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Rabada, mocotó e feijoada: um roteiro gastronômico pela Feira de São Joaquim
Por Daniel Oliveira | Fotos: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE

"A melhor coisa para comer aqui é a feijoada", afirma a técnica de enfermagem Fernanda Cruz sobre a gastronomia da Feira de São Joaquim enquanto almoça – opinião inteiramente compartilhada pelos dois amigos que a acompanham. Segundo eles, com pimenta, farinha e acompanhada de uma cerveja gelada, o prato fica melhor ainda. “Todo final de semana estamos aqui, dona Diva (proprietária do Pôr do Sol da Diva) já sabe do que gostamos. Se pinta uma folga como hoje, a gente vem também”, completa a colega Mari Santos, recepcionista, no início de uma tarde de segunda.
Nas vielas, nos corredores e também na ala nova da feira defronte à Baía de Todos-os-Santos, os bares e restaurantes oferecem uma mistura de receitas caseiras e condimentadas, com diferentes preços e sabores. Os primeiros abriram as portas por lá nos idos de 1980. Servem os famosos pratos feitos (PFs) no capricho e também as moquecas feitas e servidas na panela de barro. Se falta algum ingrediente, é só dar uma volta para encontrar. Afinal, a Feira de São Joaquim ainda hoje é um dos principais lugares de abastecimento de alimentos de Salvador.
Há uma certa variedade de opções de comida na feira. Se, por um lado, passa longe da gastronomia cosmopolita dos shoppings, por outro, não se aproxima apenas dos alimentos com dendê – a mais conhecida culinária local, difundida mundo afora. Nos boxes é fácil encontrar todos os ingredientes necessários para fazer uma moqueca. No entanto, nos bares e restaurantes são os ensopados, a feijoada, o mocotó, o cozido e a rabada que predominam.
Molho pardo e milome
Um dos mais procurados e tradicionais da Rua das Flores, no interior da feira, o Cantinho da Dadá tem um prato diferente a cada dia da semana. De acordo com a proprietária e cozinheira Marilena Andrade (Dadá), que aprendeu a cozinhar com a avó, “segunda é molho pardo, quarta e sexta é comida baiana, e aí tem bacalhau, moqueca de peixe, vatapá, feijão de leite”, vai listando. A dona do restaurante também produz cachaças artesanais de folhas, ervas e cipós, como milome, cambuí e pau-de-rato.
“Aqui é sempre comida caseira, mas tem gente que atravessa a cidade só para comer”, diz, orgulhosa. A filha ajuda na preparação, principalmente nos sábados, domingos e feriados, os dias de rabada e feijoada, quando o bar-restaurante fica lotado. “A feijoada cai muito bem com a cachaça de milome e o molho lambão”, pontua. O almoço, frequentemente, termina em samba. Em virtude da farra e da confraternização, Dadá realizou durante muitos anos, junto com outros feirantes, a Lavagem da Rua das Flores. De uns tempos para cá, o festejo não tem acontecido.
“Diminuiu muito a quantidade de restaurantes e bares, quase a metade”, explica a senhora. Mas a Festa de Marujo está certa para o primeiro domingo de setembro. O livro de ouro para financiar o evento, inclusive, está circulando. “Vocês já podem assinar, fica ali o ano todo no pé do Marujo. Os devotos fazem pedidos”, convoca. “É samba de viola, o pessoal todo vem. Surgiu com a fé”.

Também na extensa Rua das Flores, mais ao fundo, fica o Recanto do Luciano. Segue a mesma linha – porém, como fala Dadá, “cada um com o seu pulo do gato”, melhor dizendo, com tempero próprio. Serve ensopado de boi e de frango, mocotó e, caso a encomenda seja feita com certa antecedência, moqueca de peixe.
O proprietário Luciano Oliveira, sergipano que chegou à feira há 30 anos, acorda às 4h e antes de o sol raiar já está lá. Organiza o café da manhã, com cuscuz e carne de sol, aipim, sopa, café e sucos de cupuaçu e goiaba da fruta. Cozinhar é o que mais gosta, junto com a música gospel. “Sou evangélico agora e estou acabando com esse negócio de cachaça. Por isso, prefiro o café da manhã”.
Entre novembro e dezembro, prepara o feijão fava-verde como um tropeiro. Diz que faz sucesso, e o cliente há mais de 15 anos Perón Gonzalez assegura. “Conheço gente que sai de Itapuã e vem comer aqui. E tem a pechincha, se o cliente tiver R$ 10, ele vai colocar a comida proporcional ao valor”, explica o amigo de Luciano, que também é fornecedor da feira. “Uno o útil ao agradável”.
Na área nova, em frente ao mar, dona Diva Lobato, “filha da ilha” (de Itaparica), como se apresenta, expõe um cardápio diversificado no seu Pôr do Sol da Diva. Tem petitinga, bife acebolado, carne de sol, camarão ao alho e óleo, moqueca, entre outros. No entanto, o carro-chefe é a feijoada, ao lado do mocotó e da rabada. “São as comidas caseiras que pedem todos os dias”. Quando chega um vegetariano, a solução é o improviso: “Não gosto de deixar ninguém sem comer, então faço uma saladinha, um feijão. A gente resolve”.
Já seu Jacó, santo-amarense e proprietário do restaurante Cabana do Jacó – próximo ao de Diva –, defende que os ingredientes frescos, comprados na própria feira, são diferenciais dos restaurantes da Feira de São Joaquim.
Com menu fixo e impresso, o único entre os lugares visitados, o dono e cozinheiro demonstra uma versatilidade no preparo que passa pela mariscada e vai até o siri catado e o churrasco. “Fui aprendendo com o tempo, antes trabalhava com automóveis, mas observava muito as pessoas cozinhando. E aqui é comida com tempero próprio, não tem conservantes, é tudo feito na hora. Hoje isso está em falta”.

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