MUITO
Renata Di Carmo: "Nosso empenho é de sempre fazer o melhor"
Autora escreve, junto a outras quatro roteiristas, a adaptação do sucesso literário Torto arado para a TV
Por Vinícius Marques
Renata Di Carmo é multifacetada. Doutoranda e mestra em Letras, especialista em Comunicação, graduada em Artes Cênicas, Cinema e Jornalismo, ela ainda tem no currículo diversos trabalhos como atriz de TV e teatro, além de assinar o roteiro para muitas produções audiovisuais.
Mais recentemente, a autora publicou um livro sobre a escritora e educadora Maria Firmina dos Reis. Atualmente, ela escreve, junto a outras quatro roteiristas, a adaptação do sucesso literário Torto arado para a TV, a ser exibido na plataforma de streaming HBO Max.
Nesta entrevista, ela fala sobre o desenvolvimento desta adaptação, sua recente visita a Salvador e um pouco sobre o trabalho de pesquisa que resultou no seu mais recente livro.
Como surgiu o convite para ser uma das roteiristas da adaptação de Torto arado?
O convite veio através da Luh Maza e do Heitor Dhalia, que é o diretor. A Luh é a responsável pela parte de roteiro, e fiquei, óbvio, muito contente, mas também com um sentimento de responsabilidade bem grande. A gente sabe tudo o que envolve uma questão de adaptação literária de um livro tão querido e bem aceito, um livro que já está com tantas traduções no mundo todo e com sentimento de muito respeito pelo Itamar também, mas está tudo sendo encaminhado de forma muito bonita, muito coesa e o nosso empenho sempre é de fazer o melhor e dar o melhor. Temos um compromisso. Esse livro tem um diálogo com os nossos processos históricos, com as nossas memórias e ancestralidades, então, tudo isso no momento em que o convite veio fez muito sentido para mim, mas também colaborou também com esse sentimento de uma grande responsabilidade pela frente nessa jornada da construção dessa série.
Qual sua ligação com o livro?
Eu tinha lido o livro, então, no momento que me convidaram eu refleti muito sobre o nosso pós-abolição, sobre as relações de processos históricos atuais com as relações que vêm dessa construção de um passado ainda presente, de um processo ainda em curso. O livro traz isso. Para mim, poder estar escrevendo essa obra e refletindo ali junto com o autor, na perspectiva desses personagens que representam tanto uma história real, de pessoas reais, para mim é um presente. É um presente porque eu estou falando de um outro que não sou eu, mas ao mesmo tempo estou falando de mim, dos meus e de todas as histórias que me perpassam também. Acho que essas ligações existem num campo físico, mas também num campo etéreo. Tem a ver com as nossas histórias coletivas.
Atualmente, qual é o estágio de elaboração do roteiro?
Estamos na construção, ainda não avançamos no sentido da produção. Saiu uma nota em algum lugar falando que o pessoal da produção já estava escolhendo elenco, mas a gente ainda está no processo de fala mesmo, de construção da série, da dramaturgia da série.
E quais são as dificuldades que vocês têm encontrado para adaptar essa obra?
Dificuldade, dificuldade... Acho que é mais um senso de responsabilidade mesmo, de noção, de escuta para adaptar uma obra literária da envergadura do livro de Itamar. Temos noção de que a série, um filme, seja lá qual for a construção que você estiver fazendo a partir de uma obra literária, sabemos que não é um livro, né? É outra coisa. Só que a gente se propôs também a andar muito junto ali com o Itamar mesmo, com a obra. Quando eu falo com o Itamar, não é exatamente a pessoa. Ele não faz parte da sala [de roteiros], nem nada. É com o que ele construiu mesmo. Estamos procurando ter algum nível de fidelidade mesmo ali com a proposta do livro e, ao mesmo tempo também, ele é muito generoso e nos possibilita uma abertura de muitos mundos. Acho que a dificuldade maior é exatamente no sentido de conseguir abarcar toda essa grandeza que é a realidade dessa região, a realidade dessas pessoas que serviram de material para a construção literária do livro.
A obra base é um sucesso, já são mais de 450 mil exemplares vendidos só no Brasil. Isso traz uma responsabilidade maior ao adaptar o trabalho, como você citou agora. Como vocês têm lidado com isso?
Somos cinco roteiristas, mais a equipe de direção, equipe de produção, todo mundo. Mas a gente está muito irmanada. Acho que lidamos com essa responsabilidade construindo para dentro da sala um processo interno muito coeso, de muita escuta, de muita troca e de muito respeito pelo trabalho, pelo trabalho que já existe, pelo trabalho de todo mundo que está envolvido e entendendo que essa união com todas as trocas que a gente faz e toda essa escuta é, na verdade, o que nos fortalece para lidar com essa preciosidade que é o livro, que é essa responsabilidade de transformar esse livro numa série e sabendo que há uma expectativa das pessoas em receber essa dramaturgia. É a união mesmo o nosso trunfo.
Vocês reuniram uma sala de roteiro formada apenas por mulheres negras. Como vocês chegaram nesses nomes e como é trabalhar com elas?
Quando eu recebi o convite da Luh Maza e do Heitor Dhalia, eu já tinha essa noção de que o desejo era compor uma sala de roteiristas negras, e aí o objetivo era só de roteiristas com muita experiência, já com uma estrada, e quando eu tive a confirmação fiquei muito contente, de perceber que de fato se deu e eles conseguiram montar essa sala. E tem sido muito prazeroso porque a gente tem uma troca de experiências, para além da troca técnica, porque todas são profissionais da área já há muito tempo, pessoas que têm suas carreiras, suas trajetórias já constituídas, consolidadas, então, tem um conhecimento técnico do que estão fazendo e tudo, mas as próprias experiências e vivências que obviamente a gente consegue criar um diálogo entre a gente e um diálogo com a obra que a gente está fazendo que é muito rica. É bonito estar num ambiente, num espaço e se ver no outro, projetar também no outro. É um espaço de muita troca e muito aprendizado, muito acolhimento e afeto.
Na última semana você esteve em Salvador, como foi a pesquisa por aqui? Foi relacionada à produção da série?
Eu fui em Salvador, mas era para um outro projeto. Um projeto pessoal que ainda não posso falar muito ainda. Projeto também de uma série e fui para Salvador também nesta perspectiva e aí pude também fazer outras coisas que têm a ver com os processos de trabalho. De alguma forma ligada ao trabalho ou não, estar em Salvador para mim é sempre muito especial, apesar de eu não ser baiana, sou carioca. Salvador sempre me reconecta com muitas partes de mim, me traz muita certeza de muitos questionamentos, agrega muito culturalmente também. Sempre encontro coisas e pessoas que agregam muito na minha construção.
Uma das roteiristas da série, Viviane Ferreira, estava na última semana finalizando as gravações de Ó paí, ó 2, em Salvador. Você teve a chance de se encontrar com ela e visitar o set de filmagens?
Sim, eu visitei o set. É muito orgulho de Vivi estar ali na frente desse set com o Bando de Teatro do Olodum, que eu sou super fã. A gente esteve juntas em alguns momentos e foi muito bom acompanhar o processo. Foi muito gostoso, muito positivo mesmo. Dizer que a equipe é majoritariamente negra e a gente tem dimensão do tamanho do Bando, né? Vê-los juntos ali, em prol desse filme, em prol desse projeto, do poder da força estética, da força política desse grupo... Um trabalho muito bonito e, especialmente, ver a Viviane no exercício da direção, tocando esse filme, foi muito especial.
Além de roteirista, você também tem no currículo trabalhos como atriz de TV e teatro, e como escritora fez o recente lançamento de As faces de Maria Firmina dos Reis. Como foi o processo de pesquisa e escrita deste livro?
O livro deriva do meu projeto de pesquisa de mestrado. Ele passa pela questão da estética negra em construção de narrativas e recebi o convite da Editora Bambual de publicar o que foi a minha dissertação até porque a minha escrita nesse lugar mais acadêmico é muito ensaística, então, tinha esse espaço para publicação. Mas a minha pesquisa se deu porque eu me deparei com Firmina muito tarde, a meu ver. Passei por toda a minha formação, a nível de construção mesmo como cidadã, e depois, a nível escolar, no primário, segundo grau, sem ter contato nenhum com a obra dela, e depois na faculdade sem ter contato, foi quando fui descobrir, mas muito depois, quando pesquisava sobre artistas negros e profissionais negros que foram invisibilizados em processos históricos no nosso país. Descobri Maria Firmina assim e fiquei muito encantada pela história dela e pela escrita dela, por diversos motivos. A história dela tem coisas que são excepcionais, como o papo dela ter sido a primeira romancista, como o fato dela ser a primeira professora concursada do Maranhão, enfim... Tudo isso que hoje a gente já tem mais conhecimento sobre ela, mas também a própria ruptura que ela propôs com a escrita dela. Fiquei muito encanada a saber mais sobre ela e o meu compromisso na academia sempre foi também daquilo que eu construísse, que eu pesquisasse, não ficasse só dentro dos muros da universidade, que de alguma forma pudesse levar isso para a sociedade. Seja no livro, seja escrever uma peça de teatro, seja escrever um filme ou uma série, mas de devolver isso de alguma forma. Quando veio a proposta de transformar em um livro, de imediato me pareceu excelente porque eu queria mais deste projeto do que deixá-lo arquivado no meu computador e receber um título de Mestre. Quanto mais pessoas souberem e se sentirem tocadas por aquilo que ela fez, escreveu, melhor.
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