ARTE DE RUA
Profissão: estátua viva
Conheça os trabalhadores do ramo do estatuísmo
Por Pedro Hijo
![Artista Vitor Souza](https://cdn.atarde.com.br/img/Artigo-Destaque/1300000/1200x720/Profissao-estatua-viva0130644700202502072156-ScaleDownProportional.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.atarde.com.br%2Fimg%2FArtigo-Destaque%2F1300000%2FProfissao-estatua-viva0130644700202502072156.jpg%3Fxid%3D6549448%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739108752&xid=6549448)
Aos 17 anos, o baiano José Marcos Reis subiu em um banquinho no centro de Porto Seguro, cidade localizada no Sul do estado, e ali ficou parado por algumas horas na mesma posição. Com pouco dinheiro no bolso, o adolescente encontrou na performance como estátua viva uma solução para conseguir se estabelecer na cidade. Desde então, são 22 anos que Marcos trabalha como artista de rua e mantém uma rotina que demanda perseverança, criatividade e técnica. “Eu sou apaixonado pelo meu trabalho, não trocaria por nada”, diz Marcos.
O estatuísta Vitor Souza, 32 anos, segue a mesma profissão de Marcos e se apresenta em alguns bairros de Salvador durante cinco dias na semana, há uma década. Em 2013, então desempregado, o sul-mato-grossense estava sentado em uma praça em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, sem saber o que fazer da vida. "As pessoas prometiam emprego, mas ninguém me chamava", lembra.
Avistou uma estátua viva e se aproximou para perguntar como era aquela rotina. A resposta veio em forma de ajuda. "Ela me ensinou técnicas, comprou tintas e roupas, e no dia seguinte eu já estava fazendo estátua", diz Vitor, que faturou R$ 80 na primeira tentativa.
José Marcos não teve o mesmo apoio. No começo da carreira, ele passava pasta de dentes no rosto antes de subir no palco improvisado. O baiano não tinha conhecimento e nem dinheiro para comprar a tinta metálica usada em maquiagens artísticas do tipo. O creme dental ardia o rosto e ele passou a se pintar com uma pomada cicatrizante. "Mas não era próprio para isso, eu me maquiava com Minâncora e as pessoas não entendiam porque eu chorava tanto, mal conseguia ficar com o olho aberto", lembra Marcos. Ele só passou a se maquiar com a tinta apropriada dois anos depois.
As dificuldades começaram muito antes na vida de Marcos. Ele chegou a Porto Seguro em 2000, fugido da casa da mãe, localizada na pequena cidade de Belmonte, onde nasceu. "Eu era muito pobre, minha mãe passava fome e eu queria ter uma vida melhor". Ele viu uma estátua viva no centro da cidade e se inspirou para fazer o mesmo.
Nas primeiras semanas de trabalho, Marcos trocava as moedas que recebia por copos de achocolatado, sua bebida favorita, em uma padaria da esquina. Era o que ele conseguia para se alimentar. "Como eu era muito criança, muito pequeno, as pessoas me davam dinheiro porque eu era engraçado".
Assim como aconteceu com Marcos, o carisma de Vitor também foi algo que chamou a atenção dos transeuntes. “Adoro divertir as pessoas. Sou um cartão-postal”, diz sul-mato-grossense. Ele chegou a Salvador no verão de 2015, dois anos após começar a carreira em São Paulo. Viu na capital baiana – e na alta do número de visitas de turistas – uma oportunidade para aumentar o faturamento. A previsão foi cumprida. No terceiro dia na cidade ganhou quase R$ 1 mil. Foi o suficiente para alugar um apartamento e permanecer em Salvador. Em média, ele faz de R$ 50 a R$ 150 por dia.
A instabilidade financeira faz parte da realidade dos artistas de rua, de acordo com a produtora cultural Selma Santos. Ela é co-idealizadora e curadora do Festival Internacional de Artistas de Rua da Bahia, criado em 2002 e que soma 17 edições. Ela conta que estátuas vivas como Marcos e Vitor representam um coletivo cada vez menor entre os artistas de rua no estado. O calor e a insegurança são alguns pontos que atrapalham a escolha desses profissionais pelo estatuísmo. "A violência de Salvador afasta muita gente das ruas”, explica.
Marcos conta que casos de assédio são comuns durante a jornada de trabalho de uma estátua viva. Na página pessoal no Instagram, o artista denunciou pessoas que aproveitam a vulnerabilidade da profissão para passar a mão no corpo das estátuas vivas. “Isso me tira do sério”, exclama. Essas ocasiões já fizeram Marcos quase desistir da carreira. “Há quem ache que eu estou errado por defender o respeito ao meu trabalho, mas não é fácil”.
Críticas e atos abusivos também fazem parte da rotina de Vitor. “Já recebi cuspe na cara, já me bateram com uma Bíblia, me disseram que eu envergonho a minha família”, relata. “Mas eu levo para o lado positivo, porque são pessoas que não sabem da minha realidade e isso só reflete quem elas são”.
Para Selma, o festival que idealizou é uma forma de promover um maior entendimento do público com as diversas formas de expressão urbana. O evento foi inspirado em um festival italiano e contou com a cocriação do artista Bernard M. Snyder. Na edição deste ano, que será realizada em março, Bernard dará uma palestra com dicas para quem deseja iniciar no setor. Nas próximas semanas, os curadores devem escolher 16 grupos que se apresentarão entre os mais de 280 artistas inscritos. “A ideia é provocar nas pessoas a motivação para fazer espetáculos na rua”, explica Selma.
Jornada
Apesar do incentivo, a rotina de um artista de rua não é fácil. Vitor trabalha todos os dias, com exceção das quartas e quintas. Começa às 10h da manhã e permanece até às 16h. Nas sextas, sábados e domingos, o trabalho começa pela manhã no Pelourinho, parte para o Farol da Barra e termina no Rio Vermelho, à noite. Marcos escolhe o período noturno para se apresentar na Praça Inaiá, no Centro de Porto Seguro. “O calor é menor”, diz. Começa as 18h30 e segue até as 23h30, de domingo a domingo.
O faturamento de cada jornada como estátua viva varia. Nos melhores dias, vai de R$ 150 a R$ 500. Para complementar a renda, Marcos produz empadas. Acorda às 5h, assa os quitutes e percorre cerca de 10 km na praia para fazer as vendas.
Para se transformar em um anjo, Vitor gasta cerca de 30 minutos para preencher todo o corpo com tinta. Marcos é mais rápido. A maquiagem para virar “Lampião Prateado”, uma referência ao cangaceiro nordestino Virgulino Ferreira da Silva, toma 10 minutos do artista. “Mas, se eu escolho fazer outro personagem, com tinta preta e dourada, daí pode durar até uma hora e meia para pintar”, diz. Para tirar a maquiagem prata, o tempo é o mesmo para os dois: 30 minutos embaixo d’água ou com a ajuda de lenços umedecidos.
“Mas o que mais dói são as pernas”, diz Marcos falando sobre o fim do expediente de horas em pé. Ele conta que não bebe álcool e não fuma para ter mais concentração como estátua viva. “Quem bebe tende a tremer”, diz o artista que chega a permanecer por 10 minutos sem piscar os olhos. Para ele, ser estátua viva é algo que exige dedicação: “A pessoa que passa quer ver uma apresentação perfeita, interagir, elas precisam sentir que eu admiro o que faço”.
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