CRÔNICA
Prazer, Luisa. Com S.
Confira a crônica de Luisa Sá Lasserre
Por Luisa Sá Lasserre*
A resposta já é automática. Qual é o seu nome? Me perguntam no laboratório onde vou fazer exame de sangue. E também na marcação do consultório odontológico ou no salão de beleza. Luisa. Com S. É o que eu respondo, com ênfase no S para garantir que vão escrever certo. Que serei eu mesma, e não uma outra, ali naquele pedaço de papel, naquele programa de agendamento, na ficha cadastral.
Desde criança, me lembro de fazer questão de dizer que o meu nome é com S. É que a maioria das Luísas que eu via, na verdade, eram Luízas. Com Z. E o IBGE está aí para provar: no Brasil, há cerca de 150 mil versões a mais com Z do que com S. Alguns podem até dizer “ah, dá no mesmo”. Não sei para você, mas, para mim, uma letrinha que muda já faz uma baita diferença, mesmo soando igual.
Luísa com S tem forma sinuosa, mais fluida, e isso me passa suavidade. Ok, sou suspeita para falar, estou aqui defendendo o meu peixe. Nada contra as Luízas, vamos deixar bem claro, o nome continua sendo lindo… olha eu advogando em causa própria outra vez. Modéstia às favas, adoro esse (meu) nome.
Sou tão atenta à grafia que me preocupo não só em como estão escrevendo o meu nome, mas em como eu também escrevo o das pessoas. Procuro sempre confirmar se tem um L a mais, um Y no lugar de um I, se é com SS ou Ç. A maioria das pessoas nem pensa nisso, escreve como lhe parece e pronto. Vida que segue. Eu não, pergunto sempre que posso, dou até um Google se for preciso. Aliás, como jornalista, acho isso imprescindível.
Já pensou escrever o nome do Drummond sem M dobrado e D no final? Seria outra pessoa, certamente, e não o nosso poeta de 7 faces — e um nome só. Ou, ainda, imagine noticiar mais um feito empresarial da Luiza Helena Trajano como Luísa, sem Z… não dá!
Em relação ao meu nome, tem mais um detalhe. Pela certidão de nascimento, é sem acento. Eu, que adoro um bom português, estou ferindo a ortografia, uma vez que o hiato com I ou U precisa ser acentuado, a não ser que forme sílaba com a consoante seguinte, desde que não seja a letra S. Por isso, Luís ou Luísa recebem acento, já Luiz não; Lu-í-za, mesmo sem S, recebe acento porque o Í fica isolado no hiato, sem formar sílaba.
Sim, o nosso português é uma onda. E eu adoro. Mas, ainda assim, assino meu nome conforme a certidão de nascimento. Pode ser que mude um dia? Pode, acho o acento bem bonito até. Já perguntei a meus pais, e a grafia do meu nome não foi exatamente intencional, embora o prefiram assim. Meu pai falou o nome no cartório e a atendente escreveu como quis. Calhou de ser sem acento. E com S, claro.
Mesmo com a maioria das Luízas do Brasil com Z, dizem que a gramática oficial só reconhece com S, já que o nome em português é derivado do francês arcaico Louis e seu feminino Louise. Porém, o Brasil aceita grafias personalizadas nos nomes próprios — nem sempre isso é possível em outros países. Assim, temos essa profusão de Daniela e Daniella, Juçara e Jussara, Matheus e Mateus, Felipe e Filipe.
Nome é pedaço da gente. É a nossa identidade, parte fundamental de quem somos expressa em letras que formam um tecido cheio de significado e nos acompanham pela vida. É carregar palavra no peito, no corpo, nos sentidos, a tiracolo.
Meu nome é um atestado: de que esta sou eu. Que pensa mais do que fala. E escreve por falta de jeito, um jeito melhor de se expressar. Que ainda assina sem acento, mesmo reverenciando a nossa língua portuguesa e todas as particularidades que a constituem. Capaz de escrever uma crônica inteira sobre a letra do próprio nome.
Sim, esta sou eu. Prazer, Luisa. Com S.
*Escritora e jornalista
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