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MUITO

Quanta pena de Gisele

Confira a crônica deste domingo

Por ró-Ã*

17/11/2024 - 11:00 h
Imagem ilustrativa da imagem Quanta pena de Gisele
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Pipocou um vídeo no celular de Antonina com Ms. Bündchen parando o carrão e se queixando a um guarda da perseguição de paparazzi. Ele argumentou que não podia impedi-los de fazer seu trabalho e a beldade verteu lágrimas sentidas: “Só quero viver minha vida em paz!”. O guarda não se comoveu; Antonina, tampouco.

Ficou preocupada com a ausência de empatia lhe assegurando uma vaga no Inferno. Tratava-se, afinal, de um ser humano e suas dores. Mais recentemente, porém, ao saber do falecimento da mãe da übermodel, não lhe faltou compaixão. Morte de mãe é outra história. Choramingar do topo de um sucesso milionário perseguido com corpo e alma, tenha dó.

Reconheço que deve ser muito chato não poder nem ir ao mercadinho sem um bando de gente lhe seguindo os movimentos, mas paciência, né? Ganhar 57 mil reais por minuto para dar o ar da graça num camarote da Sapucaí, contudo, é deveras invejável. Antonina não rende tanto num ano inteiro e ainda deixa boa parte com o Leão. Veio se lamuriar logo comigo.

Me lembrei de uma tal de Vera Loyola, emergente carioca que há alguns anos era presença constante no noticiário, com suas festas de aniversário puro luxo para a cachorrinha. Afora declaração de que “Só morreram x pessoas”, acerca de um prédio que desabou no Rio por causa da baixa qualidade do material de construção. Será que os responsáveis foram punidos? Ou não, porque apenas x corpos partiram, esmagados, desta para melhor?

Antonina e eu nos situamos, desconfortavelmente, entre loyolas e aqueles que só têm espaço nas páginas policiais ou nenhuma: um grupo de trabalhadores num fim de tarde subindo cansados a Padre Feijó com roupas puídas e resignação, disparando em nossos coraçõezinhos, além de dor, uma vergonha sem medida. Francisco, mulher e filho, nos arredores de Itabaína, hoje Presidente Tancredo Neves. Eram 4 km do seu casebre de barro batido até a cidade, percorridos ida e volta, a pé, todo santo dia. Nos escandalizamos ao testemunhar que era possível sobreviver com nada. Compramos um mosquiteiro pelos calombos das picadas de muriçoca cobrindo o corpo do bebê de poucos meses. Conseguimos uma oportunidade de emprego para Francisco, como caseiro numa fazenda próxima. Ele recusou, nos ferindo a caridade desprezada.

Magoando mais um pouco o hematoma em nossa criação cristã, nos deparamos com um xeque-mate dos diabos. Era fácil concluir pela preguiça, alegada desde os colonizadores em relação àqueles que não se submetiam. E, ainda hoje, atribuída aos que não querem vencer. Ou teria raízes mais profundas, como uma vaga intuição de possuir direitos, de não ser cabível alguém viver naquela situação? Um sentimento legítimo de que, como nós, também pertencia à Humanidade e merecia a mesma vida digna – que não alcançaria sendo caseiro de fazenda?

Voltamos ao nosso dia a dia manso, deixando o ingrato Francisco e família por lá. Desde então, alguém pode ter comprado o terreno onde existiam e os expulsado do pedacinho que a casa ocupava. Podem ter sido infectados por barbeiros. Ou viraram crentes e doam o que não têm a bispos, pastores e apóstolos. Votam em quem eles mandam. Morrem de medo de comunista, tudo cria do Satanás.

Pare de cozinhar esses miolos, Antonina! Não sei se você realmente se aflige ou queria mesmo era ter a vida gloriosa de Gisele, sem outro motivo de amargura senão a impossibilidade do anonimato. Acho que o Demo não vai reservar seu lugar só porque é insensível ao fato de que a Bela não pode se mover livremente. E a arrogância de outra famosa modelo, que certa vez anunciou não se levantar da cama por menos de dez mil dólares? Hoje, escanteada pela idade num reino que só admite a juventude, afirma que foi apenas um comentário irônico mal-interpretado.

Fique feliz por ter vindo ao mundo em frente à Baía de Todos-os-Santos, lindo cenário para onde as baleias voltaram, agora que gozam de respeito por sua poesia, ainda que compulsório. Não faz muito tempo, era uma se arriscar e ser assassinada barbaramente, tanto que sumiram durante muitos anos. Mas você insistiu até ver dias melhores para as baleias e outras criaturas; sua sobrinha assumiu aos 12 anos gostar de meninas e não provocou a 3ª Guerra. Vamos torcer pra que a família de Francisco esteja bem e faça parte do MST.

*Ró-Ã é autora Dor de facão & Brevidades

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