MUITO
Rituais de beleza têm importância terapêutica para os baianos
Escolhas para cuidados estéticos envolvem questões como amizade e confiança
Por Pedro Hijo
"É como se eu tivesse acabado de tomar um banho de confiança", diz o engenheiro soteropolitano Caio Damaceno sobre o que sente depois de ir à barbearia. Quinzenalmente, o baiano de 33 anos vai a um barbeiro para cuidar da aparência e "resenhar com os amigos". "Melhora muito a minha autoconfiança estar nesse ambiente", afirma.
Assim como a visita de Caio à barbearia, outros rituais de beleza têm importância terapêutica para clientes baianos. Eles buscam nesses momentos o trato na aparência, claro, mas também a pausa na rotina, os ambientes descontraídos e, consequentemente, a elevação na autoestima.
O barbeiro que presta serviços para Caio, Vitor Formiga, sabe que essa "segurança pós-barba" é muito comum entre os clientes. Sócio da Meu Barbeiro, localizada na Pituba, Formiga explica que a preocupação com o aspecto visual é, muitas vezes, um estímulo para realizar as atividades do dia a dia com mais confiança. "A barba é como o homem molda a sua armadura para enfrentar a rotina", diz Formiga.
Baiano do município de São Gonçalo dos Campos, na Região Metropolitana de Feira de Santana, o barbeiro foi criado sabendo da importância de espaços de beleza para a construção da imagem e autoestima das pessoas. Quando criança, Formiga frequentava a barbearia em que os tios trabalhavam, o que estimulou o desejo de abrir um espaço em que pudesse reproduzir um ambiente profissional mais descontraído. "A cadeira da barbearia é um lugar em que o cliente se sente à vontade para falar o que pensa e expor inseguranças, o barbeiro é o terapeuta barato", brinca.
A psicóloga Juliana Correia atesta que rituais da beleza como fazer a barba podem ser uma atividade terapêutica. "Esses encontros têm função terapêutica porque podem nos relaxar, são momentos que nos fazem sentir mais regulados emocionalmente", explica. Mas Juliana alerta que esses rituais não substituem atendimentos terapêuticos. De acordo com a psicóloga, a terapia é um processo que deve ser acompanhado por um profissional em saúde mental que se predispõe a tratar os padrões de comportamento da pessoa.
A comunicóloga de Salvador Lili Bião escolheu um salão de beleza como espaço para desabafar enquanto cuida da aparência. Há 20 anos, ela recebe o atendimento da manicure Vanessa Cirqueira, com quem desenvolveu uma amizade. Segundo ela, o momento de fazer as unhas virou uma sessão de desabafos e conselhos. "Durante a uma hora que estamos uma em frente à outra é uma intimidade que vai sendo criada, não tem como ser diferente", diz Lili. Ela frequenta o salão em que Vanessa é sócia a cada dez dias para fazer alongamento nas unhas.
Nos atendimentos, Vanessa já ouviu muitas revelações dos fregueses. De traição até gente que se casou pela internet. "Uma vez, uma cliente me perguntou o que eu recomendava para o pigarro que ela tinha na garganta", conta, dando risada. Hoje, com 46 anos, Vanessa começou o trabalho de manicure na adolescência como forma de ganhar dinheiro. Logo, a renda virou o sustento de um filho que teve aos 16 anos.
O interesse da manicure pela profissão surgiu de forma natural, e foi também espontaneamente que apareceram as primeiras clientes. "Minhas amigas viam que eu achava o máximo pintar as unhas e começaram a me procurar", conta. Antes do salão que coordena atualmente, ela trabalhou durante 17 anos em outra loja, onde colecionou relatos de freguesas que a procuravam pela relação mais íntima. "Acho que sou psicóloga também", brinca.
A sensação de estar na pele de um terapeuta enquanto cuida da beleza do cliente não é exclusiva de Vanessa. A podóloga Aline Santana diz que todo mês ouve um desabafo ou uma história cheia de reviravoltas dos fregueses. Há 12 anos, a profissional se dedica a tirar calos e sarar unhas encravadas dos pés de soteropolitanos, especialmente idosos, um dos públicos mais fiéis de Aline. "Tem um senhor de 93 anos que eu atendo e que, toda vez que eu o encontro, é uma história nova", conta a profissional.
Além dos desabafos, algo que a podóloga ouve constantemente são os relatos de alívio durante as sessões que costumam durar uma hora. O prazer de oferecer o cuidado e a escuta foram fatores que influenciaram na mudança de carreira de Aline que deixou o cargo de executiva de vendas para atender como podóloga em uma clínica, em Salvador.
Ambiente
As risadas são sons que antecedem até mesmo os cumprimentos de boa tarde para quem chega à barbearia onde Vitor Formiga é sócio. “Já aconteceu de relações serem criadas ali, vínculos duradouros de amizade”, conta o barbeiro. No local, é comum que os clientes em atendimento estejam conversando acompanhados de uma garrafa de cerveja ou uma xícara de café. As bebidas são oferecidas pela barbearia, uma estratégia para deixar o ambiente mais amigável, segundo Formiga.
Para ele, espaços de beleza para homens sempre foram voltados para conversas descontraídas. “O que mudou de uns tempos para cá é que os equipamentos ficaram mais tecnológicos e alternativas foram pensadas para que eles se sintam mais à vontade”.
O conforto faz parte do ritual terapêutico da beleza, de acordo com a psicóloga Juliana Correia. “É tudo organizado para que o cliente não pense nos problemas, se sinta mais bonito e bem tratado”, explica a profissional, citando estabelecimentos de beleza que oferecem massagens, mesa de sinuca e doces.
O ambiente apropriado para o bem-estar foi o que moveu o engenheiro Caio Damaceno a realizar a despedida de solteiro na Meu Barbeiro. Alguns dias antes da cerimônia de casamento, o baiano convidou 15 amigos para uma reunião de cinco horas regada à cerveja e cortes de cabelo e barba. “Tudo isso só foi proporcionado por causa dessa parceria que eu criei com os meninos da barbearia”, conta.
O publicitário Bruce Marinho passou por uma situação parecida na mesma barbearia. Ele cultiva a barba há quase uma década, mas só começou a ter a assistência profissional no fim do ano passado, semanas antes do casamento de um amigo. A “resenha pré-cerimônia” entre padrinhos também foi na barbearia. “O negócio tomou uma proporção tão grande que até uma amiga foi e ainda tirou algumas fotos do dia”, diz Bruce, que agora compra produtos específicos para o cuidado com a barba.
Apesar da descontração, barbearias podem ser intimidadoras para alguns clientes na visão do publicitário. “Alguns desses espaços promovem uma resenha que dão vazão a uma masculinidade tóxica”, diz Bruce em referência a papos machistas ou homofóbicos. O baiano prefere marcar a ida para a barbearia em horários mais vazios e distantes do happy hour. “Assim, as conversas são mais tranquilas”.
A comunicóloga Lili Bião também prefere fazer a unha em dos horários distantes dos fins de semana, que costumam ser mais disputados. “Se o salão puder ser mais tranquilo, melhor, já sou bombardeada diariamente com sons e informações o tempo todo, sou mais da conversa entre eu e a manicure”, comenta.
A busca pela tranquilidade nos espaços de beleza é também uma tentativa de tornar o momento do autocuidado uma atividade mais terapêutica, segundo Juliana: “Ficar ali batendo papo, sem compromisso, por aquelas horinhas, é uma fuga da vida corrida, o que dá uma boa sensação de bem-estar”.
Parceria
A cumplicidade e a intimidade entre o cliente e o profissional são fundamentais para a confiança no trabalho, de acordo com a podóloga Aline Santana. O atendimento para idosos, por exemplo, requer uma camada a mais de confiança. Para a cliente mais velha de Aline, uma senhora de 102 anos, a profissional se desloca e faz o atendimento em domicílio. Nesse caso, é preciso cautela ao cortar as unhas para não deixar nenhum cantinho que possa machucar a pele fina da idosa.
Antes da Meu Barbeiro, Vitor Formiga já colecionava clientes em uma outra barbearia de Salvador. Caio Damaceno era um deles. “Eu segui para a nova unidade justamente por causa dessa amizade que a gente criou”, diz. Na parede da barbearia coordenada por Formiga estão presentes dados pelos clientes, um deles é um quadro com um desenho dos sócios. Lili também é fiel a Vanessa. Por 20 anos, ela acompanha a manicure em todos os salões onde ela trabalhou nesse período.
Já Aline conta que herdou os clientes da irmã, que também é podóloga e se mudou para outro estado. Há 12 anos, ela trabalha para manter e ampliar a freguesia. “A podologia não é só o cuidado quando o problema já existe, como uma unha encravada ou inflamada”, diz a profissional. “Ela faz parte sempre, para o cliente ter o prazer de ser cuidado”. De atendimento em atendimento, ela relata que muitos já se tornaram amigos.
Serviço
Aline Santana Podologia
Endereço: R. dos Maçons, 121 - Loja 105 - Pituba
Instagram: @aline.podologia
Meu Barbeiro
Endereço: R. dos Maçons, 121 - Loja 1 - Pituba
Instagram: @meubarbeiro_
Vanessa Cirqueira Manicure
Endereço: Shopping Bahiamar, sala 108 - Costa Azul
Instagram: @vancirqueira.nails
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