CRISE?
Produtores e empresários explicam altos e baixos dos shows e turnês
Agentes do setor citam “ressaca” do pico de interesse público em análise do momento
Por Pedro Hijo
Cancelamento de shows e turnês e adiamento de festivais têm marcado uma segunda onda de efeitos da pandemia de Covid-19 no setor de eventos no Brasil. A primeira foi uma explosão de apresentações musicais com grandes públicos. Agora, o setor se depara com uma oferta que supera a demanda e clientes mais criteriosos, levando à baixa venda de ingressos.
Produtores e empresários do setor têm explicado o movimento como uma “ressaca” do pico de interesse do público por entretenimento derivado do isolamento social imposto pela disseminação do coronavírus, entre 2020 e 2022. “Existe uma crise do formato de muitos shows e espetáculos”, diz o diretor geral do Teatro Castro Alves (TCA), em Salvador, Moacyr Gramacho.
Para Moacyr, o público brasileiro está relutante em pagar os valores de ingressos cobrados pelos grandes shows e festivais. “O setor de entretenimento no Brasil precisa se adequar às novas condições econômicas e buscar alternativas, como a economia circular”, afirma o diretor, que aponta a criação de novos formatos de apresentações como solução.
Com a promessa de shows grandiosos em estrutura e espaço e vendas abertas, as turnês das cantoras Ivete Sangalo e Ludmilla foram canceladas pelas artistas, no mês passado. As apresentações, que seriam majoritariamente em estádios e arenas, passariam por capitais em todas as regiões do país e seriam produzidas pela 30e, empresa especializada em grandes eventos.
Ivete, que comemoraria 30 anos de carreira na turnê, chegou a fazer uma apresentação televisionada no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, em dezembro, como uma prévia dos shows. A equipe da cantora responsabilizou a 30e pelo cancelamento, afirmando que a empresa não garantiu que os shows seriam da forma combinada inicialmente.
Ludmilla, por sua vez, disse que cancelou a turnê porque a produtora não cumpriu acordos para viabilizar os shows. Em nota divulgada nas redes sociais, a 30e afirmou que sugeriu uma readequação do show de Ivete e que foi surpreendida com o cancelamento. A mudança seria “por questões de demanda”, segundo a empresa. Sobre a turnê de Ludmilla, a 30e afirmou que não houve negociação antes do anúncio da cantora.
Baixas vendas
Produtores e empresários ouvidos pela reportagem afirmam que o preço elevado dos ingressos tem relação com as vendas baixas. Para se ter ideia, em Salvador, o show cancelado de Ivete tinha ingressos de R$ 50 a R$ 2.724, e o de Ludmilla, de R$ 95 a R$ 1.040. Em comparação, a apresentação da última turnê da carioca em Salvador, em julho, custava de R$ 60 a R$ 250, no primeiro lote.
Na ocasião, o valor de R$ 250 era praticado para ingressos no setor open bar, com bebidas incluídas. Na perspectiva de empresários do mercado, a mudança de formato do show de Ludmilla associada ao aumento do preço derrubaram as vendas. Em Salvador, a turnê intitulada Numanice, reuniu 30 mil pessoas no Wet Eventos (Avenida Paralela).
Já o revés nas vendas de Ivete, segundo investidores do setor, teria relação com a base de fãs da cantora. Apesar de ter apelo com um público grande e diverso, a baiana dependeria dos fãs mais fiéis para lotar estádios e arenas. Mas, como a fatia da audiência mais propensa a pagar pelo show é de adolescentes que ainda não têm renda própria, os ingressos encalharam.
Festivais
Uma opção que tem viabilizado shows tanto de artistas consolidadas, como Ivete e Ludmilla, quanto de revelações, são os festivais. A cantora Gloria Groove, por exemplo, cancelou um show na Concha Acústica do TCA que aconteceria em dezembro do ano passado e veio a Salvador para se apresentar no Festival de Verão, em janeiro.
A produtora do show na Concha, PortoBello Produções, justificou o cancelamento por problemas de logística. Diretora artística do TCA, Rose Lima afirma que o anúncio da artista no Festival de Verão atrapalhou as vendas da apresentação na Concha. A cantora voltou a Salvador em fevereiro para fazer um show no Festival Viva Verão, aberto ao público.
Para Rose, a presença dos artistas em festivais atrapalha a venda de ingressos em shows individuais. “Competir com festival é complicado”, diz a diretora. Ela cita como exemplo o show da cantora Pitty no Festival da Primavera, em setembro do ano passado, em Salvador. “Quem vai deixar de ver Pitty gratuitamente para assistir a um show dela que é pago?”, questiona.
O produtor cultural Cláudio Araújo pontua que apresentações em festivais, apesar de ajudar o artista a alcançar novos públicos, têm limitações. “O calcanhar de Aquiles é que em festivais, os artistas não conseguem levar o show da turnê, em estrutura, e o público está na expectativa de hits. Dá para ele vender o peixe, mas não é um show de turnê, é menor”, diz o produtor.
Na Concha, os festivais têm sido uma estratégia de viabilização de eventos com artistas que ainda não se apresentam individualmente no local, como o Rock Concha e o Domingo no TCA. De acordo com o site Mapa dos Festivais, eventos nesse formato cresceram em número no Brasil após a pandemia, mas têm sofrido adiamentos e cancelamentos nos últimos meses.
Conforme a plataforma, a quantidade de festivais mais do que dobrou em 2023 em relação ao ano anterior. Foram 298 eventos em todo o país contra 125 em 2022. Ainda segundo o Mapa, até a primeira quinzena de maio deste ano, 18 festivais de música alteraram a data de realização. Desses, oito foram cancelados, nove adiados e um cancelou um dia de evento, que seriam dois.
Dificuldades
Fundadora da agência de entretenimento IDW, que investe no festival Afropunk Bahia, Potyra Lavor afirma que é desafiador colocar o evento de pé. O festival já teve três edições e terá mais uma em novembro deste ano. “Salvador é o local que a gente aposta para fazer esse festival porque é a cidade mais negra fora da África. Mas, enfrentamos alguns desafios para fazer o Afropunk aqui”.
O evento, que foi criado nos Estados Unidos com o propósito de destacar artistas negros, já trouxe para Salvador Alcione, Victoria Monét e Emicida. Na próxima edição, terá entre as atrações Jorge Aragão, Léo Santana e Planet Hemp. Segundo Potyra, a capital baiana tem profissionais preparados para grandes eventos, mas faltam espaços com estruturas melhores.
“Num mundo ideal, teríamos um grande equipamento para eventos privados próximo ao mar, para trabalhar todo o potencial para o turismo internacional na nossa cidade”, diz Potyra, ressaltando que o Centro de Convenções Salvador, na orla da Boca do Rio, tem uma limitação de tamanho que não comporta eventos como o Afropunk.
Outra dificuldade citada pela empresária é a falta de voos internacionais diretos para Salvador. “Por isso, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo acabam recebendo mais artistas internacionais”, explica. Nos últimos anos, artistas internacionais como Coldplay, Taylor Swift e o grupo RBD fizeram turnê no Brasil sem passar pela capital baiana.
Potyra destaca ainda o entrave nos preços cobrados em Salvador: “Ingressos caros não vendem aqui”. Ela explica que festivais da dimensão do Afropunk, que reuniu na última edição cerca de 50 mil pessoas no Parque de Exposições, precisam de patrocinadores. “A gente só conseguiu viabilizar a vinda de Victoria Monét com o apoio de marcas”, exemplifica.
Para fortalecer o mercado de festivais em Salvador e no Brasil, Potyra diz que mais empresas precisam investir na área. “Falta dinheiro”, pontua. Ela afirma que no período pós-pandemia houve uma “euforia desordenada” e que o futuro do setor depende de uma mudança do próprio mercado. “É difícil ver que o empresariado trabalha para seu próprio umbigo e pouco para o grupo”.
Contramão
Cláudio Araújo destaca, no entanto, que projetos como o Numanice e o Tardezinha, turnê do cantor Thiaguinho, têm lotado estádios, arenas e casas de show de grande porte pelo país. Em ambas as turnês, os shows são caracterizados por uma experiência que envolve outras características além da apresentação musical em si.
No Numanice e no Tardezinha, os shows costumam ter convidados, têm estruturas mais simples do que as propostas nas turnês canceladas de Ivete e Ludmilla, são mais longos – de três a seis horas de duração – e têm destaque para as vendas de ingressos que incluem bebidas alcoólicas, no setor open bar.
“A explicação do sucesso desse formato é em função do trabalho dos artistas e sua relação com a comunidade”, diz Potyra. Para a empresária, esses projetos e artistas mantêm uma relação com os fãs que garantem a venda de ingressos. Inspirado nesse formato, o cantor Léo Santana anunciou como novo projeto da carreira a turnê PaGGodin.
De acordo com a equipe de Léo, o show terá, em média, quatro horas, e o repertório contará também com músicas de pagode romântico, gênero principal do Numanice e do Tardezinha. Assim como essas turnês, a apresentação do baiano terá também um segmento em que o artista improvisa músicas no final do show, ao estilo de uma roda de samba.
Em Salvador, o tradicional evento de verão Melhor Segunda-Feira do Mundo, do cantor baiano Xanddy Harmonia, já explora a proposta de shows longos e com destaque para o open bar. Em janeiro, o projeto de Xanddy teve duas edições na Arena Fonte Nova, reunindo cerca 30 mil pessoas cada dia. O show faz parte da temporada de ensaios de Carnaval de Salvador.
Para Xanddy, a diferença desses eventos é a “experiência”. “Temos um público muito fiel, que sabe o que vai encontrar e, por isso, faz questão de estar presente todos os anos”, diz o cantor, que lidera o projeto há mais de duas décadas. O investimento para agradar os fãs, afirma o artista, ultrapassa o palco, com renovação nos serviços ofertados.
Neste ano, o Melhor Segunda-Feira do Mundo estreou no pré-Carnaval de Salvador. Com trio elétrico sem cordas, Xanddy desfilou na Barra na segunda-feira antes do Carnaval. Pago pela prefeitura, o desfile deve se repetir no próximo ano, de acordo com o prefeito de Salvador, Bruno Reis. “O projeto virou religião, é um fenômeno”, afirma Xanddy.
Outros formatos de show também têm garantido a venda de ingressos em Salvador. Na Concha Acústica, segundo a diretora artística do TCA, a agenda de apresentações está preenchida até o final do ano. Um exemplo é a Turnê dos namorados, realizada pela dupla Anavitória com o cantor Nando Reis, que chegará à Concha no próximo dia 30.
Assim como o show romântico, a estreia da turnê Xande canta Caetano, hoje, se difere por uma parceria no palco. Com um repertório de regravações das canções de Caetano Veloso, o cantor Xande de Pilares contará com a participação do próprio compositor e cantor no show. “É o único lugar que Caetano confirmou participação”, diz a diretora artística do TCA.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes