ANIVERSÁRIO DE 175 ANOS
Poetas baianos refletem sobre a obra de Castro Alves
Neste domingo, 13, se comemora o aniversário do poeta baiano
Por Vinícius Marques
É comum que grandes artistas de outras épocas sejam redescobertos a todo momento. Existe uma tristeza quando pensamos que, enquanto vivos, não foram reconhecidos como deveriam. Mas também há casos em que, mesmo em vida, esses grandes artistas receberam os louros que eram seus por direito.
O poeta Antônio Frederico de Castro Alves, ou apenas Castro Alves, foi um desses que pôde desfrutar dos aplausos nas praças, teatros e universidades por onde passou ainda em vida.
O “gigante, condor, montanha”, como descreveu o crítico Agripino Grieco, ainda hoje permanece vivo na memória do povo baiano e brasileiro, seja por sua intensiva defesa das causas políticas e sociais de seu tempo ou pelo seu forte lirismo romântico. O bardo, que celebramos seu nascimento no dia amanhã, e escreveu poemas como Navio Negreiro e Vozes d’África, ainda hoje é referência para diversos artistas – não só os poetas.
Figura presente em todos os cantos, desde as praças e ruas com seu nome aos museus e teatros, o poeta já teve versos musicados por artistas como Caetano Veloso e Carlos Lyra, por exemplo, além de já ter virado personagem de história em quadrinhos, peças e também no cinema. Uma vida que, apesar de curta, foi marcante.
Mas o que torna esse poeta da terceira fase do romantismo tão instigante, que mesmo após 175 anos de seu nascimento – e quase 152 do seu falecimento –, nos faz querer explorar mais sobre sua obra e vida pessoal?
O escritor, professor de literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e membro da Academia de Letras da Bahia, Aleilton Fonseca, organizador dos livros O Olhar de Castro Alves: Ensaios Críticos de Literatura Baiana e Asas do Condor: Ensaios sobre Castro Alves, conta que, para a época, no romantismo, a consciência social de Castro Alves era um diferencial enorme e, por isso, ainda hoje nos desperta curiosidade.
“Castro Alves é, sem dúvidas, um dos poetas mais importantes da literatura brasileira. Ele se destacou trazendo uma poesia que vai além do idealismo e trata de questões sociais, entre as quais, a mais importante, a do abolicionismo. Essa é a diferença da poesia de Castro Alves dentro do romantismo, essa consciência social que a poesia dele tem”, afirma.
Espetáculo
“É importante se conhecer a poesia de Castro Alves não apenas como expressão da terceira fase do romantismo brasileiro, mas como uma poesia de aplicação social e uma poesia também de espetáculo, uma poesia para ser declamada em público”, completa o acadêmico.
Excelente declamador, os saraus – que atualmente temos aos montes na Bahia – talvez sejam um dos maiores legados que o poeta nos deixou. Castro Alves era figura marcante nos espaços públicos das faculdades e nos teatros, sempre com algo a dizer.
Poeta que de certa maneira era também ator, ele chegou a produzir uma peça teatral, Gonzaga, encenada em Salvador no antigo Teatro São João, que ficava na praça que hoje leva o seu nome.
“Essa coisa de declamar trouxe uma vantagem para a poesia de Castro Alves. Sua poesia era muito conhecida e ele ficou muito famoso como poeta, mas hoje a gente se direciona a ele como artista. Declamando em espaços públicos, ele acabou sendo aclamado em São Paulo, em Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro”, conta Fonseca.
O professor e acadêmico, assim como muitos outros brasileiros, teve o primeiro contato com a obra de Castro Alves ainda na escola. O mesmo aconteceu com o poeta, professor e performer Alex Simões. Em atividade desde os anos 1990, ele já publicou cinco livros e se prepara para o lançamento do sexto, pela editora Caramurê.
“Na adolescência li muito, adulto um pouco menos, mas é uma dessas referências incontornáveis que ficam para a vida toda, que por mais que eu quisesse não teria como desgarrar”, afirma Simões, que também diz ser um poeta que não tem uma memória muito boa de leitura, “mas que Castro Alves é o poeta cujo poemas muita boa parte reverbera”.
Simões conta que o modo de escrever e a técnica de Castro Alves é algo com que ele se identifica. Ele lembra que quando adulto, numa das várias releituras da obra de Castro Alves, foi entendendo ainda mais questões que quando mais jovem passaram batidas. Mas hoje ele tem outros questionamentos para além da obra: a figura de Castro Alves.
“Como poeta e interessado por todas essas questões, do povo negro e do localismo, de pensar nessa poesia baiana, fico me perguntando por que um poeta que nasceu 17 anos antes de Castro Alves, e que já falava dessas questões identitárias também, não tem tanta evidência?”, se pergunta Simões.
Ele se refere ao advogado, jornalista e escritor Luiz Gama, o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil, contemporâneo de Castro Alves e que foi lido pelo mesmo. “É indiscutível, Castro Alves era brilhante. Ele foi um poeta incontornável, como já disse, mas também estamos na terra de Luiz Gama. Então, ao lembrar de Castro Alves, que é um poeta que merece todas as homenagens, a gente precisa aproveitar a oportunidade para lembrar que essa terra também teve um grande poeta, um grande jurista, um grande defensor da causa negra abolicionista, que foi Luiz Gama”, pontua.
A questão esbarra no revisionismo, mas Simões não diminui a importância de Castro Alves como um poeta e como um agente da luta abolicionista daquela época. Para ele, a importância de Castro Alves para a formação de uma sociedade abolicionista foi fundamental. Aleilton Fonseca considera isso um movimento natural e, para ele, o revisionismo é normal no sentido em que muitas questões precisam ser rediscutidas e reanalisadas.
“No caso de escritores que escreveram há mais de 100 anos, é preciso considerar a sua época, o seu contexto e avaliar o que continua válido na sua contribuição e aquilo que precisa realmente ser analisado de uma forma crítica”, avalia.
“A consciência de hoje tem um alcance maior sobre as questões sociais e as questões políticas em relação ao passado. Então, é válido fazer uma leitura crítica e mostrar as limitações, porém é preciso considerar a contribuição do escritor no seu contexto cultural e histórico”, complementa o professor.
Privilégio
Poeta e acadêmico não muito próximo dos escritos de Castro Alves, Marcus Vinícius Rodrigues afirma que apesar de Castro Alves falar do seu lugar de privilégio, ele tinha também uma percepção do que estava acontecendo à sua volta.
“O artista tem que estar aberto para falar da realidade. Ele observa a realidade e fala dela, não só da que ele vive, mas também de outras. Temos que ter sensibilidade para verificar tudo e poder falar de tudo que quisermos, mas é importante ouvir quem está vivendo aquilo”, pondera Rodrigues.
Nascido em Ilhéus, o poeta conta que diferente da força declamadora de Castro Alves, ele prefere algo mais silencioso. Suas referências são, como ele diz, “os poetas mais quietinhos”: Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e o português Eugênio de Andrade.
“Eu não sou muito da poesia dita em sarau. Gosto de escrever, fica no livro, a pessoa vai lá e lê. Uma poesia mais silenciosa. E Castro Alves já é uma poesia para ser falada. Então, é uma outra relação mesmo”, compara.
De acordo com Rodrigues, somos cercados por poetas oralizando hoje como foi na época de Castro Alves. Para ele, podemos ver diversos poetas declamando em público, nas redes sociais mais recentemente na onda de lives, e também nos saraus.
Lançando agora seu segundo livro, Traficando Informações, o poeta Sandro Sussuarana é uma dessas pessoas de saraus. Sua literatura começou a ser produzida em 2009, justamente quando passou a frequentar o Sarau Bem Black, que acontecia no Pelourinho. Foi lá que ele começou a declamar textos de outros autores e encontrou ali a oportunidade de falar dos seus anseios.
“Num espaço que tinha tanta gente preta falando de questões raciais, me senti também no direito de fazer poesia. Foi lá onde a poesia marginal me encontrou e passei a escrever minhas próprias poesias e a declamá-las no sarau”, lembra.
Em 2011, Sandro, junto com Evanilson Alves, Maiara Guedes e Omael Vieira, criou o Sarau da Onça, onde ele começou, de fato, a apresentar textos autorais de uma forma mais frequente, como quem queria de fato passar a viver da arte da poesia.
Mas, diferentemente do Sandro aos 15 anos, que durante as aulas de teatro teve contato pela primeira vez com as obras de Castro Alves e o levou como referência, hoje o criador do Sarau da Onça já não o enxerga como antes.
“Depois que conheci autores como Giovane Sobrevivente, Evanilson, que trabalha comigo, e outros, tenho como referência essas pessoas, que são pessoas que estão próximas a mim, vivas inclusive, mas que têm um trabalho muito próximo daquilo que eu acredito, que é a gente fazer com que a poesia salve vidas”, explica.
Segundo ele, ninguém sai dos saraus do mesmo jeito que entrou. E essa é a urgência de Sandro. Para ele, a partir do momento que você se permite ser abraçado pela arte e pela poesia, você deixa de ser a mesma pessoa: “Quero fazer com que tenham acesso a essa poesia, não só a minha, mas de outros autores também, e que elas compreendam essa mensagem e que sintam a necessidade, assim como a gente, de expandi-la”.
Altíssimo nível
Quem acredita que a mensagem tem sido compreendida é a poeta e doutora em Literatura Clarissa Macedo. Autora de cinco livros, com o próximo, A Casa Mais Alta do Teu Coração, a ser lançado em edição física nos próximos meses, ela acredita que temos hoje, no Brasil, uma literatura de altíssimo nível e que chega em muito mais pessoas.
“É notório que as questões políticas que vêm ocorrendo desde 2013 têm sido cruciais para o desenvolvimento dessa literatura, e temos muita coisa boa que reflete sobre o tempo que estamos vivendo, que é tão duro”, analisa a poeta. “A literatura cumpriu bem o papel de reflexão mesmo diante de todas as atrocidades pelas quais a gente vem passando, não só no Brasil, mas a nível global”.
Sobre Castro Alves, ela conta que ele, com certeza, é uma figura decisiva não só para a literatura baiana, mas nacional, porém sente que pelo fato de o poeta ser um clássico e ter uma obra consolidada, podemos falar dele de uma maneira mais confortável. Mas prefere falar sobre a literatura contemporânea quando se refere a figuras de referência.
Ela conta que a Bahia, “sem querer puxar minha sardinha”, é um dos estados brasileiros cuja literatura está melhor representando a qualidade literária nacional. “Temos diversos nomes, tanto de autores quanto de autoras, que vêm fazendo uma literatura de grande relevância em vários temas, dos mais políticos aos mais cotidianos. Tenho orgulho da literatura baiana contemporânea”, afirma. Entre alguns nomes, ela cita Vânia Melo, Iolanda Costa, Martha Galrão, Cristina Sobral e Rita Santana.
A atriz, professora e poeta Rita Santana é uma dessas apaixonadas por Castro Alves. Para ela, o poeta é uma referência legítima do povo baiano e brasileiro. Como professora, ela diz que sempre chamou a atenção dos seus alunos para a obra de Castro Alves. “Acho que tem uma coisa encantadora, tem uma coisa sedutora nele”.
“Gosto muito desse olhar social que ele tem, a crítica quando ele toca na questão da escravidão. E é um paradoxo também, porque ele era esse menino burguês que vai estudar fora, além de ter muita coisa assombrosa na vida dele”, avalia a professora e poeta.
Em casa, Rita possui uma cópia autografada da biografia do poeta escrita por Alberto da Costa e Silva. “Para mim, é uma coisa preciosa, eu li apaixonada. Acho uma obrigação, principalmente como educadora, mas também pelo fato de ser atriz, uma cidadã”.
Ao falar sobre a produção baiana, Rita não poupa elogios: “Vivemos um momento muito bonito da poesia no Brasil e na Bahia”. Ela destaca as múltiplas vozes, principalmente a de muitas mulheres negras. Para ela, isso é o resultado de uma necessidade de falar, de escrever e de se fazer ouvir. “A literatura também se tornou um lugar de escuta, onde muita gente precisava falar e encontrou na escrita um veículo talvez mais acessível, principalmente para a juventude”.
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