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MUITO

Quanto vale o show?

Por Luana Ribeiro

19/09/2016 - 11:27 h | Atualizada em 20/10/2016 - 19:41
Fernanda Bezerra, da Maré Produções Culturais, reclama das "taxas mais variadas do mundo"
Fernanda Bezerra, da Maré Produções Culturais, reclama das "taxas mais variadas do mundo" -

De um lado, o público reclama do preço dos ingressos dos espetáculos de música. Do outro, os produtores respondem e abrem suas caixinhas mágicas de cálculos, mostrando os custos envolvidos na estrutura da apresentação dos artistas nos palcos da cidade

Novembro de 2011. Uma orquestra preenche o amplo palco do Teatro Castro Alves. Roberto Carlos, hit após hit. Naquele pequeno espaço, Emoções acaba soando mais forte e desafiando a pieguice. "Chorei", lembra um dos espectadores, que acompanhou o rei bem de perto, em uma das fileiras mais próximas. O preço do sonho: R$ 800. Costuma-se dizer que um show marcante é impagável. Mas como funciona a cadeia produtiva por trás do ingresso?

Produtores defendem que a percepção de que os valores aumentaram - ainda que não alcancem o patamar da realeza - é uma realidade. Só que deriva de uma fatura alta do outro lado. "Pagamos as taxas mais variadas do mundo; tanto os custos de logística, do ambiente, um som bom, o receptivo do artista. Quando vai fechar as contas, ainda surgem elementos-surpresa: chove, tem que colocar toldo, chamar um cara para fazer uma malha", defende Fernanda Bezerra, sócia da Maré Produções Culturais.

A Maré promove eventos, como o Festival Sangue Novo, o projeto Palco Brasil (que em setembro reuniu João Bosco, Moraes Moreira e Maria Gadú), além de shows de artistas, como Céu, que trouxe para o Largo Tereza Batista, em julho, o show do novo álbum, Tropix. "Se você põe todos os detalhes mínimos em uma planilha, dá para fazer um show hoje no Pelourinho, bem básico, de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Isso sem o cachê do artista".

No caso das praças do Pelourinho, que são geridas pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult), a pauta é gratuita. Mas, ainda na esfera pública, os preços variam: o Solar Teatro Boa Vista abriga eventos por valores que vão de R$ 180 a R$ 1.800. Um show que cobre ingressos pode ter a Concha Acústica como palco por R$ 15 mil, ou 10% da bilheteria (vigora o maior valor). Administrado pela prefeitura de Salvador, o anfiteatro Dorival Caymmi, do Parque da Cidade, custa R$ 2,3 mil. Indo para o âmbito privado, o Wet'n Wild oferece a área verde a R$ 13 mil e a área da piscina, maior, por R$ 23 mil.

Na ponta do lápis

Para ilustrar os custos de produção de um show, Fernanda apresenta os custos básicos em uma planilha de estudos para uma edição especial do show Elza Soares - Um grito pelas mulheres, que contou com participação de Liniker e Carol Conká, com ingresso a R$ 60, a inteira.

Da receita bruta, ela diz, 10% se destinam à locação do espaço para quatro mil pessoas; mesma taxa abocanhada pelo Ecad (Escritório de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais). Todo show paga também Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o que representa 3%.

Esse é o mesmo percentual estimado para a taxa de cartões - que permite comprar o ingresso em débito ou crédito. "Hoje, não temos uma política de isenção, como acontece em outras atividades". Quase 20% da bilheteria dos shows vai para as despesas com os artistas, que incluem passagens de avião, hospedagem, alimentação e transporte na cidade, além dos gastos com a preparação do camarim - considerando os artistas e sua produção.

Um pouco mais da arrecadação, 22,4% dos recursos, paga a estrutura e a comunicação - entram aí som, luz, gerador, segurança, limpeza, painel de LED, programação visual, outdoor por 15 dias e banner durante 10 dias. Os 31% restantes são divididos entre a estrela da festa (que fica com 80%) e a produtora (20%).

Além de ser uma estimativa, a planilha de Fernanda não vale para todos os shows da Maré - se há patrocínio, entra mais dinheiro no bolo e o ingresso pode ficar menor. As contas da produtora também não se encaixam em outros perfis de negócio, mas servem para dar uma ideia dos elos que compõem a cadeia, até chegar a hora do bis.

Com um catálogo predominantemente preenchido com eventos patrocinados ou feitos com leis de incentivo, a Multi Planejamento Cultural tem outros números na calculadora, mas compartilha desafios semelhantes. Apesar das eventuais dificuldades que o mercado enfrenta, uma das sócias da produtora, Renata Hasselman, avalia que, se as despesas pesam para um lado, acabam tendo repercussão no público. "Temos uma matemática aí que gera esse preço do ingresso, e há uma demanda muito vasta, porque todo fim de semana tem coisa".

Democratização

A plateia, assim como o produtor, também busca um ponto de equilíbrio. "Vamos lá: quatro finais de semana no mês, R$ 60, o ingresso. Estou falando de um público que paga a inteira, da minha geração. Sessenta vezes quatro, R$ 240. Só de ingresso. Se você botar aí R$ 10 do estacionamento, dez vezes quatro, quarenta, então R$ 280. Fora gasolina, o que você vai gastar ali, para comer ou para beber. Então, nessa brincadeira, você chega a R$ 300, R$ 400, para uma pessoa que gasta pouco saindo".

Gesticulando, Renata coloca os óculos do fã e quase traça um paralelo em uma lousa imaginária. A conclusão: "Se você falar de R$ 400 no orçamento, se fazemos uma proporcionalidade com o salário mínimo, estamos falando de uma população de classe média, média-alta".

Para formar a equação, outras variáveis entram no processo. Também sócia da Multi, Ana Paula Vasconcelos aponta a implantação da nova lei da meia-entrada, que fixou em 40% a quantidade de ingressos pela metade do preço. "Até então, o produtor praticava R$ 60/ R$ 30, e todo mundo pagava R$ 30. Agora virou uma realidade. Uma parte, 40%, vai pagar

R$ 30, e 60% vão pagar R$ 60. Isso também causou esse impacto e fez todo mundo achar que está mais caro".

Para Vasconcelos, a questão passa pelo fato de que não temos a cultura de consumir cultura. "Penso que esse seja o primeiro ponto. As pessoas preferem sentar num bar e pagar R$ 100 a gastar R$ 40 em um ingresso e R$ 40 em bebidas. Sim, tem essa cultura. Ela é nossa. Estamos aqui para desconstruir isso. Mais do que ficar na crítica do público, temos que começar a desconstruir isso e dizer: 'Como é bom você ter a experiência de ver um show'".

Demanda popular

No meio do caminho, entre a conta por trás das cortinas e a necessidade dos espectadores, a produtora cultural volta à questão do patrocínio, elencada por todos os profissionais. "É caro, para a maior parte da população, um ingresso a R$ 100. Não vamos falar em democratização do acesso com ingressos a esse preço. Mas o mercado de shows está aí. O artista tem que circular. E a forma de ele circular hoje é com o subsídio do ingresso. Quem patrocina o artista é o público. Porém podemos ter os processos patrocinados, as leis de incentivo, tudo isso serve para facilitar o acesso, para fazer o ingresso de graça, a R$ 10, a R$ 5".

Quando há patrocínio ou subsídio governamental, é possível ainda praticar o que é comumente chamado de "preços populares". Um dos palcos mais concorridos da cidade, reinaugurado em maio, após ter fechado para reforma em 2013, a Concha Acústica tem sido alvo de reclamações nas redes sociais por conta da programação quentíssima, mas com ingressos variando entre R$ 60 e R$ 100. Apesar das reclamações, os shows estão sempre lotados, e com direito a sessões extras. A diretora artística da casa, Rose Lima, diz que o Teatro Castro Alves não define o valor dos tíquetes - a não ser nos espetáculos promovidos pelo próprio TCA. "Nós não determinamos. Muito pelo contrário. Estamos sempre falando: 'Gente, está muito caro! Vamos baixar um pouco, em vez de ganhar em um só, vamos tentar ter mais gente possível'".

Para tentar remediar (um pouco), o teatro lançou o projeto Janela Baiana, na qual o artista recebe um desconto de 5% no valor da pauta ao convidar algum artista local para fazer a abertura do show, que pode ser de outra banda ou cantor ou um recital de poesia. Há ainda os projetos próprios.

"Se você pensar na Sala Principal, temos alguns espetáculos nossos onde o preço é muito barato. Uma orquestra sinfônica, que está trazendo um solista superimportante, a R$ 20/ R$ 10. O balé, a mesma coisa. A Série TCA, que a gente até não teve ano passado, mas, quando tínhamos, o preço de um evento internacional com John Malkovich, a gente tinha de R$ 20 a R$ 120". O Domingo no TCA tem entradas a R$ 1 (inteira). Por esse valor, a Sala Principal já abrigou artistas como Daniela Mercury, Chico César, Carlinhos Brown, Saulo Fernandes e Mariene de Castro.

Debaixo dos dreadlocks

Mesmo com patrocínio ou subsídio público, além da bilheteria, o mercado de eventos, muitas vezes, opera com risco, mesmo que calculado. Após 17 edições marcando o início do fervor da estação, o Festival de Verão, organizado pela iContent, empresa da Rede Bahia que atua no ramo de entretenimento, resolveu se repaginar.

A mudança se estendeu até o "Rasta", símbolo tradicional do evento, que aposentou o berimbau, trocado por um microfone. A festa recua de janeiro para dezembro e começará este ano mais cedo, às 14h. Em vez de quatro dias - já foram cinco - as atrações se distribuem nos dias 10 e 11. O lugar também mudou: sai o Parque de Exposições, entra a Arena Fonte Nova.

Segundo o gerente-executivo da iContent, Estácio Gonzaga, a ideia foi "sair da mesmice" e rever completamente o conceito do festival, sem perder, porém, a força da marca, já consolidada. Um exemplo é a mudança do começo dos shows, que sempre acontecia no início da noite. "Todos os grandes festivais estão com essa tendência, e a Arena Fonte Nova é propícia a isso".

Por determinação judicial, o estádio está submetido à nova lei do silêncio e não pode ultrapassar 60 decibéis após as 22h. O novo espaço, porém, oferece possibilidades diferentes, como o Lounge Fly, que funcionará no Lounge Premium da arena. Retirando as cadeiras, a organização pretende criar um grande platô de frente para o palco.

No final das contas, a iContent calcula um investimento de R$ 12 milhões, para esses dois dias de festa. Com um tíquete médio em torno de R$ 110 (considerando preços distintos de pista, frontstage, camarote e lounge) e uma expectativa mínima de 30 mil pessoas/dia, a bilheteria só responde por metade. "Existe a possibilidade de uma margem de lucro. Tentamos obter entre 10% e 20%, mas pode também dar prejuízo. Todo mundo toma um prejuízo no primeiro ano em que lança um produto".

Vale a pena, então, o risco? "São 17 anos. Já tivemos lucro e já tivemos prejuízo. No final, para nós, é um conteúdo que estamos entregando, um legado para a cidade. Mexe com turismo, economia e com a cultura, além de conteúdo para televisão, o que dá visibilidade. Não poderíamos deixar acabar", explica.

Outras possibilidades

Bailarina e produtora cultural, Eliana Pedroso adotou a própria medida, à frente do Café-Teatro Rubi, que funciona dentro do Sheraton Hotel da Bahia, no Campo Grande. A pauta é fechada, ocupada apenas por eventos organizados pela própria equipe. O esquema, ela conta, é fifty-fifty: metade da bilheteria fica com o espaço, metade, com a atração.

"É um conceito que a gente vem trabalhando e quanto mais a gente vai caminhando para a frente, mais os artistas falam uns com os outros, um vai referendando o outro". No boca a boca, os artistas vão sentindo confiança em também assumir parte do risco, apoiados nos fãs, que queiram compartilhar algumas horas no luxuoso café-teatro, que tem capacidade para até 156 pessoas.

Essa "engenharia financeira" e a bilheteria pequena acabam influenciando no preço - há eventos na faixa de R$ 30, mas muitos alcançam R$ 100, R$ 120. "Esse espaço é fruto do meu investimento, em parceria com o Sheraton, mas somos nós que temos que nos sustentar, então o preço, às vezes, acaba sendo um pouco maior. O TCA faz eventos a R$ 1, mas tem o subsídio do governo. Fazer cultura é muito caro, e no mundo todo precisa-se de subsídio. Eu posso dizer que somos um case de sucesso, o café-teatro não tem nada disso e vive disso".

Para atrair o público, Eliana só convida para ocupar o seu palco artistas que avalia como "de qualidade artística de alto nível". Outra aposta é na estrutura para receber essas atrações e no resultado mais intimista, com o público bem perto. O serviço, com mesas e garçons, também é apresentado como um "diferencial".

Responsável por trazer grandes nomes da MPB a Salvador - somente em setembro, a agenda tem Titãs, Alcione, Humberto Gessinger, Ira, Camisa de Vênus, Skank, Jorge Vercillo e Nação Zumbi -, a Íris Produções também sobrevive com pouco patrocínio. Para além de cifras, a produtora Irá Carvalho usa seu capital social para viabilizar os shows. "Ter parceiros mesmo nos serviços e também na mídia, que consegue fechar essa conta aí".

Nos cartazes de divulgação, esse tipo de parceria é o conhecido "apoio". Mais uma vez, a existência da demanda é o que possibilita a continuidade. "Todos os shows que estou fazendo, que vou realizar, não têm patrocínio, verba direta. Faço permuta com alguns parceiros, em mídia, e tem o público fiel do artista. A maioria dos shows que estou produzindo tem uma verdadeira legião de fãs. É isso que, no final das contas, garante a bilheteria. Para cobrir os custos, na pior das hipóteses, tenho que ter entre 60% e 70% de público pagante, isso só para garantir a receita e conseguir pagar as despesas. A partir daí, eu tenho lucro".

Na contramão dos outros produtores, Irá não avalia que os ingressos tenham sofrido um aumento tão radical no mercado no qual ela atua. "Trabalhamos com um cast bastante variado. Há artistas que são top e outros com uma estrutura menor. A cada show, avaliamos o custo total para definir o valor do ingresso. Por conta disso, temos ingressos com valores diversos, que podem variar de R$ 60 a R$ 100, a inteira. Se você for avaliar, não é realmente caro. Eram preços que já estavam sendo aplicados há anos, antes de a Concha entrar em reforma".

Do outro lado

A intricada relação entre plateia e produtores tem um elemento sustentador: a terceira face da moeda é a do tão citado patrocinador, que cada vez mais busca se manter invisível. Ou, pelo menos, ter uma presença mais sutil. "No mundo, a experiência está contando cada vez mais, o apelo da publicidade está caindo. O consumidor não está mais tão preocupado com o que a marca diz, mas com o que a marca faz", explica Felipe Bratfisch, gerente regional de marketing da Ambev. O show, como produto cultural, segundo ele, tem maior valor a partir dos momentos que proporciona. Como financiadora, a empresa está lá, deixando literalmente sua marca. "Patrocínio é muito importante para o posicionamento".

A Ambev tem patrocinado uma média de mil eventos somente na Bahia, alcançando cerca de 11 milhões de pessoas em suas ações. Com um catálogo extenso de produtos e rótulos, é possível estar por trás de rodeios e festivais sertanejos (Brahma); Carnaval (Skol); festas de música eletrônica (Skol Beats); e eventos com um pé na gastronomia (Brahma Extra). "Cada marca se posiciona em cima de um público específico dentro desse 'passion point' ", afirma Bratfisch, em menção aos pontos de interesse do grupo-alvo.

O entendimento dessa lógica é fundamental para o produtor conseguir o patrocínio. "Uma coisa que aprendi na minha vida é não bater porta à toa. Entendo o patrocinador, o que ele se interessa. Parei com a utopia de querer convencer", diz Fernanda Bezerra.

"Antes, eu chegava e achava que você não tinha sensibilidade. Hoje, eu entendo que é um planejamento estratégico. O mercado de produção se equilibra, ou pelo menos tenta, entre a arte e a razão. A gente tem medo de falar essa frase: empresário da cultura. Mas a verdade é que sou, sim, uma empresária da cultura".

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