho Alves pode ser vendida -

O Brasil já extraía e refinava petróleo quando, em 3 de outubro de 1953, foi aprovado o projeto da Petróleo Brasileiro S.A. no governo de Getúlio Vargas. Na época, uma nota do jornal A TARDE anunciava a recém-criada empresa como “importante esperança” para a Bahia – pioneira no descobrimento, exploração e refino do óleo no país, era responsável por 80% da produção nacional. Passados 66 anos, a Petrobras está encerrando grande parte da sua atuação no estado. A desativação da sede administrativa local no prédio Torre Pituba, no Itaigara, estava em andamento desde o início do mês, mas foi proibida por liminar concedida pelo juiz Danilo Gaspar, da 6ª Vara de Salvador, no dia 17.

Palco de achados pontuais de petróleo desde o século 18, a Bahia saiu na frente na busca nacional por combustível fóssil ao ver jorrar o “ouro negro” no poço nº 163 no bairro Lobato, subúrbio ferroviário de Salvador, em janeiro de 1939. Em meio a controvérsias sobre quem seria o descobridor, o mérito foi dado ao engenheiro Manoel Inácio Bastos e ao presidente da Bolsa de Mercadorias, Oscar Cordeiro, que foram ao local averiguar rumores de um “óleo que saía do solo com odor semelhante ao do querosene”.

A notícia era esperada pelo governo federal, que buscava independência no mercado petrolífero. O Brasil importava os derivados do óleo consumidos no país que, desde a década de 1910, abrigava uma dezena de filiais de companhias americanas, que exploravam o líquido subterrâneo desde 1859.

O governo baiano compartilhava da ânsia por independência a fim de reverter sua longa estagnação econômica. Mas a euforia em torno da descoberta, muito debatida por políticos e pela imprensa soteropolitana, não chegou a todos os interiores. Nascido no mesmo ano do primeiro jorro de petróleo brasileiro, Francisco da Rocha, 80, só ouviu falar do marco histórico quando veio de Alagoinhas para a capital.

O cenário mudou quando a reserva do Lobato não se mostrou comercialmente viável e as explorações partiram para o Recôncavo, onde, em 1941, encontraram-se poços promissores, como o B-14, em Candeias, e o I-2, em Aratu. Com a criação da Petrobras na década seguinte, as buscas por novos lugares perfuráveis na região continuaram.

“No lugar onde a Petrobras chegava, tudo se modificava. A gente ia a uma cidade para colocar sondas, no dia seguinte a loja estava vendendo, o barzinho estava vendendo, todos os setores”, lembra Francisco, que entrou na empresa quatro anos depois da sua fundação e trabalhou no setor de exploração até se aposentar, em 1989. “É muito triste hoje vermos uma situação dessa. Ficam dizendo que a Petrobras está quebrada, mas nós sabemos que empresa de petróleo não dá prejuízo”, defende.

A época de suas idas ao Recôncavo para trabalhar foi de crescimento da malha rodoviária baiana, quando foram construídas quase 600 km de estradas, segundo o livro História do petróleo na Bahia, de Cid Teixeira, com coautoria de Fernando Oberlaender e Daniel Rebouças. Os historiadores também chamam atenção para a dinamização econômica local. “Expandia-se a classe média urbana, que agora tinha acesso a bens de consumo antes restritos às ricas camadas da sociedade”.

Imagem ilustrativa da imagem Poço de incertezas: da origem do petróleo à insegurança sobre a atuação da Petrobras na Bahia
| Foto: Joá Souza / Ag. A TARDE
A Torre Pituba, que custou R$ 2 bilhões e tem taxa de ocupação de 20%, seria desocupada até dezembro. A ação foi suspensa por uma liminar. Foto: Joá Souza / Ag. A TARDE

No livro Indústria na Bahia: um olhar sobre sua história, Rebouças traz a estimativa de mais de sete mil funcionários contratados pela companhia no início da operação, cujos investimentos equivaliam a 59,9% do PIB Industrial baiano. O valor é quase o triplo do registrado em 2016, ano em que os derivados de petróleo e biocombustíveis e a extração de petróleo e gás natural correspondiam a 16,4% e 2,6% do nosso PIB Industrial, respectivamente, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

EXPANSÃO

Essa nova classe de trabalhadores industriais começou a se formar com a criação da primeira refinaria do Brasil, a Landulpho Alves (RLAM), em Mataripe, em 1950. Na edição de 20 de setembro do mesmo ano, o jornal A TARDE descreve a emoção dos “tenentes, capitães, tenentes-coronéis, majores, generais e brigadeiros” presentes na produção da primeira gasolina brasileira: “E muitos não se satisfizeram apenas em embeber as mãos no líquido precioso como o cheiravam para melhor se certificarem que era gazolina (sic) mesmo que tinham sob as vistas”.

Apesar de a refinaria ter nascido em meio a um dos maiores movimentos sociais nacionais, O Petróleo é Nosso!, nenhuma empresa brasileira se apresentou para execução, que ficou a cargo da britânica The M. W. Kellogg. Segundo conta o livro Indústria Bahia, as obras atrasaram em um ano por conta da falta de mão de obra técnica, burocracia na compra do terreno, atraso no repasse da verba pública e pouca participação de capital privado.

Dificuldades de construção também foram enfrentadas nas obras posteriores a Petrobras. Segundo contam os ex-funcionários, nas primeiras décadas, tudo era feito de forma manual, sem equipamentos de segurança. Como não recebia botas adequadas para trabalhar, o petroleiro aposentado Sinvaldo Costa, 79, pegava emprestado sapatos de familiares. Mas os calçados só aguentavam um dia de serviço nos terrenos irregulares antes de se tornarem inúteis.

As folgas eram dadas somente aos domingos e feriados. Uma prática comum era trabalhar meses sem cessar para juntar horas. Era o que fazia Francisco, que demorava de dois a três meses para ir a Pojuca, onde morava a então namorada e atual esposa. Sinvaldo via a família com maior regularidade, exceto quando foi transferido para Vitória, no Espírito Santo.

Na década de 1960, quando entrou na Petrobras, a companhia estava se expandindo para a região Sudeste, com ênfase no Rio de Janeiro. No Nordeste, Sergipe se destacou após a descoberta da primeira reserva não baiana do combustível negro.

Com a nacionalização da atividade petroleira, outros estados entraram em uma disputa que durou dez anos para implantação de um complexo petroquímico. A Bahia venceu e, em 1978, o Polo Industrial foi inaugurado em Camaçari. Na época, havia dez indústrias no entorno, atraídas pelas matérias-primas (ureia, ácido nítrico e dióxido de carbono) oriundas da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen).

A ampliação da Petrobras também fez surgir a necessidade de aprimorar tecnologias de comunicação para interligar as sedes pelo Brasil. Em 1975, a bibliotecária Regina Tonini entrou na estatal para trabalhar no recém-criado setor de processamento de dados, que depois virou “de informática” e, por fim, “de informação”. Todos os dias, descia o Plano Inclinado do Pilar para ir à sede da estatal, que ficava na Cidade Baixa.

Por se tratar de uma área incipiente, “era tudo por fazer”, diz Regina, que tinha “total apoio” da empresa para se aprimorar. Nos anos 1990, foi bolsista da Petrobras para cursar parte do seu mestrado na Universidade Federal de Brasília (UNB). Como contrapartida, adequou seu tema ao interesse da companhia na época: saber os custos da gestão de informação.

VIRADA

A mestre em ciência da informação até hoje não sabe se seus cálculos acadêmicos foram usados pela empresa, mas celebra sua participação na trajetória que levou à descoberta do Pré-sal, em 2007. “Foi uma grande alegria e satisfação ver que todo nosso esforço estava apresentando resultados”. Para ela, a Petrobras “ajudou no desenvolvimento do profissionalismo brasileiro” e não pode ficar a mercê do que chama de “desmonte” atual.

A descoberta do Pré-sal é considerada um marco mundial por conta da sua alta produtividade. Para se ter uma ideia, enquanto a Petrobras demorou 45 anos para alcançar seu primeiro milhão de barris de petróleo, o Pré-sal produzia esse montante diariamente no seu oitavo ano de exploração. Hoje, esse volume é de 1,5 milhão barris/dia. Na Bahia, a produção era de quase 43 mil barris diários em 2007. Em 2019, esse valor está em torno de 28 mil/dia, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Diante do alto potencial do Pré-sal, a companhia começou a concentrar seus esforços na área de exploração e produção de petróleo e gás, investindo menos em outros segmentos. Em sua última atualização de planejamento estratégico, divulgada em outubro, a companhia anunciou a saída integral das áreas de distribuição e do transporte de gás, da distribuição de GLP e biodiesel e dos negócios de fertilizantes.

Imagem ilustrativa da imagem Poço de incertezas: da origem do petróleo à insegurança sobre a atuação da Petrobras na Bahia
| Foto: Felipe Iruatã / Ag. A Tarde
Para Regina Tonini, que entrou na Petrobras em 1975, no recém-criado setor de processamento de dados, a empresa não pode ficar a mercê do “desmonte” atual. Foto: Felipe Iruatã / Ag. A Tarde

A mudança tem impacto direto nas operações na Bahia, o único estado em que atua em todas as etapas, “do poço ao posto”, além da oferta de gás natural, geração de energia elétrica, produção no setor petroquímico e gás químico, além de fertilizantes e biocombustíveis.

Para o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli, que comandou a empresa de 2005 a 2012, a “perda da importância relativa” da Bahia começou com a produção de petróleo no mar de Sergipe, em 1968, e do Rio de Janeiro, em 1974. Ele explica que os campos baianos já não produzem tanto por serem “maduros”, mas ainda podem ser usados na realização de testes. Além disso, defende que “os ganhos econômicos em função de saída da Bahia são menores que os malefícios para a economia baiana”.

Foi no início do mandato do baiano que a Petrobras comprou a refinaria de Pasadena, nos EUA – ação que tornou Gabrielli alvo de processos jurídicos e desencadeou a Lava Jato oito anos depois, em 2014. O ex-gestor considera que a operação investigativa foi um “ataque a um símbolo importante no governo Dilma para, junto com a mídia, criar no imaginário das pessoas uma raiva contra a corrupção para a derrubada do governo”. A consequência, a seu ver, tem sido o “desmonte das empresas de engenharia brasileiras e a expansão das internacionais na maior reserva de petróleo descoberta dos últimos 30 anos”.

A opinião adversa à Lava Jato foi repetida entre os ex-funcionários que conversaram com a Muito e o Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro) da Bahia. Alguns defendem que o valor de R$ 4 bilhões desviados da Petrobras em 10 anos é pequeno se comparado aos R$ 3 trilhões faturados no mesmo período. O valor do desvio é estimado pela própria companhia, sem consenso do Ministério Público Federal (MPF), que já chegou a considerar um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões.

REDIRECIONAMENTO

Dentre os imóveis envolvidos em casos suspeitos de superfaturamento está a sede administrativa da Petrobras na Bahia, o Torre Pituba, que estava em fase de desocupação. A estatal alega que a saída do prédio, que custou R$ 2 bilhões e tem taxa de ocupação de 20%, é parte das estratégias de redução de custos e investimentos feitas desde 2015. O processo de esvaziamento, que também está acontecendo nos edifícios fluminenses Ventura e Novo Cavaleiros, já foi finalizado no Edisp, em São Paulo.

O técnico de operação Atila Barbosa, um dos diretores do Sindipetro-BA, conta que o clima entre os atuais funcionários é de preocupação diante da incerteza se manterão seus empregos ou serão transferidos para outros estados. O sentimento é bem diferente do que havia na sua entrada, em 2007, quando seus colegas “faziam planos de carreira”.

Ele teme que a aflição dos 1,5 mil funcionários e dois mil terceirizados que trabalham na Torre se estenda aos quatro mil servidores e cerca de 15 mil terceirizados empregados pela Petrobras em 21 municípios baianos.

A desativação das atividades do prédio, para o sindicato, foi a prova final de que a estatal está encerrando suas atividades no Nordeste. A versão sindical é defendida desde 2018, quando foi anunciada a hibernação das sedes baiana e sergipana da fábrica de fertilizantes Fafen, que hoje está em processo de licitação para arrendamento. Segundo o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, o negócio gerava prejuízo de R$ 200 milhões por ano.

Em audiência pública na Comissão de Mineração e Energia da Câmara dos Deputados no início deste mês, o presidente afirmou que “a natureza trabalhou contra a Bahia, que já foi um estado muito importante para a empresa, mas hoje só representa 1,5% da produção da companhia”. Sobre a atuação no Nordeste, Castello Branco defendeu que não está fechando operações, mas “vendendo para empresas privadas interessadas nesses ativos, que estão investindo na região e vão gerar empregos”.

Este ano, foram vendidas 22 concessões de exploração terrestre nos polos baianos Recôncavo e Rio Ventura. Agora é a histórica Refinaria Landulpho Alves que está em negociação.

O prefeito ACM Neto (DEM) declarou à Muito que esse desinvestimento é “ruim para Salvador e péssimo para o estado” e que fará o que estiver ao seu alcance para proteger o emprego dos servidores. A mesma postura é adotada pelo governador Rui Costa (PT), que é favorável à abertura de investimentos para companhias privadas, desde que a estatal permaneça na região. “A Petrobras poderia estar forte, investindo e concorrendo com outras empresas”.

Em defesa pela permanência estatal na Bahia, Atila Barbosa diz que nossa produção tem complexidade elevada e alta qualidade. “O petróleo nordestino é rico em parafina, que é o derivado de maior valor agregado”. Na sede do sindicato, ele se emociona ao ouvir o relato do colega aposentado Sinvaldo e se compromete a defender seu legado. “A Petrobras não foi só criada pelos recursos do povo brasileiro, mas pelo suor, pelo pedaço de vida de cada trabalhador”.

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