MUITO
Produção de podcasts em Salvador cresce durante a pandemia
Por Yumi Kuwano
É impossível não ter escutado um podcast sequer durante a quarentena. Eles, que já vinham ganhando força nos últimos anos, como mostra uma pesquisa da Deezer que registrou um crescimento de 67% no consumo nacional nas principais plataformas de streaming, como o Spotify, Google Podcasts, Deezer, SoundCloud e Apple Podcasts em 2019, no segundo trimestre de 2020, o Spotify revelou que o consumo de podcasts dobrou entre os ouvintes da plataforma.
Quando se trata de podcasts, os temas podem ser os mais variados: de política a humor, há para todos os gostos. Conteúdo com a possibilidade de poder ser consumido, inclusive, enquanto se desenvolve outras tarefas, em diversas plataformas e no horário que se quiser.
Esse potencial foi percebido por grandes empresas de comunicação que lançaram seus próprios podcasts, mas durante a pandemia muita gente aproveitou para produzir o seu, mesmo sem muitos recursos. Foi o que aconteceu com alguns podcasts baianos, criados no ano passado.
Os podcasts de música são muitos, mas o Radiocast além de entrevistar artistas, promove uma discussão aprofundada a respeito dos temas, já que não há limite de tempo.
Inicialmente, a ideia era criar um produto em formato de vídeo, de acordo com o jornalista e apresentador Luciano Matos, mas com a pandemia o projeto teve de ser modificado. A marca Radioca que já possui um programa de rádio veiculado na Educadora FM e um festival, que acontece anualmente desde 2015, utilizou o caixa do evento para investir e viabilizar o novo formato.
Ao todo são quatro pessoas na equipe e os temas e entrevistados são escolhidos em uma reunião de pauta. “É muito parecido com uma redação jornalística. Fazemos um planejamento. Eu faço o roteiro, Carol Morena produz, e vamos distribuindo as tarefas", explica Luciano.
Para o apresentador, a produção baiana ainda é tímida se comparada a outras cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mas ele percebe um esforço e reconhece ter produções recentes de qualidade. “O nosso grande problema é a desigualdade e também a concentração dos meios de comunicação em algumas partes do país. A maioria dos projetos independentes não têm recurso. É massa produzir, mas tem uma hora que você precisa pagar as contas. Acho que esse é o entrave real de não ter tanta produção ainda. Mas acho que estamos aprendendo a fazer sem muitos recursos, principalmente a juventude".
Criado por cinco amigos da faculdade de engenharia química, o podcast Futebol com Pimenta nasceu para dividir com o mundo as opiniões do sobre o futebol baiano. A ideia partiu de Renan Trevisol, em maio.
“A pimenta faz referência a Bahia e também porque não queríamos trazer a ideia de resenha apenas, mas trazer a polêmica, já que os participantes são de times rivais”, diz Renan. “Queríamos um programa divertido, algo diferente do que a rádio e a TV fazem”, completa Lucas Silva.
Lançado no último mês de agosto e com alguns integrantes morando fora de Salvador, o grupo faz tudo, desde o início, via telefone e internet, por isso consideram também um período de experimentação e fortalecimento da identidade do podcast. Recentemente, passaram a transmitir também as gravações no YouTube, e no Spotify até fora do país eles têm ouvintes.
Para Lucas, foi um ganho além do esperado. Ele que sempre gostou de se comunicar diz estar aprendendo muito: "O meu trabalho é fazer com que meus colegas apareçam da melhor maneira possível, por isso eu tento extrair deles o melhor durante as gravações”.
E quando falamos de Bahia, além da pimenta, lembramos do dendê. O Viagens Gastronômicas do Dr. Dendê é um podcast que tem como tema principal a culinária afro-baiana e trata não apenas sobre comida, mas de relações de poder. Um dos objetivos do pesquisador e apresentador Vagner Rocha, que estuda a temática há mais de 10 anos, é “combater o racismo e a visão reducionista em torno da culinária afro-baiana, mostrando que a contribuição africana na cozinha inclui diferentes técnicas de preparo, por exemplo, vários ingredientes além do azeite de dendê, e também adaptação de receitas rituais”.
Ele considera fundamental destacar o legado africano não só na culinária baiana como na brasileira. “Também acho que o podcast é uma forma de estimular os ouvintes a se arriscarem na cozinha, relembrar as receitas das mães e avós e a cozinha afetiva”, comenta.
O podcast foi uma forma descontraída que Vagner e Rafael Fontes, idealizador do produto, encontraram para difundir conhecimento e compartilhar pesquisas acadêmicas com o grande público, além de ajudar, de alguma forma, quem estava em isolamento por meio da cultura da comida que faz parte do nosso cotidiano. Para Vagner, o podcast deu novo fôlego e o ajudou a se reinventar em meio a esse cenário.
Na equipe, são seis pessoas que acreditaram na ideia e trabalham de forma voluntária desde a produção até a assessoria de comunicação: “Em dezembro, foi a primeira vez que nos encontramos todos pessoalmente”.
O apresentador conta ainda que produzir na pandemia é um desafio, mas que após quase um ano, a equipe se acostumou com a dinâmica à distância.
Sempre abertos
Já o podcast Pele Preta em Salvador não foi criado exatamente na pandemia, mas um pouco antes, no final de 2019. Portanto, a equipe teve de se reinventar rapidamente para se adaptar aos novos formatos de produção. Ao longo do caminho, houve muitas mudanças, mas eles se mostram sempre abertos para o novo.
A produtora cultural e apresentadora Fran Cardoso conta que antes gravava com o jornalista Rafael Santana e convidados em estúdio, e que passaram a fazer isso cada um na sua casa. A qualidade do áudio não era a mesma, claro, mas nada que comprometesse o conteúdo: “Atualmente, já temos alguns equipamentos. Não é a mesma coisa, mas foi bom, porque testamos outros formatos, novas possibilidades e novos olhares”.
Ela conta que começou a se debruçar nos estudos sobre feminismo negro e logo surgiu a ideia do podcast a partir de uma conversa com amigos sobre questões raciais. “Foi de forma bem orgânica, porque queríamos criar esse conteúdo. Sabemos que os grandes veículos não dão voz para contar as nossas próprias histórias e nós que somos da área de comunicação sentimos um incômodo em relação a isso”. Inicialmente, o Pele Preta é um podcast, mas a ideia intuito é extrapolar as fronteiras do áudio.
Matéria-prima
Ao mesmo tempo que alguns podcasts ganharam força durante a pandemia, o Bahiarock – que era alimentado essencialmente a partir de shows e produções das bandas – ficou sem sua matéria-prima principal. Sem essa movimentação, o podcast reduziu sua frequência de episódios.
Lançado em 2019, o Bahiarock foi pensado porque as entrevistas para o site de mesmo nome eram feitas via áudio de WhatsApp. Ramon Prates decidiu criar um podcast para aproveitar aquele material. A maior parte do público é da Bahia, porque o assunto é justamente o rock produzido no estado, mas há ouvintes de todos os lugares.
Criador de conteúdo na internet desde 2003, o analista de sistemas tem, além do Bahiarock, um site sobre cultura pop, o Pocilga, e dele também derivou alguns podcasts, como o Suco de Umbivis, que utiliza o humor para falar sobre a Bahia, mas esse não é apresentado por Ramon, mas por outros integrantes do site.
Sobre profissionalizar o podcast, Ramon não se anima muito: “Quando queremos monetizar, precisamos nos adequar para falar sobre o que dá audiência e eu quero falar daquilo que gosto, que me chama a atenção”.
Vem aí
O podcast Viagens Gastronômicas do Dr. Dendê já tem a próxima temporada no forno, com previsão para ser lançada em março, junto com um guia virtual da culinária afro-baiana. O quê que a Bahia tem... vai tratar de 20 pratos da culinária afro-baiana com verbetes que contarão a história das comidas, ingredientes utilizados e curiosidades sobre o prato.
“Nessa nova temporada, a gente vai falar sobre histórias, transformações e curiosidades de comidas bastante conhecidas dos baianos, como a moqueca e a feijoada e também de pratos não tão famosos, como o arroz de hauçá e o efó”, antecipa.
Já o Futebol com Pimenta, que na primeira temporada se dedicou a falar sobre Bahia, Vitória e Jacuipense, promete explorar mais os times menores, do interior. “A mídia foca muito no Bahia e Vitória e esquece dos outros, que precisam ser representados. Somos um dos poucos que falam da Jacuipense, temos episódios inteiros dedicados ao time, por exemplo, e é uma cidade que merece atenção também”, diz Renan.
Mas as ideias não param e os meninos querem expandir os horizontes. “Temos pretensão de fazer coisas diferentes, falar de outros segmentos de futebol e no futuro os investimentos irão além de podcast”, comenta Lucas.
Eles já tiveram incentivo de uma marca que fez o primeiro uniforme, mas vislumbram conseguir patrocínios. “Sabemos que é difícil o ramo do futebol, porque é saturado, mas somos torcedores falando de futebol, com muito humor e bem próximo do público”, completa Renan.
A nova temporada do Pele Preta deve ficar pronta em abril e Fran revela que o tema central será a educação. “Vamos discutir sobre educação antirracista. Nossa missão não trata só do que nos incomoda, mas toda a sociedade”, diz Fran. A ideia é questionar ainda mais as relações de poder por meio do conhecimento.
O podcast já recebeu apoios pontuais de grandes empresas: “Entendemos como o conhecimento é importante, e queremos que empresas privadas se deem conta que também é importante investir nesses projetos”.
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