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ABRE ASPAS

Ponto decisivo é o bem-estar do paciente, diz advogada sobre morte assistida

Confira a entrevista com a advogada Jessica Hind

Por Gilson Jorge

03/11/2024 - 1:00 h
Brasil vive discussão sobre a autonomia que as pessoas têm quando a vida plena não é mais possível e busca-se uma morte digna
Brasil vive discussão sobre a autonomia que as pessoas têm quando a vida plena não é mais possível e busca-se uma morte digna -

O Brasil inteiro se surpreendeu na semana passada quando o filósofo e poeta Antonio Cicero, paciente de Alzheimer em estado avançado, publicou uma carta se despedindo da vida na véspera de um procedimento de morte assistida. Não ficou claro se o autor de várias letras que fizeram sucesso na voz de sua irmã, Marina Lima, se suicidou ou submeteu-se à eutanásia. O certo é que uma vez decidido a interromper o sofrimento de não se lembrar mais de pessoas queridas nem poder lidar com os textos, seu meio de vida, Cicero, membro da Academia Brasileira de Letras, decidiu viajar à Suíça, um dos poucos países onde a morte assistida é legal. Seu ato levantou outra vez no Brasil a discussão sobre a autonomia que as pessoas têm no país quando a vida plena não é mais possível e busca-se uma morte digna. Diretora adjunta de relações acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Alagoas (IBDFAM-AL), a advogada baiana Jéssica Hind fala nesta entrevista sobre as opções que as pessoas têm, dentro e fora do Brasil, para encarar a deterioração do próprio corpo quando o sofrimento impede a plenitude da vida ou quando a morte é apenas uma questão de dias.

O Supremo Tribunal Federal tem analisado casos de eutanásia. A senhora vê no horizonte alguma possibilidade de que a legislação brasileira mude e essa prática seja liberada?

Infelizmente, em um curto prazo, não. O projeto de lei que foi mais longe em relação ao assunto era para estabelecer a eutanásia como um crime próprio. Porque hoje ela é lida pela nossa legislação como um homicídio privilegiado. Um homicídio com boas intenções. Caso a eutanásia realmente seja transformada em crime, ela vai ter uma pena própria, mais branda. Para a legalização da eutanásia, o projeto que a gente tinha foi arquivado há muito tempo. E eu não vejo, com a bancada atual do Congresso Nacional, a possibilidade que a gente venha em um futuro próximo rediscutir esse assunto nesses termos.

Existe a alternativa da ortotanásia, que é a não-intervenção com procedimentos invasivos em pacientes terminais. Essa modalidade está disponível pelo SUS?

Sim, a ortotanásia é regulamentada, inclusive por resolução do próprio Conselho Federal de Medicina (CFM). A ortotanásia seria o cenário ideal. Seria a morte no tempo certo, sem usar meios invasivos de maneira desnecessária, evitando o prolongamento artificial da vida em um tempo maior do que se deveria, provocando sofrimento ao paciente. Na ortotanásia, a pessoa continua sendo acompanhada pelos cuidados paliativos. Esses cuidados vão aliviar a dor e tratar os sintomas. Porque nada mais pode ser feito em termos curativos, por exemplo, com pessoas que estão com câncer em metástase, em estado terminal. O ideal é que não se prolongue essa vida de maneira desnecessária. A ortotanásia é uma prática que deveria ser encaminhada a partir do SUS.

Há algum risco de que o profissional de saúde envolvido em um procedimento de ortotanásia seja depois processado e condenado sob a acusação de negligência?

Existe a possibilidade de que ele venha a ser acusado. Isso é óbvio. Mas não existe a possibilidade de condenação caso ele tenha seguido os procedimentos, anotado em prontuário as condições e preferências do paciente. E aí, preferencialmente, se o paciente estiver acompanhado, é interessante que a própria equipe do hospital, quer seja o médico, quer seja o assistente social, converse com essa família explicando essas condições. Essa é a orientação do CFM. O oposto da eutanásia, que é essa morte no tempo certo, entender que nada mais pode ser feito, é o que a gente chama de distanásia, ou obstinação terapêutica, quando você quer manter esse paciente vivo a qualquer custo. E isso tem um sofrimento para o paciente. Olha que eu não estou falando de custo sob o ponto de vista econômico.

Por falar em questões econômicas, a decisão é sempre do paciente ou da família quando o paciente não pode decidir. Mas na distanásia existe, eventualmente, a possibilidade de que a adoção desse procedimento seja orientada em benefício de dependentes do paciente que precisem dele formalmente vivo para continuar recebendo dinheiro. Como se lida com isso?

O ponto decisivo deve ser sempre, apenas e tão somente o bem-estar do paciente. Mas há casos em que se está levando em conta os interesses econômicos. Sim, podem acontecer. Viralizou recentemente o caso de uma mulher que levou o tio morto para sacar dinheiro em uma agência bancária. Então, é óbvio que é possível que para alguém a distanásia sirva para um proveito econômico. Mas a gente não lida com isso na seara da terminalidade de vida. Inclusive o médico está orientado pelo seu conselho de classe, o CFM, a adotar condutas adequadas para que esse paciente venha a óbito de forma digna. Não é o ideal que o médico faça essa manutenção da vida de forma indigna, desnecessária ou contra a autonomia desse paciente caso tenhamos diretivas antecipadas de vontade. Apenas por questões econômicas, quer seja da família, quer seja do hospital. Há especulação inclusive com relação às diárias. Essas não seriam justificativas legítimas para a manutenção da distanásia. Via de regra, a família e os médicos mantêm o paciente ali por saudade ou incapacidade de lidar com a morte.

Em 2013, uma médica paranaense foi acusada de desligar os aparelhos de pacientes terminais sem a autorização da família. Supostamente, ela queria se livrar de pacientes do SUS. Além disso, há as quadrilhas de traficantes de órgãos. O que as famílias podem fazer para se certificarem de que a morte dos pacientes é, realmente, irreversível?

O que autoriza o desligamento automático dos aparelhos é a chamada morte cerebral. O nosso marco de morte é a morte encefálica. E para que se decrete a morte encefálica, precisamos do diagnóstico de mais de um médico. A gente tem uma normativa específica do CFM para o assunto, a Resolução 2.173/17, que exige que a confirmação de morte encefálica seja atestada por dois médicos. E a partir disso está autorizado, de forma instantânea, que se desliguem os aparelhos. Falo isso inclusive porque a gente tem o caso de uma mãe aqui no Brasil que ingressou com uma ação judicial para que mesmo após a morte encefálica os aparelhos conectados ao seu filho permanecem ligados. Em qualquer outro cenário, a gente precisaria de um esclarecimento, de um encaminhamento dessa equipe médica para explicar o quadro de irreversibilidade. Não é qualquer estado comatoso que por si autorizaria isso. Qualquer circunstância diversa da morte cerebral necessitaria de um estudo mais aprofundado. Inclusive, se a família compreender que ali pode haver algum tipo de equívoco, pode buscar uma segunda opinião. Os médicos encaminhados pela família são liberados a entrar e ter acesso aos prontuários. Ou inclusive caberia uma denúncia no Ministério Público em caso de desconfiança. Infelizmente, falo isso com muita tristeza, famílias de baixa renda raramente vão ter acesso a médicos de sua confiança. E talvez não tenham a informação adequada de que poderiam recorrer ao Ministério Público.

As famílias de baixa renda, portanto, estariam mais suscetíveis a más práticas médicas e, eventualmente, ao tráfico de órgãos...

Eu acho que elas estão mais suscetíveis à falta de esclarecimento e à falta de confiança nos critérios relativos à morte. Inclusive pela própria dinâmica da falta de recursos. Agora, quanto ao tráfico de órgãos, os casos de homicídio – e é importante dizer isso porque os casos de morte que não sejam para o bem-estar do paciente não tem como chamar de eutanásia, mesmo que seja em ambiente hospitalar – vão precisar ser apurados. E não necessariamente vão estar vinculados ao tráfico de órgãos. É preocupante a gente associar o tráfico de órgãos à eutanásia porque no passado a gente teve discussões parecidas com relação à doação de órgãos. O grande medo de pessoas serem submetidas a homicídios, ou antecipações involuntárias da morte, se não quiser usar o outro termo, com a intenção de doação de órgãos. Nesse contexto, a gente tem no Brasil uma outra figura. Eu prometo que é o último nome que uso relacionado à morte. Existe a mistanásia, que é a morte miserável, indigna, que talvez pudesse ser evitada com recursos e equipamentos. Esse tipo de morte, sim, afeta principalmente as famílias mais pobres.

Nos países que permitem a eutanásia, quais são as alternativas?

Com relação às possibilidades de antecipação da morte, além da eutanásia, que é a abreviação da vida, em que um terceiro pratica o ato final, há o suicídio assistido, em que o próprio paciente vai praticar o ato final, com a assistência de terceiros. É importante a gente frisar isso porque quando se fala, por exemplo, da Suíça, na clínica mais famosa do mundo, a Dignitas, é possível fazer qualquer um dos dois procedimentos. E a diferença central é se vai ser um terceiro ou se vai ser você o responsável por esse ato. Por exemplo, você pode abrir um registro que libera um gás que vai te inebriando até a morte. Na eutanásia, é um medicamento injetável.

O suicídio assistido é muito próximo do suicídio normal...

Sim, mas é um suicídio digno, sem sofrimento. Essas pessoas que morrem em casa com vazamento de gás, normalmente dormem antes e morrem sem dor. É um procedimento sem dor. Outro exemplo, no mundo, é a cápsula Sarco, em que você entra e aperta um botão. A morte também acontece com gás, sem dor. Tanto no suicídio assistido quanto na eutanásia, o ideal é que se morra sem dor. Afinal de contas, eles estão pensando em prol do paciente.

Mas o suicídio assistido também é ilegal no Brasil...

Sim, com certeza. Mas não se pune quem tentou o suicídio, e sim qualquer pessoa que de alguma forma auxilie no processo ou instigue a prática do suicídio.

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Tags:

advogada bem estar eutanásia Jessica Hind Morte assistida paciente

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