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Rock em Salvador: diversidade e resistência

Confira matéria da revista Muito deste domingo

Por Pedro Hijo

07/07/2024 - 0:26 h
proprietário da casa
Brothers of Metal, em Cajazeiras, Eltons (ou Tomzinho)
proprietário da casa Brothers of Metal, em Cajazeiras, Eltons (ou Tomzinho) -

Os dois maiores nomes baianos do rock são também representantes de um traço regional do gênero: a incorporação de elementos de outros ritmos. Se Raul Seixas misturou o rock com o baião na música Let me sing, let me sing, Pitty dialogou com ritmos caribenhos no álbum Matriz, com participações de artistas como a banda BaianaSystem e a cantora Larissa Luz.

Tanto o rock quanto o elemento de fusão musical que caracteriza o gênero na Bahia permanecem vivos em Salvador, com marcas de resiliência e diversidade.

O cantor baiano Marcos Clement, de 43 anos, que fará um show em homenagem a Raul Seixas no sábado, 13 de julho, Dia Mundial do Rock, afirma que se inspira na mistura de ritmos promovida pelo ídolo.

“Raul era um cara que percebia que o rock de Elvis Presley tinha muito a ver com o baião de Luiz Gonzaga”, comenta Marcos, que ouve as músicas do roqueiro desde criança e já fez uma pesquisa sobre a vida dele. “Uma das coisas que me influenciaram foi a forma dele compor, eu adoro contar histórias trazendo irreverência”.

Irreverência é uma marca do rock em todo o mundo, mas a Bahia ressaltou esse elemento do gênero. É o que faz a cantora e compositora baiana Nancy Viegas, 53, fundadora da banda Crac!, que se tornou referência em música experimental em todo o Brasil na década de 1990. Para ela, a mistura com outros gêneros não é só bem-vinda ao rock, mas é o berço desse movimento.

“Sem essa fusão não existiriam gêneros musicais como o rock, que tem origem na música afro americana, jazz, blues, gospel, country, soul”, explica Nancy.

Ela considera que o rock produzido em Salvador tem identidade marcante e é um dos melhores do Brasil. “São inegáveis a pegada e o groove, e muito disso é por causa da influência direta da música de raízes africanas”, opina a cantora.

Baterista da banda instrumental baiana de rock Retrofoguetes, Rex, 52, concorda que o rock baiano é diferenciado. Segundo ele, pela distância do Sudeste, o gênero ficou menos permeável a copiar influências e, por isso, se tornou mais original e diverso.

“Além disso, a dificuldade impôs às bandas uma seriedade maior, uma dedicação maior à qualidade musical”, completa.

O maior desafio

Apesar da qualidade da música que produzem, os artistas de rock têm sofrido para se manterem ativos em Salvador. “O maior desafio para as bandas daqui é a dificuldade de grana”, diz Rex.

Um exemplo são os convites que os artistas recebem para festivais fora da capital baiana. Segundo ele, geralmente, a própria banda tem que arcar com os custos da viagem.

Para Nancy, apesar das dificuldades, a cena do rock baiano tem potencial para ganhar relevância nacional e internacional, mas precisa de apoio.

“É crucial um esforço conjunto entre artistas, público, promotores de eventos e políticas públicas inclusivas”, diz a cantora.

Rex afirma que, para a Retrofoguetes, o reconhecimento veio do esforço do grupo, que completou 22 anos. “Isso se deu por conta da seriedade com que a gente mantém esse trabalho”, avalia o baterista.

Ainda assim, ele diz que os integrantes se surpreendem com o patamar que a banda alcançou. “Tocamos em vários festivais Brasil a fora, tivemos músicas mencionadas na BBC em Londres, o El País elegeu nossa música como uma das melhores para se fazer strip tease”, comenta.

Proprietário da casa de shows Blá Blá Blá, no bairro do Rio Vermelho, Tony Lopes, 62, afirma que a cidade tem um público grande de fãs do gênero, mas que não tem frequentado shows e eventos de rock. Para estimular novos artistas, Tony conta que comumente chama bandas autorais em início de carreira para se apresentar na Blá Blá Blá.

“A gente está vendo uma nova geração de pessoas que transitam no rock”, diz o empresário. Em Salvador, novos artistas também têm trazido diversidade para a cena. É o caso da cantora baiana Midorii Kido, 28. Ela tem se destacado por ser uma artista drag queen cantando metal rock: “Eu não vou mentir, o rock, por mais que fale de liberdade, é extremamente conservador”, critica.

O empresário e músico Tonzinho, 35, dono da casa de shows Brothers of Metal, no bairro de Cajazeiras, é baterista da drag queen e tem se esforçado para estabelecer uma cena periférica do rock em Salvador. “A ideia é descentralizar o rock e o metal. E já descentralizou, porque já estamos no roteiro”, afirma Tonzinho.

Para Nancy, que conheceu o rock com nove anos de idade, o gênero a conquistou justamente por romper padrões. “O rock me levou à música das diásporas, como jazz e samba chula, e também ao interesse por subculturas”. As influências dela passeiam por ícones do rock como Os Mutantes, Tina Turner e Jimmy Hendrix, até artistas de outros gêneros, como o violeiro baiano Mestre Aurino de Maracangalha e o saxofonista de jazz John Coltrane.

Novos baianos

Nancy vê com bons olhos a nova geração da cena baiana. “Tenho visto jovens cada vez mais interessados em rock, e por isso se aprofundando no estudo da música. Esse movimento traz, naturalmente, uma renovação para a cena”, comemora. A dica da veterana é que os novos artistas foquem no estudo e no trabalho. “Não se iludir com modismos, números de seguidores”, alerta.

Sobre o futuro do rock em Salvador, Tonzinho é taxativo: “É preciso parar com a segregação dentro do próprio gênero”. Segundo ele, há uma tendência na cidade de artistas se negarem a tocar com determinadas bandas. “São motivos infundados para um movimento que é tão grande”, alerta o dono da Brothers of Metal.

Para estimular a quebra de preconceitos e atrair um público maior e mais diverso para a casa, Tonzinho convida artistas que tocam metal, rock clássico, autoral, cover e até de outros gêneros, como hip hop e rap. Também acolhe a comunidade LGBTQIAPN+. “São movimentos que não têm espaço”. Outra estratégia é não cobrar valores altos para o público. O maior foi R$ 40.

“Também disponibilizamos um espaço para ensaios de bandas que não têm condições de ir para estúdio, aqui temos equipamentos de qualidade para elas”, diz Tonzinho. Esse olhar democrático para o rock veio de um incômodo pessoal. Na adolescência, ele se deslocava de Cajazeiras para o Rio Vermelho para curtir os shows.

“Gastava muito tempo para chegar, gastava muito dinheiro, dormia na Lapa para pegar ônibus”, lembra. Há três anos, ele fundou a casa de shows para que a nova geração de roqueiros tenha mais opções. O evento de maior sucesso na Brothers of Metal até agora é o que promovem no Halloween, que ocupa até a praça em frente ao estabelecimento, reunindo até 300 pessoas.

Tonzinho diz que o movimento que propõe é um “resgate”. “O rock veio da periferia, veio de uma mulher preta, é uma música de protesto”, diz, em referência à cantora americana Sister Rosetta Tharpe, conhecida como a “Mãe do Rock”. Uma das artistas incentivadas por Tonzinho nessa proposta é a drag queen Midorii Kido.

Ela conta que começou a ouvir rock aos 14 anos, especialmente emo. Por ser homossexual, Midorii conta que sofreu preconceito na comunidade do rock e só voltou a se aproximar do gênero aos 23 anos. “O primeiro evento de rock que eu fui, já fui montada como Midorii”. Na pandemia, ela passou a gravar covers e postar online.

Com o apoio de Tonzinho, ela lançou a primeira música autoral, com letra escrita por ela e pelo pai. “Hoje, ele me aceita como sou”, celebra. Outra pessoa que apoiou Midorii foi a produtora cultural Sandra de Cássia, organizadora do festival Palco do Rock, no bairro de Itapuã. A drag queen já se apresentou duas vezes no evento.

Apesar do incentivo que recebeu de Tonzinho e Sandra, ela afirma que ainda sofre desafios para se firmar no mercado. “Quando eu vou começar o meu show, todo mundo espera que eu vá cantar Pabllo Vittar, mas eu faço o meu gutural e as pessoas não levam a sério”, lamenta. Ela também relata que já sofreu com comentários lgbtfóbicos na internet.

Na contramão, Midorii recebe elogios de fãs do gênero, em especial de pessoas LGBQIAPN+. “Uma menina contou para a mãe que é lésbica depois que os pais dela subiram no palco do meu show”. Outras queixas da cantora são que o público tem preferido bandas cover em vez de autorais e que o governo não tem contratado artistas de rock para eventos.

Rex, da Retrofoguetes, afirma que, por conta dessa falta de incentivo, a cena cultural “deu uma esfriada” em Salvador.

“E isso não é uma exclusividade da Bahia. É um pouco do reflexo do desmanche que a cultura sofreu nos últimos anos. Muitas casas fecharam, falta grana para os festivais e para as bandas”, lamenta o músico.

Tony Lopes, dono da Blá Blá Blá, afirma que a nova geração do rock baiano precisa ter respaldo da imprensa e aparecer em programas de televisão para ter sucesso. “Em São Paulo e no Rio de Janeiro você acha isso de forma mais intensa”, afirma. Na casa de show que comanda, ele varia estilos, como death metal, gótico e pop rock, mas revela que essa diversidade é um entrave: “O público que gosta de um gênero não ouve o outro, então, é difícil fidelizar”.

A solução que tem encontrado é investir na promoção de cada evento e, não necessariamente, em clientes que frequentem a casa toda semana. “A Blá Blá Blá vai fazer dois anos em agosto, é bem um inferninho tradicional de rock”, descreve.

Para ele, Salvador tem espaço tanto para o público de classe média alta que frequenta os bares do Rio Vermelho quanto para bares mais periféricos. Mas pondera: “É uma cidade com pouca grana circulando, e a arte é cara. Eu faço o possível para permitir todo o tipo de acesso, mas tenho que vender as coisas com preço de Rio Vermelho”.

A falta de recursos afeta toda a cena alternativa, segundo Tony. As bandas autorais são as mais impactadas. “Elas têm três lugares para tocar em Salvador, toca nos três e acabou”.

Para quem se apresenta com repertórios consagrados, o espaço é maior. Com um show em homenagem a Raul Seixas, Marcos Clement, por exemplo, já se apresentou até na Sala Principal do Teatro Castro Alves (TCA), em 2022. No espetáculo Contando Raul Seixas, além das canções, ele apresenta histórias do roqueiro, de quem se diz “fã fervoroso”.

O fascínio, o misticismo e os questionamentos de Raul atraem Marcos desde criança. Agora, ele se prepara para o show do Dia Mundial do Rock, na The Green House (Rio Vermelho). “Raul é o pai do rock brasileiro e eu vou tocar no Rio Vermelho, terra dele, quando se completa 35 anos da sua partida”. Raul também será o homenageado da próxima Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em agosto.

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